Criatividade e neurociência: uma perspectiva sobre o autismo
Transtorno do Espectro Autista (TEA) marca discussões durante o terceiro dia do Brain Congress
A criatividade, definida pela neurociência como a capacidade do cérebro de gerar ideias novas e úteis, não é uma “dádiva genética”, mas uma habilidade cognitiva que pode ser desenvolvida e exercitada.
Neste contexto, surge o questionamento: “Afinal, os autistas são mais criativos e geniais?”. Esse foi o tema de uma das palestras do terceiro dia do Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções — Brain Congress.
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Na ocasião, Vitor Geraldi, professor titular do Departamento de Psicologia e coordenador do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esteve a frente da discussão.
Ele explica que a criatividade emerge da interação dinâmica de múltiplas redes neurais e processos cognitivos.
Ou seja, áreas cerebrais como o córtex pré-frontal (pensamento crítico, tomada de decisões), o córtex temporal (linguagem, memória) e o córtex parietal (informação sensorial, percepção espacial) trabalham em conjunto para criar novas conexões e ideias.
“O cérebro humano funciona como uma vasta rede associativa, onde bilhões de neurônios se conectam, criando associações entre ativações cerebrais ao aprendermos e nos momentos em que vemos e sentimos algo”, destaca.
Segundo ele, isso é crucial para entender o autismo, já que pessoas com características do espectro frequentemente processam informações e formam associações de maneiras distintas.
Com isso, ele apresenta a Teoria Cognitiva das Habilidades, que complementa essa visão, focando em como processos mentais como atenção, memória e pensamento influenciam a aprendizagem e o comportamento.
“Ela vê o indivíduo como um participante ativo na construção do conhecimento, usando experiências prévias para dar sentido a novas informações. Compreender essas habilidades é vital para otimizar o desenvolvimento cognitivo”, afirma.
O divergente e o convergente
Vitor Geraldi apresenta os conceitos de pensamento convergente e divergente, analisando como pessoas no espectro autista pensam e resolvem problemas.
O pensamento convergente consiste em uma busca única da solução correta para um problema, envolvendo lógica, análise e raciocínio sequencial. Já o divergente gera múltiplas soluções, ideias ou possibilidades para um problema, envolvendo criatividade, flexibilidade e originalidade.
Ele explica que existem perfis distintos em relação a esses tipos de pensamento em indivíduos autistas. “É crucial ressaltar que a relação não é linear. O mesmo foco em detalhes e a perspectiva única que podem dificultar o pensamento divergente em contextos sociais podem impulsionar uma forma singular de criatividade em áreas de interesse específico”, afirma.
Ou seja, embora muitos autistas possam ter uma forte inclinação para o pensamento convergente, suas abordagens únicas ao processamento de informações podem abrir portas para formas distintas e valiosas de pensamento divergente, especialmente em seus campos de interesse.
Inteligência, decisão e insight
Além disso, foram apresentados os conceitos de inteligência, decisão e insight adaptativos que descrevem um ciclo contínuo de adaptação e melhoria. A inteligência adaptativa fornece a base para o aprendizado e a flexibilidade. Já a tomada de decisão adaptativa aplica essa flexibilidade em ações.
O insight vem para oferecer compreensões que realimentam e aprimoram todo o sistema. Essa capacidade de ajuste é crucial para o progresso em ambientes dinâmicos.
Embora pessoas autistas possam apresentar desafios nessas redes, especialmente em contextos sociais que exigem flexibilidade cognitiva, elas frequentemente demonstram forças notáveis em outras áreas de pensamento, como o raciocínio lógico, a atenção aos detalhes e, em muitos casos, um insight profundo e original dentro de seus domínios de interesse.
“Alguns autistas são extremamente inteligentes, mas é preciso a valorização por ensino por descobertas, instruindo esse indivíduo desde a sua infância. O ambiente e como os responsáveis agem influenciam diretamente no desenvolvimento dessa criatividade. É preciso ter cuidado com as expectativas que podem ser frustradas”, aconselha.
Em entrevista ao OPOVO, Catherine Lord, psicóloga clínica e professora de psiquiatria na Escola de Medicina David Geffen da UCLA, que também esteve palestrando no Brain Congress, com o tema “Autismo e intervenção precoce: o momento certo faz diferença?”, destaca a importância do diagnóstico precoce do autismo.
“É necessário porque podemos fazer mudanças, principalmente na comunicação de crianças muito pequenas, o que é muito mais difícil de fazer tardiamente. Também conseguimos ajudar as famílias a começarem a fazer coisas que apoiem seus filhos”, enxerga.
Para ela, hoje em dia é muito mais fácil identificar a condição do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que explica o aumento de diagnósticos.
“Temos critérios mais amplos, incluindo pessoas que não têm deficiências intelectuais, e isso significa que vemos mais delas. O autismo oferece melhores serviços do que alguns outros diagnósticos. Então, precisamos de mais serviços. Não é que eles não existam, é que simplesmente não sabíamos que eles existiam”, finaliza.