Fechado e à espera de obra, palacete do Museu do Ceará chega a 150 anos

Sem convidados, aniversário de inauguração não contará com a presença de público, já que o espaço encontra-se fechado desde 2019

A história de uma cidade não é feita apenas por pessoas. Espaços e construções carregam em si memórias de vidas e narrativas que transcorreram, e preservam enredos que transpassam o concreto e os tijolos de suas paredes. Neste domingo, 4 de julho, em Fortaleza, um dos seus personagens mais charmosos chega aos 150 anos de inauguração: o Palacete Senador Alencar, prédio histórico que exerceu diferentes papéis na história do Ceará, no passado e no presente.

Bode Iôiô, empalhado, a peça mais querida e uma das mais famosas do acervo do Museu do Ceará
Bode Iôiô, empalhado, a peça mais querida e uma das mais famosas do acervo do Museu do Ceará (Foto: Deivyson Teixeira em 25/10/2014)

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O prédio localizado ao lado da praça General Tibúrcio, a Praça dos Leões, é cercado pelas ruas São Paulo, General Bezerril, Floriano Peixoto e pela Travessa Morada Nova, no Centro de Fortaleza. Atualmente, é sede do Museu do Ceará, que está em obras. Mas, o local antes disso teve longa e marcante trajetória.

Com obras iniciadas em 1856 e finalizadas apenas 15 anos depois, em março de 1871, a estrutura foi inaugurada em 4 de julho daquele ano, para receber a instalação da Assembleia Legislativa Provincial. O local passou então a ser conhecido como Paço da Assembleia. Ali próximo, fica o Palácio da Luz, onde hoje funciona a Academia Cearense de Letras. No passado, foi a sede do Governo do Estado, antes da transferência para o Palácio da Abolição. Portanto, aquele era o coração do poder no Ceará.

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O Poder Legislativo ali funcionou por mais de um século — com o intervalo durante a ditadura do Estado Novo, quando casas parlamentares foram fechadas. O térreo do palacete, então, recebeu a Faculdade de Direito. O andar de cima, o Tribunal de Contas.

Em 1977, quando a Assembleia foi transferida para a atual sede, o Palácio Adauto Bezerra, o palacete passou a abrigar a Academia Cearense de Letras, Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE), Biblioteca Pública e Instituto do Ceará. Desde 1990, abriga o Museu do Ceará.

O nome do palácio é uma homenagem a José Martiniano Pereira de Alencar, que, além de pai do escritor José de Alencar, foi deputado pela Província do Ceará na legislatura de 1830 a 1833 e tornou-se senador em 1832.

Doutora em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Caminha, diretora do Museu do Ceará, e também servidora pública da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE), destaca a relevância da estrutura centenária. "O Palacete Senador Alencar está localizado dentro de uma região de Fortaleza, que é o Centro da cidade, que a gente entende muito como um centro comercial, mas também é um centro histórico de muita relevância, não só para Fortaleza, mas para o próprio Ceará."

Caminha lembra que o espaço foi idealizado para ser a Assembleia Provincial do Ceará, na época do Brasil Império, ou seja, o que hoje nós temos como Assembleia Legislativa no Brasil republicano. A historiadora destaca, para ela, o fato mais relevante já abrigado pelo Palacete ao longo dos últimos 150 anos.

"O mais relevante e destacado foi a abolição da escravatura no Ceará, que aconteceu antes mesmo do restante do Brasil. Inclusive, nós temos uma importante peça do acervo, que é o quadro Fortaleza Liberta, que retrata esse momento, esse fato histórico ocorrido dentro do Palacete", ressalta. A sessão de abolição da escravatura no Ceará foi realizada em 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea.

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Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, Márcio Carvalho, conselheiro federal suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), destaca a relevância arquitetônica do edifício.

"Essa edificação é um dos exemplares mais valiosos enquanto arquitetura institucional, ela é da segunda metade do século XIX, já atravessa três séculos e representa um processo de organização política, uma organização institucional através de um regime anterior à República", destaca.

Carvalho explica que a arquitetura do prédio carrega os preceitos do século XIX: cosmopolitismo, urbanização e modernização. Ele lembra, ainda, que o edifício foi tombado como Monumento Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1973, em alusão ao centenário da edificação.

A imponência arquitetônica do local também é destacada pela historiadora e diretora do museu, Raquel Caminha, ao lembrar que no quadro Fortaleza Liberta é possível detalhes da estrutura.

"Com o quadro, você consegue identificar facilmente a arquitetura do prédio, que foi concebida no estilo neoclássico, característico do século XIX, que pode ser visto em suas colunas, janelas e na própria fachada".

Caminha destaca, ainda, que o prédio está localizado em uma região de grande importância histórica para a cidade, já que está na Praça General Tibúrcio (Praça dos Leões), perto do Palácio da Luz, onde funciona a Academia Cearense de Letras, e a Igreja do Rosário, construída por escravos.

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150 anos e o futuro

No momento, o Palacete Senador Alencar não pode receber convidados na celebração dos seus 150 anos de fundação. A estrutura não apresenta segurança para receber visitantes. Desde 2019, o museu encontra-se fechado, já que o edifício necessita de reparos estruturais.

Em maio deste ano, o secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba, anunciou que o espaço seria reformado, o valor do restauro está cotado em R$ 3,4 milhões, e a previsão de entrega é para 2022.

"Esperamos que, com essa reforma, não só o edifício seja restaurado. Apesar de manter suas características originais, fortalecendo a estrutura, esperamos também a requalificação do prédio para atender de uma melhor forma os seus usuários", relata Raquel Caminha. Segundo a diretora, o repasse da verba, que virá do Governo Federal, ainda não foi realizado.

Márcio Carvalho explica a relevância das políticas públicas que buscam preservar monumentos históricos no Brasil. O especialista possui boas expectativas em relação ao futuro do espaço.

"Existe um projeto de restauro elaborado e aprovado pelo Iphan. A restauração é complexa, porque se trata de uma edificação muito rica de detalhes arquitetônicos, não só o acervo museológico, mas também a própria arquitetura em si, é uma testemunho, é um conjunto de um legado cultural de grande importância para a sociedade cearense e brasileira", comenta.

Casa de diversas instituições em um século e meio de existência, o local aguarda o retorno das atividades do Museu do Ceará, que "reside" no Palacete desde a década de 90. Mesmo distante dos tempos em que chegou a ser o coração do poder da Capital, a estrutura sustenta a sua grandiosidade.

"O patrimônio cultural, sobretudo arquitetônico, representa a memória, a história, a cultura, a arte de uma sociedade. O Museu do Ceará tem uma dimensão em nível nacional. É um equipamento urbano, de uso público, é um equipamento cultural porque já abrigou diversas frentes ligadas à educação e à cultura. Essa edificação traz muita importância até hoje", ressalta Carvalho.

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Rico acervo

Distante dos olhares curiosos dos visitantes, o acervo do museu segue preservado e guardado pela equipe responsável por cuidar do local, garante a diretora Raquel Caminha. De acordo com Caminha, a Secult-CE estuda um local que possa abrigar os itens do museu.

"O acervo ainda se encontra no museu, nós estamos realizando um estudo de qual o melhor espaço para ser transferido, porque é um acervo bastante diversificado e contém peças muito frágeis", explica.

Cerâmicas indígenas, peças arqueológicas, da época da colonização do Ceará, itens de história natural, quadros, mobílias, além de peças de artes populares, entre outros, fazem parte do conjunto exposto pelo museu.

"É uma coleção muito importante, temos medalhas de condecoração do General Sampaio, por exemplo, temos moedas, cédulas antigas de um valor inestimável. Também temos a mesa que foi utilizada no julgamento de Pinto Madeira. Não é qualquer edificação que pode receber esse acervo", complementa Caminha.

Sem uma data certa para a conclusão dos reparos no museu, e sem a definição de um novo local para o acervo, cabe aos cearenses aguardar pelo reencontro com o aniversariante do dia, ao fim de mais uma metamorfose do centenário palacete.

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