Dois anos após morte de Juan, inquérito policial segue inconclusivo; mãe pede justiça

Adolescente foi assassinado em operação policial durante festa em praça do bairro Vicente Pinzon, em 2019

Nesta segunda-feira, 13, completam-se dois da morte do adolescente Juan Ferreira dos Santos, atingido na cabeça por disparo de um policial militar durante uma festa no bairro Vicente Pinzon, em Fortaleza. Inicialmente previsto para ser concluído em 90 dias, o inquérito que investiga o caso segue sem desfecho na esfera judicial. A demora é motivo de indignação para a mãe da vítima, Tânia de Brito, que afirma viver dias de angústia e revolta por “não ter direito a uma resposta" da Justiça sobre a morte do seu filho.

Em entrevista ao O POVO, Tânia contou que ainda não conseguiu se recuperar psicologicamente da perda. Aos prantos, ela disse que tem passado “muitas noites de sono” e que chora quase diariamente pelas lembranças recorrentes do seu filho caçula, que hoje teria 16 anos. “Eu não consigo mais voltar à minha vida de antes. Eu queria voltar a trabalhar, pelo menos, mas infelizmente o Estado me tirou esse direito psicologicamente. Eu não me sinto capaz ainda. Não consigo sair sozinha. Ainda choro muito. Às vezes, dentro do ônibus, vem a lembrança de que eu vou voltar para minha casa e meu filho não vai estar esperando, como era de costume. Minha vida nunca mais vai ser a mesma. Uma parte de mim se foi”, lamenta.

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Desde o início das investigações, Tânia recebe assistência psicológica e jurídica da Defensoria Pública do Ceará (DP-CE) por meio do Projeto Rede Acolhe, que dá assistência aos familiares de vítimas de homicídio. O órgão informou, por meio de nota, que acompanha o andamento do inquérito e seus desdobramentos desde a instauração, ainda em 2019.

Tânia de Brito, primeira à direita, e seus três filhos, entre eles, Juan, o último à esquerda
Tânia de Brito, primeira à direita, e seus três filhos, entre eles, Juan, o último à esquerda (Foto: arquivo pessoal)

O garoto de 14 anos foi assassinado durante uma ação policial em uma festa na Praça do Mirante, no Vicente Pinzon. Ele foi atingido na cabeça por uma bala que teria partido da arma de um PM depois que o agente atirou contra o chão para dispersar o público presente. Os policiais alegam que a abordagem teria o objetivo de alcançar um grupo “suspeito”. Justificam, ainda, que o disparo foi efetuado como resposta a pessoas que avançaram com paus e pedras contra um dos agentes.

Testemunhas ouvidas pelo O POVO à época rechaçaram a versão dos policiais. Segundo afirmaram, os PMs não estavam à procura de suspeitos e teriam chegado ao local já ordenando a dispersão do público que estava na praça. "Eles (os adolescentes) sempre ficam ali, toda noite. Ontem, a praça estava cheia, tinha uma festa, umas danças, estava só a molecada de 14, 15 anos. Foi quando chegaram os policiais de moto mandando que se retirassem. Enquanto eles estavam saindo, houve tiro. Claro que quem escuta tiro sai correndo, então eles correram. Foi aí que Juan caiu, nessa hora ele já estava alvejado", disse uma testemunha sob condição de anonimato um dia após a morte do adolescente.

O policial que efetuou o disparo chegou a ser preso em flagrante pelo crime, mas ganhou liberdade no dia 21 de outubro daquele ano. Na ordem de soltura, o magistrado responsável pelo caso argumentou que a prisão era ilegal pelo excesso de prazo previsto para a conclusão do inquérito. Paralelo ao processo judicial, o militar também passou a responder procedimento na esfera administrativa e foi afastado de suas funções provisoriamente.

O POVO procurou a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública do Estado do Ceará (CGD) na noite desta segunda-feira, 13, via aplicativo de mensagens e chamada telefônica, para saber se o PM ainda permanece sob efeito de suspensão das atividades, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. Durante a tarde, por meio de nota enviada à reportagem, o órgão informou que o processo administrativo envolvendo o agente encontra-se em trâmite, sem estipular prazo de conclusão.

Sobre o andamento do inquérito policial, a CGD diz que as investigações estão sendo realizadas pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI), que aguarda relatório conclusivo sobre a reconstituição do crime para finalizar o documento e remetê-lo à Justiça.

O POVO apurou, junto ao Ministério Público do Ceará (MPCE), que o procedimento foi realizado em junho passado pela Perícia Forense do Estado (Pefoce), com prazo de conclusão inicial de 45 dias. Contudo, em 15 de julho, a DAI pediu ao órgão mais 90 dias para a finalização do inquérito. Com isso, a Delegacia tem até 15 de outubro próximo para remeter o documento ao Poder Judiciário Cearense. Por meio de nota, o órgão afirma que “está acompanhado todas as etapas e desdobramentos do caso" e que tem realizado diligências com “zelo, com responsabilidade e de forma eficiente e eficaz''.

A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) foi procurada pelo O POVO, via correspondência eletrônica e por aplicativo de mensagem, na tarde de hoje, 13, para explicar se o andamento do processo pode ser considerado lento e se há prazo para um desfecho do caso, mas não havia enviado resposta sobre até a publicação da matéria.

Enquanto a resposta não chega, Tânia não consegue fazer outra coisa senão lamentar. “Tanta dedicação, tanto amor e hoje eu não ter uma resposta sobre um filho que eu amamentei, que eu cuidei para ser uma pessoa de bem, ser assassinado assim por alguém que deveria cuidar da sociedade. É revoltante!", finaliza a mãe do adolescente.

Ouça um trecho da entrevista, por telefone, com a mãe de Juan: 

 

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