Ceará é quarto estado com mais perdas da caatinga para usinas de placas solares
Mudanças na vegetação implicam em efeitos negativos para a fauna e para a dinâmica hídrica de áreas de vegetação nativa ocupadas por placas solares
O Ceará tem 3.226 hectares (ha) de caatinga ocupados por usinas fotovoltaicas. O Estado é o quarto do Brasil em tamanho de área do bioma perdido para fazendas de placas solares, superado apenas por Minas Gerais (5.637 ha), Bahia (3.843 ha) e Rio Grande do Norte (3.552 ha).
Os dados são da organização MapBiomas, que lançou em agosto de 2025 uma análise detalhada da cobertura e uso da terra no Brasil ao longo dos últimos 40 anos, de 1985 a 2024.
A caatinga é o bioma que concentra a maior parte das usinas fotovoltaicas do País (62%). Os empreendimentos, que crescem exponencialmente desde 2015, já ocupam 21,8 mil hectares do bioma.
Desde 2016, o MapBiomas registra usinas de energia solar no ambiente da caatinga no Ceará. Naquele ano, uma área de apenas oito hectares foi computada. No ano seguinte, em 2017, as fazendas já ocupavam 176 ha.
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O número foi aumentando na última década até chegar na casa dos mais de 3 mil ha em 2024 — duas vezes o tamanho do Parque do Cocó, de Fortaleza, que tem 1.575 ha.
Evolução da área de usinas fotovoltaicas no Ceará
Cerca de 72,3% das áreas da caatinga ocupada pelas usinas no Ceará têm vegetação chamada de formação savânica: árvores baixas e espaçadas, misturadas com arbustos e áreas abertas.
De acordo com Washington Franca-Rocha, coordenador do MapBiomas Caatinga, o Estado é um dos que têm maior proporção de cobertura natural na caatinga, com cerca de 68% ainda coberto por vegetação nativa. Dessa área, 90% é de formação savânica.
“A instalação de usinas fotovoltaicas em áreas de formação savânica tem implicação direta com o desmatamento da vegetação nativa. Esse modelo é particularmente preocupante em se tratando de usinas que requerem áreas extensas para posicionamento das placas para a coleta da radiação solar”, diz.
Segundo o pesquisador, isso implica na ameaça da integridade de ecossistemas que já são frágeis, mas que continuam partes essenciais da conservação da biodiversidade e vitais para amenizar o efeito das mudanças climáticas.
Além da supressão da vegetação, a fauna é afetada, de acordo com o biólogo e doutor em Ecologia, Paulo Marinho. “Toda a fauna que ocupava aquela área tem que sair. Ou ela acaba morrendo ou ela tem que ocupar outras áreas. Você tem uma perda de habitat”, explica.
Mudanças na dinâmica hídrica da região também podem ser observadas após a retirada da vegetação e da planagem do solo. Paulo afirma que os padrões de escoamento da água podem sofrer alterações, influenciando ainda no assoreamento de riachos e rios.
“A gente ainda tem pouca pesquisa sobre o quanto essas placas impactam a fauna, além dos impactos de perda de habitat, fragmentação do habitat, de mudança de toda a dinâmica da área. Mas só por aí a gente sabe que é um grande problema”, afirma.
Como mitigar efeitos negativos das usinas fotovoltaicas no Ceará
Washington exemplifica que há formas de mitigar os danos e ainda aproveitar os benefícios da energia renovável. Locais de terras já degradadas ou de uso antrópico, como pastagens e áreas agrícolas abandonadas, podem ser priorizados para a instalação dos empreendimentos.
“Políticas públicas setoriais deveriam ser adotadas em dois sentidos: apoiar novos empreendimentos instalados em locais com baixos impactos e onerar aqueles que optem por se instalar em áreas de cobertura nativa”, orienta.
Medidas compensatórias, como apoiar financeiramente projetos de restauração da vegetação nativa da caatinga, também podem ser implementadas em usinas já instaladas.
“Seria mais coerente com o paradigma essencial dessa nova indústria, a transição energética e ecológica por meio de geração de energias renováveis de baixo carbono”, completa.
O que diz a Semace
Procurada, a Semace afirma que essa tipologia de empreendimento está “sujeita a um rigoroso processo de licenciamento ambiental, conduzido conforme a legislação ambiental vigente, especialmente no que dispõe a Resolução COEMA nº 06/2018”.
Segundo o órgão, o tipo de estudo ambiental a ser apresentado pelas usinas depende das características do empreendimento, podendo ser um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) ou Relatório Ambiental Simplificado (RAS).
“Durante o processo, são determinadas as medidas de controle ambiental, condicionantes, ações de monitoramento e, quando necessário, medidas de reposição florestal ou compensação ambiental”, diz a superintendência em nota.
Caso haja supressão de vegetação do bioma caatinga, pode haver previsão de medidas compensatórias obrigatórias. Também é necessária uma autorização específica para supressão de vegetação nativa.
“Ressalte-se que, conforme o disposto na Resolução COEMA nº 07/2019, essa atividade poderá ser enquadrada como de impacto local, hipótese em que o licenciamento ambiental, bem como a emissão de autorização para supressão vegetal e definição de medidas compensatórias, ficam a cargo do órgão ambiental municipal competente”, afirma.