Julgamento de Bolsonaro: Defesas rebatem PGR, afastam clientes do ex-presidente e criticam delação
Na primeira semana do julgamento, os advogados dos réus também criticaram o grande volume de material e um curto prazo para análise das provas
11:53 | Set. 05, 2025
Encerrada na quarta-feira, 3, a etapa de sustentação oral das defesas dos oitos réus que integram o núcleo crucial do processo que apura a tentativa de golpe de Estado teve diversos pontos abordados. Os advogados de defesa negaram o envolvimento dos acusados na trama golpista, rebateram as denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e questionaram a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
No geral, para o advogado criminalista Nestor Santiago, professor da UFC e da Unifor e integrante do Conselho de Leitores do O POVO, os advogados das defesas dos reús atuaram bem, com destaque para a sustentação do advogado Matheus Milanez, que fez a defesa do general Augusto Heleno.
“No geral, os colegas foram muito bem. É uma defesa difícil, a gente sabe que é um caso em que existe o apelo por uma condenação, mas os advogados trazem, às vezes, perspectivas diferentes [...] Alguns advogados, digamos assim, com uma oratória um pouco mais complicada, outros foram mais eficientes, por exemplo o advogado Matheus Milanez. Ele foi muito bem, incisivo, direto e é importante dizer que é direito do advogado fazer a crítica, mas aquela crítica respeitosa, dentro das condições do processo. Não é ofender”, analisou.
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Já Mariana Dionísio, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e mestre em Direito Constitucional pela Unifor, apontou, em entrevista ao O POVO News na quarta-feira, 3, a falta de articulação entre as defesas e a necessidade de uma narrativa linear.
“Eu não sei se eles estão se esforçando para virar meme, sair do processo, porque ganhar no grito, isso não acontece no STF. Ganhar no grito, tentar registrar força de argumento sem ter uma linearidade lógica. Esse é o ponto mais crítico: não conversar com os demais advogados. Eles precisavam conversar entre si para, pelo menos, criar uma narrativa linear. A impressão que dá é que é cada um por si e cada um faz a sua defesa da forma que lhe parece mais adequada, sem ter uma articulação que era mínima”, afirmou.
Argumentos das defesas
Pelo fato do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro ser delator e colaborador no processo, a defesa de Mauro Cid abriu os trabalhos de sustentação oral na segunda sessão do julgamento na terça-feira, 2.
O advogado Jair Alves Ferreira destacou a validade da delação de Cid, bastante mencionada pela defesa dos outros réus, e afirmou que o tenente não foi coagido durante o processo. A reportagem da revista Veja que divulgou áudios em que Cid dizia estar sendo pressionado também foi abordada pela defesa.
“Isso não é coação. O Mauro Cid está reclamando da posição do delegado. Isso é direito [...] Eu posso não concordar com o relatório e com o indiciamento do delegado e de fato não concordo. Agora, nem por isso eu posso dizer que ele coagiu o meu cliente ou que ele cometeu uma ilegalidade”, disse. O advogado também pediu a manutenção do acordo da delação premiada “com todos os benefícios ajustados nos termos das alegações finais”.
O advogado Paulo Renato Cintra, integrante da defesa do deputado federal Alexandre Ramagem, afirmou que ele apenas “compilava pensamentos” de Bolsonaro e não era um ensaísta do ex-presidente.
Ramagem responde a três dos cinco crimes apresentados na denúncia da PGR, após suspensão de dois deles pelo fato de terem ocorrido após a diplomação do deputado. Porém, a defesa também pediu a suspensão da acusação de organização criminosa indicando que continuava em vigência após a diplomação do parlamentar.
Cintra também chegou a falar em “erros graves” por parte da PGR e explicou que a defesa do voto impresso por parte de Ramagem não eram orientações a Bolsonaro.
“Havia várias postagens de Ramagem em defesa do voto auditável ou voto impresso à época. Essa mensagem não era exatamente uma orientação a Jair Bolsonaro. Não, era uma defesa de uma pauta que Alexandre Ramagem, certo ou errado", defendeu. Ao final da sustentação, a ministra Cármem Lúcia chamou a atenção de Cintra e o corrigiu, explicando a diferença entre voto impresso e auditável.
O advogado Demóstenes Torres negou que o almirante Almir Garnier tenha colocado a Marinha à disposição para o plano golpista e alegou que a PGR teria incluído dois fatos que não estariam na denúncia, destacando a impossibilidade de que “o réu se defenda de algo que não foi imputado”.
As situações mencionadas são o desfile da Marinha em agosto de 2021 na Praça dos Três Poderes, interpretado pelo procurador-geral como ato de apoio ao golpe, e a ausência de Garnier na cerimônia da passagem de comando da Marinha em 2023.
A defesa de Anderson Torres, representada pelo advogado Eumar Novacki, considerou a minuta do golpe encontrada pela Polícia Federal (PF) na casa do ex-ministro como “minuta do Google”, afirmando que o documento está disponível na internet e não tem valor jurídico.
Além disso, a defesa do réu falou sobre as denúncias da PGR que apontavam a ausência de Torres do Distrito Federal (DF) durante os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023 e indicavam uma possível omissão. Na época, Torres era secretário de Segurança do DF e estava de férias nos Estados Unidos. De acordo com Novacki, a viagem tinha sido planejada com antecedência e as passagens foram emitidas antes de janeiro.
Afastamento da figura de Bolsonaro
A sustentação oral de parte dos réus também foi marcada por uma tentativa mais perceptível de distanciamento de Jair Bolsonaro. Um ponto apresentado pelo advogado Matheus Milanez foi o afastamento entre Augusto Heleno e o ex-presidente, acentuado após a aproximação do então mandatário com partidos do Centrão nos dois últimos anos de governo, indicando que o seu cliente já não teria tanta influência nas decisões.
“Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos ditos Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento no sentido da cúpula do poder”.
Milanez chegou a mostrar uma anotação feita por Heleno em uma caderneta pessoal sobre a vacinação de Bolsonaro: “Presidente tem que se vacinar”. Para a defesa, isso representa a divergência e comprova o afastamento entre os dois.
Já o advogado Andrew Farias repetiu várias vezes que o ex-ministro Paulo Sergio Nogueira teria atuado “ativamente” para demover Bolsonaro. A ministra Cármem Lúcia o questionou e pediu esclarecimentos: “Demover de que? Por que, até agora, todo mundo disse que ninguém pensou nada”. Em seguida, Farias respondeu que o réu impediu a adoção de “qualquer medida de exceção”.
Delação de Cid na mira
Ataques à delação premiada e pedidos de rescisão da colaboração do ex-ajudante de ordens Mauro Cid também estiveram entre as principais falas das defesas, principalmente a do general Walter Braga Netto e a do ex-presidente Jair Bolsonaro.
José Luis Mendes de Oliveira Lima, advogado de Braga Netto, considerou a colaboração de Cid como “delação mentirosa” e disse que não há provas contra o general, mas narrativas.
Além de afirmar que não há provas envolvendo o ex-presidente Bolsonaro na trama golpista, o advogado Celso Vilardi seguiu pelo mesmo caminho e criticou a delação de Mauro Cid. Ele indica que há contradições nas falas e diz que o tenente-coronel teria mudado as versões: “Esse homem não é confiável”.
O advogado criminalista Nestor Santiago afirmou que a delação de Cid deveria ser analisada e enfatiza que todos os argumentos apresentados serão apreciados pelos ministros na votação.
“É bem possível que haja aí alguma interferência dessa delação do Mauro Cid nas situações processuais dos outros acusados [...] Ela foi homologada, porque tinha uma razão de ser, mas pode ser que, no decorrer do processo, já que todos foram ouvidos depois, alguma daquelas informações que ele tenha trazido não seja verídica. Nesse caso, cabe ao Ministério Público também fazer uma modulação na negociação do benefício. Tem que analisar sempre a situação do caso concreto”, disse.
Acesso às provas
Críticas envolvendo a quantidade de material, a falta de tempo e o acesso às provas foram feitas pelos advogados dos réus. Matheus Milanez e Celso Vilardi falaram sobre o grande volume de conteúdo e o curto tempo disponibilizado para análise das defesas.
“Nós não tivemos o tempo que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram e nós não tivemos acesso às provas durante a instrução. Com 34 anos, é a primeira vez que eu venho à tribuna, com toda humildade, para dizer o seguinte: eu não conheço a íntegra desse processo. O conjunto das provas, eu não conheço. São bilhões de documentos, uma instrução de menos de 15 dias, seguida de interrogatório”, disse Vilardi.
Para Nestor Santiago, a situação mencionada pelos advogados é grave: “Isso é uma situação muito grave, que envolve inclusive quebra da paridade de armas dentro do processo penal. Ou seja, a defesa não tem os mesmo direitos que teria a acusação, então isso é realmente algo a se pensar, mas, independentemente disso, o processo está rolando e nas próximas semanas começam os votos dos ministros”.
Por outro lado, ainda em entrevista para O POVO News, Mariana Dionísio avaliou as críticas dos advogados dos réus como “estratégia de defesa preguiçosa”.
“Fica muito complicado concordar com algumas dessas alegações na medida em que, processualmente, o rito está seguindo toda a dinâmica mais adequada possível dentro dos rigores da lei. A gente tem aqui um julgamento que é muito midiático, mas a advocacia de defesa precisava se comunicar. A impressão que dá é que é cada um por si”, iniciou.
Para ela, os argumentos não se sustentam processualmente. Mariana também destaca que o conteúdo foi disponibilizado com bastante antecedência, inclusive para evitar um eventual pedido de vistas por outro ministro.
“Desses argumentos, não há um que se sustente, pelo menos processualmente. A ideia é insistir na narrativa da perseguição, insistir que os atos processuais não estão sendo realizadas de maneira adequada, mas é uma narrativa que é muito frágil, sobretudo em um julgamento que tem uma importância tão ímpar para a democracia brasileira”, pontuou.
Finalizada a fase de defesas dos réus, o julgamento será retomado na próxima terça-feira, 9, com os votos dos ministros da Primeira Turma. O relator da ação penal Alexandre de Moraes será o primeiro e a votação seguirá com Cármem Lúcia, Flávio Dino, Luiz Fux e Cristiano Zanin. A decisão de absolvição ou condenação dos réus está prevista para ocorrer na próxima sexta-feira, 12.