Moraes vota para absolver 1º réu na trama golpista, o general cearense Estevam Theophilo
Ministro do Supremo votou para condenar outros nove réus do núcleo 3
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes votou pela primeira vez pela absolvição de um dos réus no julgamento da ação penal 2668, relativa a tentativa de golpe de Estado. Trata-se de um cearense: o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira.
O magistrado considerou não haver provas suficientes para condenar o general, apenas aquelas produzidas na delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Condenação de nove réus
Moraes, entretanto, se posicionou pela condenação dos outros nove réus deste núcleo. São eles:
- Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto
- Coronel Fabrício Moreira de Bastos
- Coronel Marcio Nunes de Resende Júnior
- Tenente-Coronel Hélio Ferreira Lima
- Tenente-Coronel Rafael Martins de Oliveira
- Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo
- Tenente-Coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros
- Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior
- Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
O grupo inclui alguns dos chamados "kids-pretos", militares que integraram o grupamento de forças especiais do Exército.
Pelo voto de Moraes, dois dos réus devem responder por crimes mais leves — o coronel Márcio Nunes de Resende Júnior e o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior. Ambos devem ser condenados por incitação à animosidade das Forças Armadas e associação criminosa, segundo o ministro.
Os demais — seis militares e um policial federal — devem ser condenados, conforme o relator, pelos cinco crimes aos quais foram acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR): organização criminosa armada, golpe de Estado, ataque violento ao Estado Democrático de Direito, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração do patrimônio tombado.
O julgamento ocorre em sessão extraordinária da primeira turma do Supremo. Como relator, Moraes é o primeiro a votar no caso. Ainda devem votar no julgamento os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia. A sessão foi suspensa para almoço.
O julgamento do núcleo 3
A primeira turma do Supremo julga desde a semana passada o chamado núcleo 3 da trama golpista, composto por nove militares do Exército e um agente da Polícia Federal. Theophilo é o de mais alta patente deles.
O grupo foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar ações contra o resultado das eleições de 2022 e atentar contra autoridades da República.
De acordo com a PGR, os réus integravam um núcleo militar responsável por monitorar autoridades, planejar ataques e pressionar os comandantes das Forças Armadas a apoiar uma ruptura institucional.
Entre os atos praticados, segundo a denúncia, estão a disseminação de notícias falsas sobre as eleições, a pressão ao alto comando das Forças Armadas para aderirem ao complô e a ida efetiva a campo para monitorar e matar autoridades vistas como adversárias, incluindo o próprio Moraes, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.
“Está comprovado que houve esse planejamento e houve o ato executório. Só não se consumou [o plano de assassinato] por circunstâncias alheias à vontade [do grupo]”, afirmou Moraes.
O ministro mencionou, por exemplo, a operação Copa 2022, um dos planejamentos golpistas apreendidos na investigação.
Assassinatos
Foram apresentadas provas como a localização dos réus, obtidas por meio do acionamento de antenas de telefonia celular, e conversas no aplicativo de mensagem Signal, no que parece ser uma interação entre agentes já em campo para assassinar os alvos.
O ministro frisou que ele próprio só não foi morto por causa de uma ordem para abortar a missão, em um recuo de última hora de Bolsonaro, que não havia conseguido, no mesmo dia, a adesão do comandante do Exército ao complô.
Outro documento anexado ao processo é o plano Punhal Verde e Amarelo, igualmente apreendido pela PF, que previa o emprego “de armamento pesado” nas missões para matar autoridades, inclusive o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.
O ministro mostrou relatório da PF detalhando o material bélico apreendido na operação Tempus Verictatis, incluindo explosivos e armas e munições de grosso calibre. “Não há nenhuma dúvida de que isso seria usado em uma tentativa de golpe de Estado”, afirmou Moraes.
No caso de Lula, “o plano de morte previa outra abordagem, como o envenenamento ou remédio que induzisse o colapso orgânico”, destacou o ministro. O presidente eleito estaria sendo monitorado por um dos policiais federais designados para sua equipe de segurança.
Ditadura
Em outro momento, ao comentar a chamada Operação Luneta, um terceiro plano golpista que foi encontrado pela PF, dessa vez mais amplo e conjuntural, Moraes afirmou ser “uma verdadeira ditadura o que [os réus] pretendiam com o apoio das Forças Armadas”.
O ministro Flávio Dino disse que os passos previstos nesse plano de golpe se assemelham aos acontecimentos do golpe civil-militar de 1964.
“Restrição à atuação do Supremo Tribunal, censura à imprensa, proibição de manifestações, prisão de opositores. É quase como uma adaptação do roteiro que se deu a partir de 1964 no Brasil”, observou.
O STF vai decidir se o grupo deve ser absolvido ou condenado, com penas proporcionais ao grau de participação nas ações ilegais.
O presidente da turma, ministro Flávio Dino, reservou as sessões dos dias 11, 12, 18 e 19 para analisar a denúncia apresentada pela PGR. Além de Dino, participam da votação os ministros Alexandre de Moraes (relator), Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A quinta cadeira da Primeira Turma está vaga após a transferência do ministro Luiz Fux para a Segunda Turma.
As acusações
A Procuradoria-Geral da República acusa os réus de:
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- Tentativa de golpe de Estado
- Participação em organização criminosa armada
- Dano qualificado
- Deterioração de patrimônio tombado
Segundo a PGR, o grupo participou de ações coercitivas. O objetivo seria criar um ambiente de instabilidade e favorecer um decreto de ruptura institucional, com apoio de setores militares.
Absolvição e crimes mais brandos
No caso dos réus Ronald Ferreira de Araújo Júnior e Márcio Nunes de Resende Júnior, tenente-coronel e coronel do Exército, respectivamente, Moraes votou para descaracterização dos crimes imputados pela procuradoria, afirmando não haver provas suficientes de que eles de fato faziam parte da organização criminosa que tentou o golpe.
Os dois foram acusados de pressionar superiores hierárquicos a aderirem à trama golpista, mas as provas contra eles demonstram apenas que encaminharam mensagens pontuais. No caso do general Estevam Teóphilo, o ministro também disse não haver provas suficientes de que ele de fato participou do complô golpista. Moraes aplicou o princípio do in dubio pro reo, segundo o qual o réu deve ser absolvido em caso de dúvida razoável.
Outros núcleos
Até o momento, o STF já condenou 15 réus pela trama golpista. São sete condenados do Núcleo 4 e mais oito acusados que pertencem ao Núcleo 1, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
O grupo 2 será julgado a partir de 9 de dezembro. O núcleo 5 é formado pelo empresário Paulo Figueiredo, neto do ex-presidente da ditadura João Figueiredo. Ele mora dos Estados Unidos, e não há previsão para o julgamento.
Do que os réus são acusados e o que dizem as defesas
O julgamento do núcleo militar, o mais numeroso entre os investigados, deve definir a responsabilidade dos réus nas ações golpistas e sinalizar o ritmo das próximas fases do processo no STF.
General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
Acusado de usar sua posição e experiência militar para apoiar a tentativa de golpe, teria incentivado Jair Bolsonaro (PL) a assinar o decreto de ruptura institucional. A PGR afirma que sua adesão deu peso simbólico e estratégico ao plano.
A defesa nega que ele tenha recebido proposta golpista em reunião com Bolsonaro e sustenta que não há relação com os atos de 8 de janeiro. Estevam Theophilo é irmão do também general cearense Guilherme Theophilo, pré-candidato ao Senado pelo Partido Novo em 2026.
Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto
Apontado pela PGR como um dos participantes de reunião em novembro de 2022, em que teria sido discutido o decreto golpista. Teria pressionado generais para apoiar a ruptura democrática. A defesa nega envolvimento e afirma que ele não disseminou informações falsas nem participou de planejamento golpista.
Coronel Fabrício Moreira de Bastos
Segundo a PGR, participou de ações para pressionar comandantes das Forças Armadas e esteve na reunião de novembro em que foi discutido o decreto. A defesa afirma que ele não cometeu crimes e que não há provas de sua participação em organização criminosa.
Coronel Marcio Nunes de Resende Júnior
Acusado de ter participado da elaboração de uma carta usada para pressionar comandantes militares a apoiar o golpe. A reunião teria ocorrido em uma sala de sua residência. A defesa nega que ele tenha pressionado oficiais e diz que não há relação com os atos de 8 de janeiro.
Tenente-Coronel Hélio Ferreira Lima
Apontado como autor de uma planilha com as etapas do golpe e de planejar o caos social e a neutralização de autoridades. A PGR o associa ao plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. A defesa contesta a delação de Mauro Cid e sustenta que não há provas de que Lima integrou organização criminosa.
Tenente-Coronel Rafael Martins de Oliveira
Acusado de participar de reunião com o general Braga Netto, em novembro de 2022, para discutir estratégias de mobilização e instabilidade. Teria monitorado autoridades, incluindo o ministro Alexandre de Moraes. A defesa afirma que a denúncia não detalha suas ações, nega os crimes e diz que não há provas suficientes.
Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo
Teria atuado nas ações de campo voltadas ao monitoramento de autoridades. A defesa nega envolvimento nos atos de 8 de janeiro e afirma que não há provas de participação em organização criminosa.
Tenente-Coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros
Segundo a acusação, ajudou a elaborar a carta que buscava pressionar comandantes militares. A defesa sustenta que os crimes não foram comprovados e que ele não integrou organização criminosa nem teve ligação com o 8 de janeiro.
Tenente-Coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior
A acusação aponta a participação dele na elaboração e divulgação da carta destinada a pressionar os comandantes militares. A PGR, porém, reconhece que não há provas de envolvimento mais profundo e pede que ele responda por incitação ao crime, por estimular animosidade das Forças Armadas contra os Poderes da República. A defesa nega que sua conduta tenha gerado consequências criminosas.
Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
Acusado de monitorar o presidente Lula e repassar informações sobre segurança presidencial a aliados de Bolsonaro. A defesa afirma que não há indícios de participação em atos antidemocráticos nem vínculo com a organização criminosa.