Salmonella "à prova de limpeza" é achada em fábricas de ração no RS

Cientistas encontraram espécies de Salmonella, bactéria causadora de infecção alimentar, que produzem biofilme, "capa protetora" contra produtos de limpeza

Fábricas de ração para animais de abate no Rio Grande do Sul estão contaminas por variedades de Salmonella "à prova de limpeza. A descoberta, feita por cientistas que analisaram os estabelecimentos, foi publicada nessa sexta-feira, 17, na revista científica Ciências Rurais.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) chegaram à conclusão após estudar mais de 50 amostras de bactérias do gênero Salmonella. Elas foram recolhidas em locais que produzem ração usada para alimentar porcos em criadouros industriais.

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O microorganismo causa gastroenterite — uma infecção grave do sistema digestivo — em humanos. A doença é contraída pelo consumo de alimentos contaminados, como carne e ovos. No meio ambiente, a bactéria se propaga em diversos tipos de material orgânico, inclusive nos ingredientes usados para fabricar o alimento de animais de abate.

No estudo, os pesquisadores encontraram 16 variantes distintas do gênero Salmonella. Foram realizadas coletas em quatro fábricas de ração na região Sul do País. As amostras foram retiradas de ingredientes armazenados para a manufatura dos alimentos, de equipamentos usados no processo, e também dos produtos prontos.

Após identificar as amostras, os cientistas avaliaram uma série de características das bactérias encontradas. Duas delas têm a ver com a produção dos chamados biofilmes, "capas protetoras" que permitem às bactérias sobreviver a produtos de limpeza, e também passar longos períodos dormentes. Por causa desta camada adicional, os locais de contaminação dos microorganismos se multiplicaram.

A primeira característica é a capacidade de produzir celulose. A fibra, encontrada habitualmente em plantas, torna mais difícil a ação de produtos como sabões e desinfetantes.

Estas substâncias funcionam dissolvendo a gordura que forma a membrana celular, o equivalente à "pele" das bactérias. A camada de celulose, no entanto, impede que os produtos entrem em contato com esta membrana, tornando-os menos eficazes.

A segunda característica é a presença das chamadas fímbrias — pequenos filamentos na parte externa da bactéria — em formato curvo. Elas funcionam de forma similar a um velcro, fazendo com que as bactérias se fixem de forma mais eficiente a diversas superfícies, inclusive naquelas que, a olho nu, parecem lisas, como vidro e aço inox.

A fixação faz com que seja mais difícil remover as bactérias por ação mecânica — ao esfregar a superfície com um pano, por exemplo. Aliada à produção de celulose, a presença de fímbrias curvas torna a Salmonella muito mais resistente às ações de limpeza tradicionais.

As bactérias coletadas passaram por um período de incubação que variou entre 48 e 96 horas, em solução aquosa a temperatura ambiente (28 °C). Das 54 amostras, apenas uma não havia criado nenhum tipo de biofilme após este prazo. Mais de 70% das colônias havia desenvolvido uma "película" por cima do líquido, um dos indicativos de produção do biofilme.

Os pesquisadores deixaram as bactérias, em seguida, em um ambiente a 37 °C, temperatura próxima à do corpo humano. Após 24 horas neste ambiente, as colônias haviam mudado de aparência, desfazendo o biofilme e ganhando um aspecto branco e aveludado.

Segundo os cientistas, a mudança reflete uma adaptação das variantes de Salmonella para sobreviver em diferentes situações. Ambientes mais frios indicam às bactérias que estão fora do hospedeiros, enquanto o calor significa que, provavelmente, a colônia conseguiu infectar um novo organismo.

Em situações mais frias, o biofilme ajuda os microorganismos a resistirem às condições do ambiente, como a composição química dos produtos de limpeza e o longo tempo que podem passar sem encontrar um novo hospedeiro. Ao detectar temperaturas maiores, elas voltam a se multiplicar.

O cenário preocupante ocorre porque nem todas as bactérias do gênero Salmonella produzem o biofilme. A alta proporção, nas fábricas de rações, de variantes capazes de desenvolver a camada de proteção, indica que há chances significativas de que os animais que se alimentam destes produtos acabem se contaminando.

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