A Grande Família 50 anos: o humor da classe média brasileira

"A Grande Família", que estreou pela primeira vez na televisão brasileira há 50 anos, também ganhou um remake e se tornou uma das séries mais populares da TV Globo

Uma das séries mais populares da Rede Globo começou como um fracasso. Quando “A Grande Família” estreou na programação da emissora há cinco décadas, a recepção foi baixa. O motivo era evidente: a ideia era que o conteúdo fosse uma adaptação da produção estadunidense “All In The Family”.

O problema era que a realidade dos Estados Unidos daquela época, em que sua população enfrentava o desemprego e a queda do alto padrão de consumo, nada tinha a ver com o dia a dia dos brasileiros, que viviam em meio à ditadura militar (1964 - 1985) e passavam por um período conturbado na economia e na política.

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Logo os responsáveis pelo programa notaram que havia a necessidade de mudar o ponto de vista. Com o fim da primeira temporada, que teve somente seis episódios, os criadores levaram a realidade do Brasil para as telas. Na história, Lineu (Jorge Dória) é casado com Dona Nenê (Eloísa Mafalda), uma dona de casa.

O casal tem três filhos: Júnior (Osmar Prado), um estudante com ideais revolucionários; Tuco (Luiz Armando Queiroz), um jovem hippie que tenta aproveitar sua liberdade ao máximo; e Bebel (Djenane Machado e, posteriormente, Maria Cristina Nunes), uma mulher mimada que se casa com Agostinho (Paulo Araújo), o garçom de um motel.

Como o início do enredo foi criticado, a continuação passou por algumas adaptações. A família, por exemplo, foi morar em um conjunto habitacional no subúrbio, porque não tinha tantas condições financeiras.

Durante a trama, assuntos relevantes para a época - e ainda hoje - foram abordados de uma maneira humorística. O desemprego, a falta de perspectivas de futuro para a juventude, o alto custo de vida e os problemas familiares estavam sempre presentes.

“A Grande Família” na ditadura

As mudanças de uma temporada para a outra garantiram o sucesso de audiência. Entretanto, havia um obstáculo: a primeira versão de “A Grande Família” era exibida durante a ditadura militar. Por meio do humor, os criadores tentavam driblar suas críticas, que destacavam o cotidiano de uma família em decadência por causa da crise econômica. Mas isso nem sempre era possível.

Na dissertação “A Grande Família: intelectuais de esquerda, Rede Globo e censura durante a ditadura militar (1973 - 1975)”, a autora e professora Roberta Alves Silva cita momentos em que textos precisaram ser cortados do roteiro. Os pareceres eram realizados por um órgão do extinto estado de Guanabara para depois seguirem para o âmbito federal. De acordo com a pesquisadora, apesar de certas restrições, o conteúdo atendia a alguns ideais da ditadura.

Vianninha era um dos criadores da série 'A Grande Família'
Vianninha era um dos criadores da série 'A Grande Família' (Foto: Cedoc - Funarte/ Divulgação)

Essa ampla aceitação dos censores aconteceu mesmo que Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha (1936 - 1974), fosse um dos criadores da produção. Ele, que era um dos diretores da Rede Globo, atuou contra a repressão militar. Na década de 1960, ajudou a fundar o Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE). Posteriormente, a instituição foi colocada na ilegalidade, mas seus membros continuaram lutando contra a ditadura.

E o diretor tinha um objetivo em mente: o de retratar o cotidiano brasileiro a partir das perspectivas de um homem trabalhador de classe média. A questão é que, apesar das críticas, os laços da família tinha bastante destaque. E, entre tantos problemas que os familiares enfrentavam, todos permaneciam juntos. Reforçava, portanto, o ideal da união que muitos dos militares defendiam.

A canção-tema de “A Grande Família”, composta por Tom e Dito - uma das duplas de grande sucesso no samba na década de 1960 - também mostrava essa harmonia familiar em meio ao caos: “Esta família é muito unida/ E também muito ouriçada/ Brigam por qualquer razão/ Mas acabam pedindo perdão/ Pirraça pai, pirraça mãe, pirraça filha/ Eu também sou da família, também quero pirraçar/ Catuca pai, catuca mãe, catuca filha/ Eu também sou da família, também quero catucar”.

Nova adaptação

A primeira versão de “A Grande Família” teve uma boa audiência, mas o remake do início dos anos 2000 virou uma grande referência na cultura brasileira. Criada por Cláudio Paiva, a série foi protagonizada por nomes como Marco Nanini, Marieta Severo, Rogério Cardoso, Lúcio Mauro Filho, Guta Stresser, André Beltrão e Pedro Cardoso. O sucesso foi tão grande que o conteúdo ficou no ar durante 13 anos.

Algumas adaptações foram feitas para dialogar com o contexto da época. A família Silva, que mora na zona norte do Rio de Janeiro e pertence à classe média baixa, precisa lutar para sobreviver. Os nomes dos personagens são os mesmos, mas eles passaram por algumas mudanças.

'A Grande Família' foi uma das novelas de maior sucesso da TV Globo
'A Grande Família' foi uma das novelas de maior sucesso da TV Globo (Foto: Reprodução/ TV Globo)

Nenê é uma dona de casa dedicada e responsável por apartar as confusões familiares. Ela é mulher de Lineu, o patriarca, honestíssimo, politicamente correto, que tenta sustentar a família com o pouco de dinheiro que recebe no seu emprego público como fiscal veterinário. Eles têm dois filhos, também com personalidades marcantes. Bebel, a filha mais velha, é mimada e tem um estilo funkeira. Ela é casada com Agostinho, que trabalha em um motel e vive às custas dos sogros. Já Tuco é o irmão mais novo e preguiçoso.

Dentro do núcleo da família, ainda há Seu Floriano, que dorme no sofá da casa, porque o lugar não tem espaço para todo mundo. Outros nomes aparecem de forma recorrente. É o caso de Beiçola, um advogado e viúvo que se tornou dono da pastelaria da região. Ele se apaixona por dona Nenê, apesar de ela ser casada.

A segunda versão de “A Grande Família”, entretanto, tinha sido idealizada somente para ser um especial. Mas a repercussão foi tão grande que a série permaneceu no ar por mais de uma década e exibiu um total de 485 episódios na TV Globo.

Na época, a audiência chegava a competir com a novela das 21 horas e o Jornal Nacional, dois programas de maior público da emissora. Por causa disso, tornou-se a série humorística mais assistida da televisão brasileira. Agora, o conteúdo está disponível na plataforma de streaming Globoplay.

A fama de Agostinho Carrara

Anos depois do fim de “A Grande Família”, um personagem continua a ser popular entre as pessoas, principalmente, na internet. Agostinho Carrara, que era conhecido por ser um “malandro”, era um dos protagonistas mais carismáticos. Sempre que o assunto envolvia dinheiro, fazia de tudo para se dar bem - mesmo que isso indicasse que outras pessoas ficariam para trás. Era ainda o responsável por colocar os familiares em várias confusões.

O personagem, porém, precisou aprender a agir dessa maneira para conseguir crescer em seu contexto social. Ele viveu apenas com a mãe, porque seu pai lhe abandonou quando era criança. Por isso, teve que agir conforme o meio para sobreviver.

Em suas cenas, popularizou várias frases engraçadas, que até hoje são utilizadas como memes. “É hora de esquecer os erros do passado e começar a planejar os erros do futuro”; “Como é que pode no mesmo dia o cara ser assaltado, sequestrado, assassinado e ainda acabar a gasolina do carro?”; e “O dinheiro é um traidor. Sempre que saímos juntos, volto sempre sozinho pra casa” são recorrentes nas redes sociais.

Além disso, a moda de Agostinho Carrara, que misturava várias estampas diferentes, também costuma ser citada na internet, principalmente, por causa de suas semelhanças com as roupas de grifes atuais.

Harry Styles, por exemplo, sempre é comparado por seus fãs com o personagem. O cantor britânico que recentemente lançou “As It Was” é um dos rostos da Gucci. “Boatos de que o Agostinho Carrara é uma grande inspiração pro Harry Styles”, escreveu um fã na internet.

A popularidade do personagem nas redes sociais é tão grande que muitos perfis são dedicados a ele. Um dos mais famosos era o “Acervo Agostinho Carrara”, que contava com várias cenas do protagonista. A página saiu do ar no início do ano, mas isso não passou despercebido pelos internautas.

“O perfil ‘Acervo Agostinho Carrara’ virou isso aqui. Estou completamente desolado e sem chão. Todo dia queimam uma biblioteca de Alexandria”, brincou o humorista Pedro Certezas em publicação no Twitter, que teve mais de 23 mil curtidas.

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