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Da estética ao financeiro: como os filtros do Instagram estão nos influenciando

Quarentena fez usuários das redes sociais utilizarem bastante os filtros, mas há quem já trabalhasse com eles ou influenciados diretamente pelos efeitos.
13:27 | Nov. 06, 2020
Autor Marília Freitas
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Marília Freitas Estagiária do O POVO Online
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Tipo Notícia

No início de março, um padre viralizou nas redes sociais após usar filtros engraçadinhos de lobo, exercícios físicos e de ‘fantasminha’ durante transmissão de oração online. O acontecimento rendeu várias risadas e compartilhamentos por usuários, mas os filtros já eram conhecidos anteriormente em redes sociais como o Facebook e Instagram. O momento de quarentena, porém, evidenciou a ferramenta: além do intuito de divertir, os filtros viraram forma de negócio e até referências estéticas para procedimentos no corpo humano.

A dermatologista Michelle Palmiro tem um consultório particular e trabalha como voluntária no Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo. Independente do atendimento público ou privado, a especialista conta sobre a procura de procedimentos estéticos após os pacientes utilizarem um filtro no Instagram. Segundo ela, a demanda vem sendo maior após a quarentena, com pedidos feitos principalmente por adolescentes e mulheres acima dos 30 anos.

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"Elas chegam atrás de uma pele sem poros, sem filtro, querendo um nariz mais fino. Até trazem o celular e a foto salva para mostrar os procedimentos”, conta. Pelo menos uma vez ao dia há essa procura em seus consultórios. Mas o que os filtros fazem de tão especial? A ferramenta possibilita efeitos no rosto do usuário, aplicando-os em fotos ou vídeos. Através da câmera do Instagram, por exemplo, é possível ver como você ficaria com a bochecha mais rosada ou com outra cor de cabelo.

Devido à demanda, o filtro chegou a virar negócio de trabalho. Há dois anos, o influencer Igor Saringer viu nos filtros do Instagram uma possibilidade de dinheiro e se estabeleceu como o primeiro influencer brasileiro a criar a ferramenta nas redes. Agora, ele acumula mais de 1 milhão de seguidores no perfil e tem filtros usados por famosos brasileiros e internacionais, como Anitta, Pabllo Vittar, Reese Witherspoon e o cantor Sam Smith.

Cabelo colorido

 

Um deles foi o da mudança da cor de cabelo. Você provavelmente deve ter usado o filtro como outras 219 milhões de pessoas que abriram o efeito na câmera do Instagram. Outros 65 milhões de usuários experimentaram o filtro e tiraram uma foto, enquanto um total de 10 milhões de pessoas tiraram a foto e não necessariamente compartilharam nas redes, mas salvaram na galeria pessoal do celular. Após o filtro, Igor recebeu feedbacks de seguidores que realmente pintaram o cabelo após usar a ferramenta.

"Foi um sucesso, as pessoas começaram a compartilhar muito. Você consegue ver como ficaria com a cor de cabelo, o que é mais fácil do que baixar um aplicativo que mostre a mudança. Então as pessoas gostaram da ideia", compartilha. "Eu não estava esperando isso. Mas é porque dá a vontade né? Eu não tenho coragem, mas deu vontade".

O influencer continua fazendo filtros aleatórios, mas também trabalha para grandes marcas institucionais. Por pouquíssimas vezes utilizou filtros que alteram partes do rosto ou do corpo até mesmo por uma política do aplicativo. Segundo ele, o Instagram costumava barrar filtros que mudavam o rosto. Porém, nos últimos dois meses, Igor percebeu que a política 'caiu' e conta que tem amigos próximos que realizaram cirurgias após os filtros. "Eu não vejo como uma coisa ruim, porque muita gente que faz o procedimento acaba se arrependendo do resultado. Pelo menos o filtro possibilita dar uma olhada de como você ficaria fazendo", conclui.


Filtros como beleza: as diferenças no decorrer dos anos

 

A dermatologista Michelle Palmiro pontua diferenças no decorrer dos anos nos procedimentos estéticos: a referência de um ideal de beleza era majoritariamente construída com famosos, através de referências em capas de revistas de beleza ou em portais sobre o assunto. Com a moda das selfies, os pacientes logo identificavam o problema em seu rosto ao tirar as fotos e pontuavam para os especialistas. "Agora, nessa terceira etapa, a pessoa fala o que quer baseada nos filtros das redes sociais", conta.

O aumento dos usos das redes sociais na quarentena foi influenciador: diversos filtros foram feitos e usados durante o intervalo de reclusão. Se anteriormente sempre retocávamos a maquiagem antes de tirar uma foto ou de sair para a rua, os filtros vieram para substituir isso, afinal, estamos em casa e não há mais essa necessidade extrema de usar os cosméticos. "Eles são muito baseados em maquiagem: vemos muita luminosidade, sombra, e a maquiagem traz uma resolução estética para a pessoa. É uma troca", conta Michelle.

Foxy eyes



Mas devido a sua temporariedade, os filtros se adequam a uma moda do momento. Michelle cita como exemplo de trend o foxy eyes, modelo de maquiagem que alonga a cauda da sobrancelha e foi usado por famosos no mundo da maquiagem e em filtros. "Isso acaba transpondo os procedimentos, mas sem dúvida é algo baseado em uma moda. Devemos compreender que isso é passageiro e não devemos fazer nenhum procedimento definitivo", orienta a dermatologista. Flávia Pavanelli, inclusive, foi uma das famosas que realizou o procedimento e divulgou em seu Instagram:

Porém, só isso não basta. Pesquisa da Decode HUB, empresa de análises de dados online, mostra que a busca por "foxy eyes" no Google cresceu 860% entre o período de março a outubro de 2020. "Lipo HD" vem em seguida, com 680%; "harmonização facial" com 115% de buscas e "rinoplastia" com 81%. Os procedimentos mais buscados no consultório são os baseados nos filtros: bioplastia nasal (rinoplastia), preenchimento dos lábios, na região do blush e na mandíbula estão na lista dos mais realizados - e há diversos efeitos nas redes sociais que possibilitam ver como sua boca ficaria mais carnuda ou seu nariz ficaria com uma aparência mais fina.


Foi o que aconteceu com uma das pacientes de Michelle, Cinthia Martins. Ela realizou uma micropigmentação na sobrancelha, não gostou do resultado e retirou o procedimento. Logo após, tirou uma foto no Instagram com um filtro e se apaixonou por como ficou sua boca e seu queixo. Aí partiu para o procedimento estético. "Ficou bem legal, exatamente do jeito que eu queria", conta. Por trabalhar com a imagem, a jornalista sempre usa filtros no Instagram para aparecer aos seguidores. "A gente acorda tão 'esbagaçada' e o filtro ajuda, né? Dá uma animada para a gente aparecer", comemora.

Os filtros mais utilizados por Cinthia são os de maquiagem e ela continua testando vários outros modelos mesmo após os procedimentos, que seguem em fase de finalização. "Eu sei que está muito na moda isso de se aceitar, ser você mesmo... mas se te faz bem e feliz [a mudança], não tem problema", relata. O sentimento é parecido para a jornalista Isabele Miranda, que realizará um procedimento estético no nariz após perceber como ficaria em filtros do Instagram.

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Como também trabalha com sua imagem, a jornalista se sentia insegura em publicar fotos sem filtros nas redes sociais. "Eu recebia muitas críticas pesadas. Algumas pessoas chegavam a comentar ao vivo que meu nariz não era bonito. Era uma coisa que me incomodava bastante", relata. Dois anos após realizar uma rinomodelação, resolveu realizar outro procedimento no nariz. E acabou descobrindo que precisava da cirurgia para consertar um problema de sinusite, indo além da estética.

"Eu acredito que vou ficar bem mais contente com a cirurgia, uma vez que vou corrigir aquilo que me causava desconforto", conta. Atualmente, ela vem passando por uma bateria de exames antes de realizar a mudança. As expectativas de Isabele estão altas. "Pode ser que eu não sinta mais tanta necessidade do filtro", espera.

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Cuidados 

A bateria de exames ajuda a identificar problemas que podem influenciar a operação e é fundamental que o especialista avalie os dados antes mesmo de qualquer mudança estética. "As vezes o paciente chega com uma meta: 'quero ficar com o nariz assim'. Mas com uma conversa, percebemos outras alterações", conta Michele, referindo-se a problemas internos ou sociais: por exemplo, um bullying sofrido na infância que pode mistificar uma parte do corpo de alguém e fincar que há algo de errado ali, quando na verdade não há problema algum.

Um dos acompanhamentos feitos é a autoavaliação do paciente, no qual ele percebe se aquela alteração é impactante em sua vida a ponto de mudar a rotina pessoal ou profissional. "Não podemos ter a certeza de que a pessoa vai ficar como se vê no filtro. Isso é impossível, pois o filtro é irreal", destaca. Um acompanhamento conjunto, com setores da psiquiatria e da psicologia, ajudam a entender a necessidade do procedimento. 

Para ela, os filtros padronizam uma beleza e contornam os intuitos da cosmiatria, a especialização em estética. "A ideia não é colocar um padrão de boca ou nariz, mas de compreender a emoção gerada no paciente", conta Michelle. "É encontrar as medidas que torne aquela pessoa mais autoconfiante".




 

 


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