Coletivo realiza Encontro da Beleza para mães de filhos vítimas da violência policial

"É o momento das mães se valorizarem, porque muitas, quando perderam os filhos, não tiveram mais prazer de viver", comenta Edna Carla, cofundadora do Coletivo que reúne mães de vítimas da violência policial, no Ceará

Desde o momento da gestação, a grávida estabelece uma relação íntima com seu filho. Não é à toa que o dia 8 de maio - dia das mães - é capaz de mobilizar todo o País em torno de uma vivência única, que é ser mãe e ser filho. Essa ligação é tão potente que nem mesmo a morte é capaz de silenciar. O exemplo desse sentimento reverberando mesmo após o falecimento é visto por meio da luta das mulheres do Mães da Periferia.

Trata-se de um coletivo de mulheres responsável por reunir mães de vítimas da violência policial no Ceará. As mulheres estiveram reunidas, na manhã deste sábado, 7, durante o II Encontro da Beleza, no Passeio Público. Os encontros são realizados anualmente, próximo ao Dia das Mães, com a proposta de cuidar da autoestima de mulheres que tiveram os filhos mortos através da violência policial.

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O evento contou com café da manhã coletivo, entrega de kits de higiene e realização de trabalhos voltados à autoestima das mulheres presentes. A ação ocorreu junto ao Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca).

Entre as participantes estava Edna Carla, mãe de Álef Sousa, assassinado aos 17 anos em 2015 na Chacina do Curió. A mulher é cofundadora do coletivo de Mães da Periferia. “Eu estava desesperada, e com o tempo, eu percebi que estavam morrendo mais e mais pessoas por causa da violência policial. Eu entendi que tinha que formar uma bandeira por memória e justiça, voltada para mães da periferia vítimas de violência pela Policial do Ceará”, conta Edna.

Nascimento do Dia da Beleza

 

Tendo sido realizado pela primeira vez em 2021, o Dia da Beleza foi “instituído” como um evento anual e passou a ser um símbolo para essas mulheres. “Eu percebi que nossa luta não poderia ser só para formar um movimento, mas deveríamos cuidar das nossas mentes. Esse dia nasceu para que as mães pudessem cuidar de si e das outras. Só assim a dor poderia ser suportável. Isso é um ato revolucionário. Se a gente ficar chorando em cima de uma cama, o Estado vai ganhar sobre as nossas vidas. É o momento das mães se valorizarem, porque muitas, quando perderam os filhos, não tiveram mais prazer de viver. Nós estamos aqui para impedir que o Estado destrua nossa autoestima”, comenta Edna.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Edna Carla. Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público.    (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Edna Carla. Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público. (Fotos: Fabio Lima/O POVO). (Foto: FABIO LIMA)

“O Estado nunca foi capaz de chegar até a gente. O que o Estado ainda tenta fazer é nos internar em hospitais psiquiátricos, mas nós não tínhamos problemas psiquiátricos, foi o Estado quem adoeceu a gente. Então hoje tem o dia da beleza, certo? Porque amanhã é o dia das mães. Esse dia aqui eu posso ter como presente do meu filho para mim, um presente dos nossos filhos para cada mãe. Quando meu filho se olhava no espelho ele dizia: mamãe, eu estou bonito, não estou? E eu dizia: sim, puxou mamãe”, relata a mãe do Álef Sousa.

Para essas mulheres, a violência policial não será capaz de desligar a ligação de mãe e filho. “Eu não vou deixar o brilho e a beleza do filho ser enterrado. Eu sou Edna Carla, como sempre fui, e sou mãe do Álef. Nossos filhos estão aqui porque nós não vamos deixar eles morrerem sem justiça. Nós somos as genitoras deles, nós somos mães, nós parimos, nós amamentamos, nós acalentamos, nós colocamos para dormir. Apesar disso, a gente ainda paga uma polícia para matar nossos filhos”, lamenta Edna.

Desejo de justiça

 

Os corações daquelas 12 mães, presentes na Praça dos Mártires, batiam em uma mesma sintonia: o amor imenso pelos filhos que foram assassinados pela violência policial e a sede por justiça. Era só isso que Leidiane Rodrigues, 32 anos, mãe do Mizael Sousa consegue pensar: “Eu me sinto na obrigação de estar viva para lutar por justiça pelo Mizael. Hoje em dia, eu não posso ver uma viatura ou policial, que eu tenho crises de pânico e começo a chorar. O coletivo ajuda a gente a não desistir. Eu não aguento ficar sem meu filho”, relata com tristeza.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Leidiane da Silva Rodrigues, mãe do Mizael. Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público.    (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Leidiane da Silva Rodrigues, mãe do Mizael. Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público. (Fotos: Fabio Lima/O POVO) (Foto: FABIO LIMA)

O filho de Leidiane tinha 13 anos quando foi morto com um tiro, na casa da tia, enquanto dormia. “No dia do assassinato, os policiais mataram meu filho, alteraram a cena do local, disseram que o Mizael tinha arma, e que ele estava atirando detrás da porta. A perícia não encontrou nenhum vestígio de pólvora na mão do meu filho. Para despachar o corpo do meu filho no hospital, eles cortaram o colchão, levaram o celular, o projeto da bala e o edredom novo do meu filho”, detalha a mulher.

A Leidiane conta que os policiais deixaram o filho dela nas dependências do hospital, sem sequer chamar os profissionais de saúde para atender a criança. “Eles balearam meu filho no peito. Hoje em dia, quem deveria tomar conta do caso do meu filho era a Defensoria Pública, mas eles não fazem nada”.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público.    (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público. (Fotos: Fabio Lima/O POVO). (Foto: FABIO LIMA)

“Eu liguei para eles na semana, mas eles desligaram o telefone. Eu ligo, eles atendem e desligam. A perícia já confirmou que meu filho não representava qualquer perigo, ele estava dormindo. Eu soube no ano passado que o homem que matou meu filho continua trabalhando, como se nada tivesse acontecido. Se o Mizael tivesse matado um policial, ele já estava morto. Como eu sou uma negra, pobre e analfabeta, eles pensam que eu não sei das leis, mas eu vou atrás de saber das leis, sim, entendeu?!”, ressalta.

“Eu não vou deixar o caso do Mizael esquecido. Eu vou lutar até o fim da minha vida. Pode durar mais um ano, pode durar o tempo que for. A Defensoria já me disse que o caso estava resolvido. E não está! Eu quero que o sargento Enemias Barros da Silva, que matou meu filho, seja preso”, finaliza.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público.    (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
FORTALEZA,CE, BRASIL, 07.05.2022: Mães da Periferia realizam II Encontro da Beleza no Passeio Público. (Fotos: Fabio Lima/O POVO). (Foto: FABIO LIMA)

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