Teatro infantil: espetáculos de São Paulo e de Quixeré encantam pelo fantasioso popular

Teatro infantil: espetáculos de São Paulo e de Quixeré encantam pelo fantasioso popular

Críticos convidados pelo VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias escrevem para sobre as montagens apresentadas durante o evento. O POVO publica os textos opinativos ao longo do evento

Por Leidson Ferraz / Crítico convidado do VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias

Nunca pensei que ovos estralados no chão pudessem despertar tanta emotividade numa plateia. Não pelos pintinhos que poderiam nascer dali, mas porque tinham virado acrobatas num número aéreo infeliz. Explico: é que no espetáculo “Circo de Coisas”, como o próprio nome diz, os mais variados elementos do nosso cotidiano ganham nova roupagem e transformam-se, por um jogo simbólico, divertido e poético, em estrelas de um inesperado circo.

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Tudo começa com a inversão dos tradicionais roteiros circenses, pois o “drama” vem à frente dos números variados. Cláudio Saltini e Teka Queiroz vivem a dupla de "clowns" cujo enredo é montar o pequeno picadeiro (uma bancada de madeira) onde tudo vai acontecer, trazendo à cena uma comédia discreta cheia de mímica, ordens e desordens, e muitas trapalhadas.

A partir daí, a sucessão de números de técnicas circenses preenche o roteiro, provando a qualquer um que objetos do dia a dia podem ganhar nova função e virar personagens cheios de identidade. Assim, um pregador de roupas passa a ser um hábil equilibrista na corda bamba; cordões de elástico se enroscam como exímios contorcionistas; a rolha de uma garrafa de champanhe é o próprio homem bala; um borrifador de água é preciso como o atirador de facas (a plateia mirim adora ser molhada!); e uma caixa de fósforos, claro, engole fogo como ninguém. Há trechos mais previsíveis, alguns são mais engraçados que outros, mas o surpreendente é o envolvimento causado por simples ovos no papel de acrobatas em tentativas de erro e acerto.

A explicação é que, para além do carisma gerado no salto mortal, aprende-se ali a lidar não só com o risco - sentimento próprio da plateia circense -, mas também com o fracasso e o próprio fim. O riso então se reveste de lamento, mas, como é preciso “brincar e nunca parar”, o espetáculo continua... Quem diria que, numa singela peça que mistura teatro de objetos e palhaçaria, um carrossel de emoções pudesse tomar conta da plateia?

Palmas à Cia. Circo de Bonecos, de São Paulo, que com maestria soube transformar o tão comum em extraordinariamente sentimental. A apresentação se deu no Teatro B. de Paiva, dentro da programação do VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias. A direção da montagem é do próprio Cláudio Saltini.

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Outra atração do evento ali apresentada e que também mexeu com o íntimo dos espectadores de todas as idades foi “Bicho Alumbroso nas Entranhas do Encanto”, da Trupe Motim de Teatro, da cidade de Quixeré, no interior do Ceará. Aqui, o múltiplo Chico Henrique (autor, diretor, artesão e brincante em cena) nos conduz a uma viagem de introspecção à sua e às nossas próprias identidades.

Ele traz como mote da brincadeira uma criatura, espécie de bicho-homem Jaraguá (com seu enorme crânio de cavalo), que tenta saber quem ela é. Sem receio de enfrentar medos, a misteriosa figura conta com a ajuda do Velho do Saco como guia, o Papa-Figo que apavorava crianças nos interiores do Brasil, para sair numa jornada cheia de assombros e filosofar sobre sua existência, a de um artista popular.

Com texto marcado por rimas poéticas (ora com uso de narrações gravadas, ora ao vivo), direção de arte primorosa (do próprio Chico Henrique) e trilha sonora repleta de paisagens sonoras também impressionantes (de Jhonata Sol, que mixou aboios, rezas, vozes, sinos e canções), a obra se reveste de pura sofisticação estética, antropomorfizando o humano e o boneco a partir de lendas como a Matinta Pereira, o Corpo Seco (agora um cyborg), a Cabra Cabriola, a Caipora e a serpente Boitatá.

Nos transplantando a universos imaginários, com o pé no real da sobrevivência artística em pleno sertão, a montagem também convida a meninada a interagir em alguns momentos, num diálogo franco sobre ancestralidade e apropriação de identidades, na mesma perspectiva do “descascar” do Boi que se revela em muitos outros encantados. Foi um portal aberto para os múltiplos que somos. Puro encantamento.

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O VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias é um projeto que conta com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, via Lei Paulo Gustavo (LC nº 195/2022) através do Edital de Apoio a Festivais Culturais do Ceará – 2023 e pelo Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas nos Espaços Artísticos.

O VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infância foi realizado entre os dias 6 e 10 de maio em vários locais de Fortaleza.

*Leidson Ferraz é jornalista, pesquisador teatral e doutorando em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

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