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Crônica: Memórias de quando conheci o Zé do Caixão

PH Diaz, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Acecine), descreve suas memórias de quando conheceu o cineasta brasileiro José Mojica Marins, que morreu na última quarta-feira, 19
17:07 | Fev. 20, 2020
Autor Redação O POVO
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Acho que foi numa tarde, lá pelos idos dos anos 1990, a primeira vez que vi o Zé do Caixão no seu programa Cine Trash, na Band, em que tinha a tradicional hora da praga. Nesse momento em particular, depois de rogar sua praga para o Brasil todo, duas de suas assistentes devorariam pedaços de carne cru, fingindo ser pedaços do corpo de um homem.

Na época, eu ainda criança, isso me deixou extremamente chocado, e não consegui mais deixar de acompanhar o programa. Os filmes que ele apresentava não eram tão interessantes em si, o personagem dele que me interessava. Com o tempo, acabei conhecendo a figura do José Mojica Marins como cineasta. A sua linguagem simples, sua arte de trabalhar com pouquíssimo dinheiro e muita inventividade.

A principal característica do Mojica que me atravessou foi seu lado subversivo. É curioso pensar no atual momento em que estamos, em que a cultura e os trabalhadores estão sendo atacados diretamente pelo governo. Vale lembrar que Mojica teve boa part de seus filmes censurados, e sofreu muito por isso, chegando a passar fome. Numa época em que o cinema da Boca de Lixo era feito a toque de caixa, ou seja, o filme precisava estrear para poder render dinheiro ao realizador para que ele pudesse financiar outra “fita”. Ter um filme censurado significava deixar de trabalhar. Mojica sempre foi um proletário do cinema.

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Era 2008 quando "Encarnação do Demônio" chegaria nas às telas do cinema, com atraso de 40 anos, o final da trilogia do personagem Josefel Zanatas, vulgo Zé do Caixão, chegaria ao fim. Na época, ainda concluindo o ensino médio no interior do Vale do Jaguaribe, quando soube que o filme iria estrear em Fortaleza, não pensei duas vezes, peguei um ônibus, passei 4 horas para chegar em Fortaleza. Comprei o ingresso. Entrei no cinema quase vazio, o que para Mojica nos 60 seria estranho, já que ele estava acostumado a lotar salas de cinemas.

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Logo nos créditos iniciais, minha surpresa: os nomes dos produtores. Eram fãs que nem eu. Jovens realizadores e roteiristas, que assim como eu, viam no legado do Mojica referências para fazer cinema. Realizei meu primeiro curta em 2017, chamado "O Vigia", que é uma singela homenagem ao cinema do Mojica. Numa das cenas, uma mão com unhas gigantescas surge. É legal pensar que um curta feito com tão poucos recursos fosse exibido em diversas mostras e festivais, sendo um deles o Trash, que homenageia o realizador que Mojica era. A todos que amam cinema de terror, Mojica é referência. Assistam suas obras, leiam seus quadrinhos. Enquanto houver cinema inventivo nesse país, haverá Mojica.

PH Diaz é membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Acecine)

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