Para pesquisadoras, houve machismo na decisão do PDT que rejeitou candidatura de Izolda

Em meio à discussão sobre a presença de violência política de gênero no processo de votação do PDT que tirou de Izolda a possibilidade de reeleição, O POVO entrevistou especialistas políticas mulheres para refletir sobre o caso

O processo de votação do diretório estadual do PDT da última segunda-feira, 18, que culminou na oficialização do nome do ex-prefeito Roberto Cláudio como candidato do partido ao Palácio da Abolição, em detrimento da governadora Izolda Cela, virou motivo para uma complexa discussão. Ex-aliados e adversários da sigla vêm levantando críticas à decisão que impossibilitou a candidatura à reeleição da primeira mulher a chefiar o Executivo estadual.

Em meio à discussão sobre a presença de violência política de gênero no caso, O POVO entrevistou especialistas para refletir sobre o caso. Para a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Monalisa Soares, os pedetistas construíram, ao longo do processo de pré-candidaturas da sigla, um machismo por meio de uma construção discursiva.

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Segundo a pesquisadora, a questão começa na ideia de que a futura candidatura do grupo deveria ser alguém forte, imediatamente associada à masculinidade. Soares avalia que, ainda que existam inúmeros elementos que estejam em jogo no processo de definição da candidatura, como disputas internas por hegemonia no comando do estado, "é relevante destacar como discursos machistas são mobilizados para descredenciar a pretensão política das mulheres".

"Observamos esse movimento, quando há uma percepção da governadora como uma pessoa tranquila, de fala mansa e articuladora foi representada, por seu turno, como fragilidade, reforçando assim os estereótipos de gênero. De um modo geral, esses discursos sugerem uma interpretação da política como espaço da expressão, por excelência, de atributos definidos socialmente como masculinos", avalia Monalisa.

A problemática do discurso machista e o reforço dos estereótipos na política também são objetos de análise da cientista política e pesquisadora de Partidos Políticos, Marketing Político e Eleitoral, Financiamento de Campanhas Eleitorais, Carla Michele. Segundo a professora universitária, Izolda foi vítima de atribuição de características que historicamente vem sendo associadas ao campo feminino, por vezes consideradas como situações de fragilidade.

"Essa coisa do fala baixo, essa coisa da negociação, essa coisa de buscar consensos, do trabalho em equipe, tudo isso é muito relacionado à condição feminina. A Izolda preservou tudo isso mesmo estando à frente de um governo, porque como vice-governadora, ela tinha um protagonismo muito grande na gestão e agora, nesse momento, manteve essas características. E isso, obviamente que no campo da política, pode parecer fragilidade e falta de ambição para disputa política", analisa Michele.

Para a disputa eleitoral no Ceará, segundo a cientista, tais elementos podem também ter contribuído para que o próprio grupo político da governadora, "que tem um protagonismo muito grande dos irmãos Ferreira Gomes", optasse pela candidatura de Roberto Cláudio. Carla também considera, para além do machismo, uma condição natural de desgaste do ciclo dos FG na política cearense.

"Há um desgaste que é inevitável, a parte dos ciclos políticos, e temendo pela pela perda desse domínio, desse controle sobre o estado eles [Ferreira Gomes] vão naquela figura que obviamente aparece nas pesquisas de intenção de voto melhor posicionado, e nesse caso é o ex-prefeito Roberto Cláudio". No entanto, a cientista analisa que até tal ideia é baseada num "pragmatismo político" do atual grupo governista.

"Nós estamos considerando também que a Izolda estaria numa posição de reeleição, então mais natural nesse contexto é de que ela disputasse a campanha de reeleição. Só se houvesse, assim, um fato muito excepcional ou fosse da vontade dela de não querer entrar nessa disputa, mas não foi o caso. Ela estava disposta a concorrer à reeleição, contava com o apoio de muitas lideranças políticas, que inclusive escreveram um manifesto. Então, o mais natural seria que ela fosse essa candidata à reeleição", diz Michele.

O caso Izolda, segundo a professora Monalisa Torres, possui elementos de sexismo. Por mais que alguns defendam a tese de que Roberto Cláudio já estava na fila para a candidatura, ela destaca que fenômenos externos ou misóginos na política podem alterar os rumos, transformar a conjuntura e mudar alguém de favorito para preterido.

"O Roberto Cláudio também saiu do zero. Roberto Cláudio, vale lembrar, foi considerado candidato poste nas eleições de 2012. Não seria um critério, por exemplo, acusar a própria Izolda de ser uma figura desconhecida porque em outras ocasiões, em outras circunstâncias, esses mesmos critérios que foram utilizados para a não escolha da Izolda foram ignorados para a escolha de outros candidatos, homens brancos, para cargos ao Executivo", destaca Monalisa.

A cientista destaca a trajetória política de outras lideranças que foram eleitas pelo atual grupo político, mas que não tinham popularidade, a exemplo do ex-governador Camilo Santana (PT) e o atual prefeito, José Sarto (PDT). "Mais uma vez, quando a gente compara, por exemplo, a escolha do Sarto, ele era uma figura completamente desconhecida, aparecida lá atrás nas pesquisas de intenções de voto com um percentual muito baixo de intenção de voto"

A pesquisadora destaca ainda a trajetória de Izolda na gestão pública, fato que analisa ter sido desconsiderado pelo PDT, principalmente sobre política na área da educação, fato constantemente publicizado por pedetistas.

"A marca do legado dos Ferreira Gomes vai ser a política pela qual a Izolda se tornou a Izolda. Então uma mulher, um quadro extremamente qualificado, reconhecido nacionalmente, porque a política pública adotada na educação no governo do Ceará é conhecida nacionalmente e tem a digital da Izolda, e tudo isso foi desconsiderado no debate", afirma.

Ao reforçar o caráter de sexismo na polêmica, Monalisa diz reforçar que o caso Izolda é algo simbólico. "A primeira mulher governadora do Ceará que estava em exercício de mandato com possibilidade de reeleição, estava nas pesquisas, tinha potencial, um quadro qualificado, mesmo assim ela foi preterida, como ela colocou mesmo, do direito à reeleição. Eu só tenho a lamentar", completa.

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