CE: 2024 teve mais mortes pela polícia desde 2019; 79,3% eram negros

CE: 2024 teve mais mortes pela polícia desde 2019; 79,3% eram negros

Dados são da sexta edição do relatório "Pele Alvo: crônicas de dor e luta", lançado pela Rede de Observatórios da Segurança nesta quinta-feira, 6

O Ceará teve, em 2024, o maior número de mortes pela polícia desde 2019, com 189 vítimas. Desse total, 79,3% dos mortos eram negros. Em seis anos, o Estado teve um aumento de 39% nas mortes decorrentes de intervenção policial.

Os dados são da sexta edição do relatório "Pele Alvo: crônicas de dor e luta", lançado pela Rede de Observatórios da Segurança nesta quinta-feira, 6. 

O levantamento analisou dados de 2024 em nove estados (AM, BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ e SP), obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Relatório afirma que "a cor da pele continua sendo o fator mais determinante para mortes violentas praticadas pelas polícias".

O documento critica o alto número de vítimas com raça ou cor não informadas no Ceará. Do total de casos em 2024 no Estado, 51,3% não possuíam informação racial. "Uma estagnação inadmissível diante da necessidade de identificação étnico-racial para o enfrentamento da já conhecida ação racista das polícias". 

"É muito importante o número de vítimas, mas é muito importante a gente entender também qual é a raça, a cor dessas pessoas, qual é a idade dessas pessoas, qual o nível de formação, quais os lugares, os territórios em que essas pessoas foram vitimadas pela violência policial", destaca Fernanda Naiara, pesquisadora da Rede e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Segundo a doutoranda em Sociologia pela UFC, os questionamentos feitos a partir dos dados são importantes "para tensionar esse lugar de naturalização das mortes de pessoas negras e principalmente das mortes de pessoas jovens". 

No Ceará, em 2024:

  • 73,5% das vítimas tinham até 29 anos;
  • 98,9% das vítimas eram homens;
  • 17,5% das vítimas foram mortas em Fortaleza.

No Brasil, 4.068 pessoas foram mortas em decorrência de intervenção policial em 2024. A população negra (pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representou 86,2% do total de fatalidades nas unidades federativas analisadas, somando 3.066 vítimas absolutas.

De forma geral, o estudo conclui que pessoas negras tem 4,2 vezes mais chances de ser mortas pela polícia do que brancos.

A disparidade racial é agravada pela faixa etária. Os jovens entre 18 e 29 anos constituíram 57,1% dos casos, totalizando 2.324 vítimas. Crianças e adolescentes, de 12 a 17 anos, foram 297 vítimas, além de um caso de 0 a 11 anos, significando alta de 22,1% em relação a 2023.

Segundo Fernanda Naiara, os pesquisadores da rede "vem entendendo como a permanência de uma política de segurança pública que insiste na letalidade policial e não tem alternativas de controle dessa ação policial, que não tem propostas de redução desses números, de monitoramento desses números, inclusive". 

Um plano de enfrentamento ao racismo institucional

A pesquisa apresenta uma série de recomendações focadas em transparência, tecnologia, saúde mental e, principalmente, responsabilização:

1. Uso de tecnologia e transparência de dados:

  • Tornar obrigatório o uso de câmeras corporais para todas as unidades e em todas as operações, incluindo forças especializadas;
  • Eliminar a rubrica "não informado" para a raça/cor das vítimas, classificando o não preenchimento como falha grave;
  • Divulgar publicamente os protocolos de atuação das forças policiais em todo o território nacional.

2. Saúde mental e formação policial:

  • Rever urgentemente o modelo de formação, treinamento e avaliação policial, priorizando a redução da violência e o respeito aos direitos humanos;
  • Instituir um Programa Nacional de Atenção à Saúde Mental do Policial com acompanhamento contínuo e transparente.

3. Planejamento, metas e responsabilização:

  • Desenvolver planos estaduais e municipais com metas claras, indicadores de resultado e cronogramas de execução para a redução da letalidade;
  • Vincular o desempenho das forças policiais ao cumprimento dessas metas, com mecanismos de avaliação e responsabilização institucional;
  • Vincular repasses federais de segurança à adesão e ao sucesso na implementação das políticas de redução da letalidade;
  • Assegurar reparação e apoio às famílias em casos de abuso comprovado e garantir a participação dos familiares nos processos de apuração.

O que diz a Secretaria da Segurança do Ceará

Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) diz que os policiais cearenses passam por cursos de formação e capacitação continuada, baseados na matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública (SENASP/MSP). 

A pasta destaca que "houve redução de 10%, entre janeiro e setembro de 2025, das mortes decorrentes de intervenção policial, no Ceará. Neste ano, foram registrados 126 procedimentos. No mesmo período, no ano passado, foram 140 registros".

A secretaria considera que as mortes decorrentes de intervenção policial não são consideradas intencionais, pois "até prova em contrário, configuram excludentes de ilicitude, situações em que a ação ocorre por estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito".

 

Leia nota da SSPDS na íntegra 

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informa que os policiais cearenses passam por cursos de formação e capacitação continuada, baseados na matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública (SENASP/MSP). A formação contempla uma abordagem humanizada e técnica, voltada à resolução de conflitos e às questões sociais. Todos os profissionais são treinados para atuar obedecendo aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência, conforme as diretrizes da Portaria Interministerial nº 4.226/2010, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que orienta o uso progressivo da força pelos agentes de segurança pública no Brasil. Como resultado desses formações, a SSPDS destaca que houve redução de 10%, entre janeiro e setembro de 2025, das mortes decorrentes de intervenção policial, no Ceará. Neste ano, foram registrados 126 procedimentos. No mesmo período, no ano passado, foram 140 registros.

A SSPDS destaca ainda que está em fase de testes uma nova plataforma, com o objetivo de modernizar e agilizar o registro de ocorrências no âmbito da Polícia Civil do estado do Ceará (PCCE). A nova ferramenta substituirá o Sistema de Informações Policiais (SIP3W), possibilitando o cruzamento de dados estratégicos para o andamento de inquéritos policiais e levantamentos realizados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), além de permitir a análise mais fidedigna do perfil das vítimas de crimes.

A SSPDS reforça que as ocorrências decorrentes de intervenção policial acontecem quando o profissional de segurança, no atendimento de uma ocorrência, precisa neutralizar uma ameaça iminente, visando proteger as pessoas ao redor e a si próprio. A pasta esclarece que as mortes decorrentes de intervenção policial não são consideradas intencionais, pois, até prova em contrário, configuram excludentes de ilicitude, situações em que a ação ocorre por estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito.

Todas essas ocorrências são tratadas com seriedade e transparência, com dados publicados mensalmente no portal da SSPDS. Os casos são apurados de forma aprofundada e imparcial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e remetidos ao Ministério Público do Ceará (MPCE). A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) também acompanha as investigações.

As ações ostensivas das Forças de Segurança são orientadas por indicadores da Supesp e informações de inteligência. Como resultado dessas ações, a SSPDS destaca que, de janeiro a setembro deste ano, foram retiradas de circulação 5.328 armas de fogo em todo o estado, uma média de cerca de 20 armas apreendidas por dia. O número representa um aumento de 9,2% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram apreendidas 4.877 armas de fogo. Somente em Fortaleza, foram retiradas de circulação 1.256 armas de fogo nos nove primeiros meses deste ano, contra 1.176 no mesmo período de 2024, crescimento de 6,8%. No Interior Norte, as apreensões passaram de 1.468, em 2024, para 1.598 neste ano, representando aumento de 8,9%.

Atualizada às 22h


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