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Bebê que morreu em Tamboril teve inflamação que pode afetar crianças após quadro assintomático da Covid-19

A síndrome inflamatória multissistêmica pode afetar crianças semanas depois da infecção com a Covid-19, mesmo em casos assintomáticos, alerta infectologista
18:56 | Jul. 09, 2020
Autor Ismia Kariny
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Ismia Kariny Estagiária O POVO online
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Tipo Notícia

O bebê de um ano que morreu, na quarta-feira, 8, vítima da Covid-19, em Tamboril, teve inflamação comum em crianças infectadas com a Sars-CoV-2. De acordo com o infectologista Robério Leite, a condição não se refere a uma complicação do novo coronavírus, mas é despertada a partir da Covid-19 em pessoas com predisposição genética. Segundo o médico, que é também pediatra, é a doença de Kawasaki, que pode aparecer semanas depois da criança apresentar infecção pelo coronavírus, mesmo em casos assintomáticos.

A mãe de Lucas Albuquerque Ricarte conta que, antes de descobrir que o filho estava com Covid-19, ele apresentou sintomas como problemas de garganta, dificuldade para respirar e cansaço. Ao levar o filho para fazer o exame de raio-x, ela narra que o médico não detectou problemas. Após dez dias tomando antibióticos receitados pelo médico no hospital de Tamboril, Lucas passou a ter sintomas mais graves.

A dor de garganta voltou, a criança perdeu o apetite, e começou a rejeitar alimentos e líquidos. Com isso, Jessika ficou ainda mais preocupada e decidiu levar o filho de volta ao hospital. “Levei para o hospital achando que fosse virose ou algo mais grave. Quando deu positivo para o coronavírus, eu e meu marido ficamos surpresos, porque a gente cumpriu a quarentena e seguiu as recomendações”, relata.

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De acordo com Jessika, ao ver os resultados do exame, ela e o marido pensaram que também poderiam estar infectados. A preocupação também se estendeu para o marido, que faz parte do grupo de risco por ser diabético do tipo um. No entanto, após o teste, o resultado do exame para a Covid-19 deu negativo. A mãe acredita que o filho pode ter se contaminado a partir do contato com a parede da calçada ou ao tocar na superfície externa do carro.

Com o passar do tempo, a situação de Lucas foi se tornando mais grave. A doença chegou a se espalhar para o coração, ela conta. “Meu filho teve os sintoma iniciais relacionados à doença de Kawasaki. Foi confirmado que o coração dele estava aumentado e ele iria precisar de um tratamento com imunoglobulina”, detalha. Jessika relata que a condição do filho chegou a melhorar e piorar por algumas vezes.

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Em certa ocasião, ela chegou a acompanhar o som de cada parada cardíaca que o filho teve. Em outro momento, quando pensou que o filho estava em condição clínica melhor, com chances de ser transferido para a enfermaria, ela recebeu a notícia de que uma das artérias do coração, que ajudava a bombear o sangue para o corpo, estava inflamada. “Meu filho precisava bombear 60% do sangue, mas só conseguia bombear 20%", detalha.

Lucas conseguiu se recuperar da pneumonia, uma das complicações que teve anteriormente, mas a síndrome inflamatória multissistêmica, relacionada à doença de Kawasaki, também piorou seu quadro clínico. A família chegou a visitá-lo na terça-feira, 7, mas, durante a madrugada do dia seguinte, ele não resistiu a uma parada cardíaca.

A equipe do hospital tentou reanimá-lo por 50 minutos. E, apesar de todos os esforços, pelos quais Jessika diz ser grata, não havia mais o que fazer: “Nessa batalha, infelizmente, nosso anjo não conseguiu vencer. Ele venceu a Covid-19, a pneumonia, a inflamação grave no coração, mas não resistiu nessa outra parada que teve”, disse a mãe.

“Eu tive um sonho com ele na noite anterior. Não era incomum, foram muitos nesses dias. Mas no sonho ele me dava um beijinho na testa. Quando eu acordei, tinha várias mensagens e eu sabia que tinha acontecido alguma coisa”, ela acrescenta. O óbito foi declarado às 5h20min da manhã. Para Jessika, um dos consolos nesse momento de luto é deixar o alerta para evitar que outras mães passem pelo mesmo sofrimento.

Durante todo o tratamento de Lucas, ela acompanhou artigos científicos e estudou as complicações da doença. Foram esforços pela própria tranquilidade e para entender o que o filho enfrentava. “Eu soube que outras crianças aqui já tiveram [a síndrome inflamatória] e ninguém falou disso. Vou viver pensando que meu filho poderia ter sido salvo, se eu tivesse exigido o teste da Covid-19 no início”, desabafa.

“Não queria que outras mães sentissem essa dor. As pessoas estão achando que isso é como uma gripe forte ou uma virose, mas não, é muito mais. É algo desconhecido, que todo dia tem algo novo, e a nossa população não se informa”, alerta a mãe. Segundo Jessika, que é professora da rede pública, desde que o filho foi internado, ela tenta conscientizar e informar pais, amigos e familiares sobre a gravidade da Covid-19, principalmente em crianças.

Uma criança iluminada

Um garoto risonho e iluminado, é assim que a mãe de primeira viagem, Jessika Ricarte, descreve o filho. Por dois anos, ela e o marido tentaram a gravidez, mas, com as dificuldades, pensaram em desistir da concepção e adotar uma criança no futuro. Até que, há pouco mais de dois anos, ela descobriu o que descreve como “um milagre”: estava grávida de Lucas Albuquerque Ricarte.

Depois de um parto cesariano, há um ano e sete meses, nasceu Lucas. Com 11 meses de idade, ele já gostava de brincar e, principalmente, enfileirar carros. Seu lanche favorito era biscoito de doce de leite. Os animais favoritos eram sapos e o macaco do Ecopoint - parque ecológico de Fortaleza. Segundo a mãe, ele gostava de brincar com os cachorros da casa, de dar beijo na bochecha dos pais, e morder o nariz dos desavisados.

Era uma criança "guerreira", que se identificava com a música “Coragem”, que faz a abertura da animação Mundo Bita. “Não é fácil, mas não tem segredo, basta enfrentar o nosso medo”, diz trecho da música que o pai, Israel Albuquerque, fez questão de tocar para o filho, no último momento que compartilharam juntos. “Por ser tão corajoso, acho que ele se identificava. Ele lutou esse tempo todo e só partiu depois que nos viu e sentiu nosso toque”, conta Jessika. Lucas foi sepultado por volta das 13 horas desta quinta-feira, 9, no cemitério da Parangaba, em Fortaleza.

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