Quem é considerado PcD, segundo a lei no Brasil?
Entenda como a legislação define deficiência, os critérios de reconhecimento e por que o modelo social é central no debate atual
A definição de quem é considerado Pessoa com Deficiência (PcD) no Brasil está amparada por dois marcos legais: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico com status constitucional, e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Ambas estabelecem que a deficiência não se resume a um diagnóstico médico, mas resulta da interação entre impedimentos de longo prazo e barreiras que limitam a participação plena da pessoa na sociedade.
Confira abaixo o que diz a legislação e especialistas.
Segundo o advogado Emerson Maia Damasceno, presidente da Comissão Estadual de Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB/CE e membro do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial do Conselho Nacional de Justiça, a legislação entende PcD como alguém com “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial".
"Em interação com uma ou mais barreiras, o indivíduo com deficiência pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” .
Ele destaca que “não há hierarquia entre as deficiências”.
Avaliação biopsicossocial: por que ainda não está em vigor
Um dos instrumentos centrais da LBI é a avaliação biopsicossocial, que deveria substituir definitivamente o modelo estritamente médico na definição de deficiência.
Essa avaliação deve ser realizada por equipe multiprofissional e considerar não apenas impedimentos, mas também fatores sociais, ambientais e psicológicos.
No entanto, o mecanismo ainda não está regulamentado. Damasceno lembra que, mesmo após a criação de um grupo de trabalho pelo Decreto nº 11.487/2023, o país segue sem um modelo oficial.
“Até hoje o decreto que regulamentará a avaliação biopsicossocial não foi publicado, mesmo após uma década da Lei” .
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Condições que causam dúvida
Na prática, muitas condições geram incerteza sobre seu enquadramento como deficiência. O advogado explica que isso ocorre porque “o modelo médico ainda predomina muito nas estruturas sociais” .
Ele afirma que o foco não deve ser se uma lei ou laudo classifica determinada condição como deficiência, mas se há um impedimento de longo prazo que, junto a barreiras, limita a participação da pessoa.
Damasceno cita que já existem decisões judiciais reconhecendo benefícios previdenciários a indivíduos com doenças ou condições crônicas que, pela limitação causada, se enquadram no que o texto constitucional protege.
Ele critica tentativas de criar leis específicas para patologizar condições isoladas, afirmando que esse movimento é “desnecessário” e “vai ao encontro do ultrapassado modelo médico”.
Doença é diferente de deficiência
A legislação brasileira não considera deficiência e doença como sinônimos. Uma doença pode ou não gerar impedimentos que caracterizem deficiência, e isso depende de cada caso.
“Deficiência não é doença. Uma doença pode levar a um impedimento que venha a ser caracterizado como deficiência legalmente” , explica Damasceno.
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Direitos garantidos às pessoas com deficiência
O reconhecimento como PcD permite o acesso a uma série de direitos em diferentes áreas. No mercado de trabalho, por exemplo, há previsão de ambiente acessível, eliminação de barreiras e adaptação razoável, além do cumprimento de cotas de contratação.
“Pessoas com deficiência no ambiente de trabalho têm direito a diversas acessibilidades, adaptação razoável e até mesmo redução de carga horária” , afirma o advogado.
Há também impactos previdenciários e assistenciais, como aposentadoria especial, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e auxílio-inclusão, desde que os requisitos de cada política sejam cumpridos.
Mudanças em debate e riscos de retrocesso
No Congresso e no Judiciário, propostas relacionadas ao tema seguem sendo apresentadas. Nem sempre, porém, alinhadas ao modelo social e à Convenção Internacional.
Damasceno observa que parte dessas iniciativas “retorna ao modelo médico, buscando reconhecer determinada condição como deficiência, o que não é razoável nem necessário” .
Ele alerta ainda que algumas propostas podem representar retrocessos em direitos já consolidados, reforçando a importância de participação ativa das PcDs no processo legislativo. “É uma luta constante contra o capacitismo estrutural que não descansa. Nós também não” , conclui.