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Coronavírus: Bolsonaro volta a defender uso da cloroquina em pronunciamento, mas estudos contestam eficácia

Em meados de março, tanto a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, quanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovaram testes com o medicamento cloroquina para tratar pacientes infectados pelo novo coronavírus. Não é o que apontam, no entanto, outras pesquisas
10:24 | Abr. 09, 2020
Autor Redação O POVO
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Tipo Notícia

O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Na noite desta quarta, 8, Bolsonaro fez um pronunciamento nacional onde deixou de lado críticas à quarentena e se concentrou na defesa da cloroquina. Em cadeia nacional de rádio e TV, o chefe do Executivo disse que, “após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países”, passou a divulgar, “nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial”.

A hidroxicloroquina é um medicamento utilizado no Brasil desde os anos 1950. É indicada para o tratamento de várias doenças, como artrite reumatóide, lúpus e malária. A droga vem sendo usada de forma experimental e controlada em outros países, apesar de não existirem testes clínicos suficientes para garantir que ela seja eficaz ou segura no tratamento da Covid-19. Os efeitos colaterais podem incluir arritmia cardíaca e possíveis danos à visão e à audição. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a droga deve ser usada com muito cuidado, pois pode ser letal em algumas circunstâncias. As informações são da BBC.

O presidente aproveitou o pronunciamento ainda para agradecer ao primeiro-ministro da Índia, o conservador Narendra Modi, pelo envio ao Brasil de matéria prima para a fabricação de comprimidos de hidroxicloroquina. O material chegará ao Brasil até sábado, disse. "Agradeço ao primeiro ministro Narendra Modi e ao povo indiano por esta ajuda tão oportuna ao povo brasileiro", disse.

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Conforme O GLOBO, os hospitais brasileiros Albert Einstein, Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz, que conduzem estudos sobre tratamento da Covid-19, vão iniciar nos próximos dias a primeira pesquisa do grupo com uso da hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves da Covid-19, que não chegaram a ser internados. Até agora, a substância vem sendo aplicada somente em casos graves da doença.

O POVO já havia conversado com especialistas da Universidade Federal do Ceará (UFC), que propuseram o uso de hidroxicloroquina para profissionais de saúde. Embora esteja no meio de um embate no País, a hidroxicloroquina apresenta ação sobre a Covid-19. De acordo com o infectologista Anastácio Queiroz, o remédio pode ser "importante, especialmente, se utilizado no início do tratamento para pessoas nas zonas de risco". O medicamento é um análogo da cloroquina, só que menos tóxico.

"Depois que a doença avança muito e o paciente vai para a UTI, fica difícil conseguir alguma regressão num intervalo de tempo razoável e consequentemente evitar complicações", explicou o médico em entrevista à rádio O POVO/CBN.

No último dia 3, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, anunciou que a hidroxicloroquina seria ministrada para pacientes em estados grave no Brasil. Na mesma data, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) divulgou nota sobre a venda da hidroxicloroquina e cloroquina no Estado.

Conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os medicamentos só devem ser vendidos para pacientes que apresentarem receita de controle especial em duas vias, sendo obrigatória a retenção na farmácia ou drogaria da 1ª via da receita. Apesar de testes promissores, Anvisa não recomenda uso de Cloroquina e Hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.

Em meados de março, tanto a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, quanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovaram testes com o medicamento cloroquina para tratar pacientes infectados pelo novo coronavírus. Acredita-se que, combinado a um antibiótico, o remédio pode ser eficaz no tratamento da doença.

Não é o que apontam, no entanto, outras pesquisas. De acordo com um estudo publicado no Médecine et Maladies Infectieuses no último dia 30 março, a hidroxicloroquina não parece ajudar o sistema imunológico a eliminar o Sars-CoV-2. "Já existem outros estudos clínicos que mostraram que a droga não é eficaz contra a Covid-19, bem como vários outros vírus", escreveu Katherine Seley-Radtke, professorada da Universidade de Maryland, nos EUA, em texto publicado no The Conversation. As informações são da Revista Galileu.

O que dizem estudos que contestam eficácia

Conforme artigo publicado na Revista Galileu, novos estudos apontam que o uso da hidroxicloroquina não é eficaz no tratamento da Covid-19. Katherine Seley-Radtke, professorada da Universidade de Maryland, nos EUA, em texto publicado no The Conversation, disse que, além de dar falsas esperanças aos pacientes, a cloroquina tem efeitos colaterais perigosos, como taquicardia e diarreia. Um artigo publicado nesta quarta-feira, 8, na revista científica Canadian Medical Association Journal chama atenção para reações ainda mais séries, como confusão mental, paranoia e hipoglicemia, e para a falta de evidências.

"Apesar do otimismo (em alguns, até mesmo entusiasmo) para o potencial da cloriquina e da hidroxicloriquina no tratamento da covid-19, há poucas considerações sobre a possibilidade de essas drogas influenciarem negativamente o quadro da doença", escreve David Juurlink, cientista autor do artigo. "Por isso, precisamos de melhores evidências para usar esses medicamentos rotineiramente no tratamento de pacientes com Covid-19", completa.

Seley-Radtke também ressalta em seu texto no The Conversation que, após as notícias de que a droga foi bem-sucedida em testes iniciais, o produto sumiu das prateleiras. Esse "sumiço" aconteceu após dois estudos publicados no mês passado, um baseado em pacientes chineses e outro em franceses, constatarem que a cloroquina, quando associada ao antibiótico azitromicina, seria eficaz no tratamento da Covid-19.

Seley-Radtke explica que, no caso do estudo francês, embora alguns dos resultados tenham encorajado o uso do remédio, é importante lembrar que a maioria das pessoas tratadas apresentava sintomas leves da infecção pelo novo coronavírus.

Já no caso do estudo chinês, a professora da Universidade de Maryland explica que grande parte dos debates em torno do artigo publicado pelos pesquisadores não tem origem científica, mas linguística. "Como observado em vários comentários associados ao manuscrito, existem questões relacionadas à tradução do artigo que obscureceram as interpretações de alguns dos resultados", ponderou Seley-Radtke.

Os novos estudos

Como nas pesquisas anteriores, o estudo publicado recentemente pelos médicos franceses é resultado de testes em um grupo pequeno de pacientes. A diferença é que, nas pesquisas mais recentes, os médicos focaram em pessoas que apresentaram sintomas graves da Covid-19 ou nas que faziam parte do grupo de risco. As informações também são da revista científica Galileu.

"Entre cinco e seis dias após o início do tratamento com hidroxicloroquina (600 mg por dia durante 10 dias) e azitromicina (500 mg no dia 1 e 250 mg nos dias 2 a 5), oito dos 10 pacientes ainda testaram positivo para Covid-19", revela Seley-Radtke. De acordo com o estudo, dos 11 pacientes testados, um morreu, dois foram transferidos para a UTI e outro teve complicações graves.

Já um artigo publicado no Journal of ZheJiang University, que teve base em pesquisas realizadas com pacientes chineses, traz à tona outra questão. Segundo os cientistas, uma semana após as pessoas testadas começarem a tomar a hidroxicloroquina, a carga viral de Sars-CoV-2 no organismo delas permaneceu a mesma, ou seja, não houve melhora do quadro.

Tendo tudo isso em vista, Seley-Radtke faz questão de ressaltar, em outro texto publicado no The Conversation, a importância de não se automedicar e de procurar tratamento médico em caso de aparecimento de sintomas de infecção pelo novo coronavírus. "Existem muitos problemas que podem surgir [da automedicação], de efeitos colaterais a toxicidade grave e morte devido a possíveis interações com outros medicamentos e outras condições de saúde subjacentes", pontua.


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