Facção e eleições: Veja o que o TRE-CE considerou ao cassar prefeito de Santa Quitéria

Facção e eleições: Veja o que o TRE-CE considerou ao cassar prefeito de Santa Quitéria

Braguinha e Gardel Padeiro são alvos de pedido de cassação pelo Ministério Público Eleitoral por abuso de poder político e econômico ao, supostamente, se envolverem com integrantes de uma facção criminosa para influenciar eleitores

Chamado de “caso mais emblemático” das eleições municipais no Ceará em 2024, por magistrado do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE), a situação envolvendo José Braga Barrozo, o Braguinha (PSB), reeleito prefeito de Santa Quitéria, distante 223,46 km de Fortaleza, que teve cassação confirmada pelo TRE-CE, chamou a atenção para a problemática da influência de facções criminosas no processo eleitoral.

Na última terça-feira, 1º, o TRE-CE decidiu rejeitar recurso da defesa de Braguinha e de Francisco Gardel Mesquita Ribeiro, conhecido como Gardel Padeiro (PP), vice eleito em Santa Quitéria no mesmo ano. A chapa é acusada de envolvimento com facção criminosa, que teria atuado para influenciar nas eleições. Veja mais abaixo o que a Justiça Eleitoral considerou ao manter a cassação dos citados.

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Com relatoria do desembargador Luciano Nunes Maia Freire, o Pleno do TRE-CE decidiu, por unanimidade, manter na íntegra a sentença da primeira instância, do juiz Magno Gomes de Oliveira, da 54ª Zona Eleitoral, que cassou os mandatos, determinou a inelegibilidade por oito anos de ambos e a realização de nova eleição no município. Ainda cabe recurso à defesa de Braguinha.

No voto, o relator citou informações do delegado Marcos Aurélio Elias de França, segundo o qual houve ameaças a cabos eleitorais de Tomás Figueiredo (MDB), adversário de Braguinha no último pleito. A Corte decidiu sobre recurso em face de sentença que julgou procedente uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).

Braguinha e Gardel Padeiro são alvos de pedido de cassação pelo MPE por abuso de poder político e econômico ao, supostamente, se envolverem com integrantes de uma facção criminosa com o objetivo de influenciar o voto dos eleitores e violar a normalidade e legitimidade do último pleito em Santa Quitéria.

No julgamento, durante a relatoria, houve também menção a Daniel Claudino, conhecido como DA30, que teria sido enviado do Rio de Janeiro por facção criminosa. Em delação premiada, ele informou as duas missões que tinha no Ceará: tumultuar a campanha de Tomás e "tomar" o município de Varjota da facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Pelo trabalho, DA30 receberia "300 e poucos mil" reais.

Petição do MPE trouxe acusações:

  • Ocorrência de pichações com veiculação de ameaças contra eleitores de Tomás Figueiredo
  • Ameaças a eleitores de Tomás Figueiredo por meio de mensagens e ligações;
  • Esvaziamento de atos de campanha do candidato adversário, por meio de ameaças de agressões físicas, danos a veículos, residências e estabelecimentos comerciais de seus apoiadores;
  • Ligação com ameaça de incendiar o Cartório Eleitoral da 54ª Zona e ofensa a servidores;
  • Descoberta de mensagens em que faccionados do Comando Vermelho orientavam os executores das pichações para que omitissem o nome do candidato Braga;
  • Ocorrência de compra de veículo de luxo em Fortaleza, e posterior transporte até o Rio de Janeiro, para ser entregue na Favela da Rocinha ao criminoso conhecido como "Paulinho Maluco".

Como a facção teria agido

Pichações e ameaças para intimidar eleitores

Criminosos realizaram pichações com ameaças diretas a eleitores e apoiadores de Tomás Figueiredo, o candidato adversário de Braga, em muros e imóveis da cidade. As ameaças explícitas contra eleitores do candidato adversário foram constatadas a partir de meados de agosto de 2024.

Os conteúdos das pichações foram diversos e incluíam ameaças de destruição de veículos que tivessem adesivos do candidato opositor e de atentados contra estabelecimentos comerciais que abrigassem eventos de campanha de Tomás Figueiredo.

Frases recorrentes nas pichações:

  • "Se apoia o Tomás vai entrar no problema com a tropa do Paulinho Maluco";
  • "Fora Tomás 15. VCV";
  • "Sair nois vem e bota fogo em tudo";
  • "Vai entrar no problema. Fora Tomás";
  • "Quem apoia o Tomás vai arruma problema com a tropa vai entrar na bala. Ass. Paulinho Maluco";
  • "Quem apoia o Tomás vai entrar no problema com a tropa";
  • "Bala no 15”.

Também foram emitidas "ordens de expulsão" de eleitores que apoiassem Tomás Figueiredo. Testemunhas relataram que eleitores recebiam ordens de desocupação de residências sob ameaça de "bala na cara".

Ameaças à Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral do Município foi alvo direto, em diversas esferas. O próprio cartório eleitoral de Santa Quitéria recebeu ligações anônimas ameaçando ataques ao prédio e assassinato de servidores caso não "cessassem as decisões contrárias ao Comando Vermelho".

Conforme informações expostas na sessão de julgamento, o chefe de cartório da 54ª Zona relatou em depoimento que, em meados de agosto, diversos eleitores ligaram para o órgão informando ameaças por meio de ligações anônimas de indivíduos que diziam ser integrantes da facção criminosa CV, com a ordem de que não votassem no candidato Tomás Figueiredo, sob penalidade de serem expulsos da cidade.

Em 18 de setembro de 2024, o próprio cartório foi alvo de uma ligação telefônica anônima, atendida por uma funcionária do local. A servidora teria escutado a ameaça de que o cartório seria atacado e os servidores assassinados, caso não parassem com as decisões contra "os irmãos" (faccionados).

Ocorreu uma segunda ligação telefônica, também anônima, na qual o criminoso desafiava um servidor a "botar a cara na rua". Após um evento de Tomás Figueiredo durante a campanha eleitoral, em 28 de setembro, as intimidações se intensificaram.

Extraiu-se de relatórios da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), que realizou exames periciais nos telefones apreendidos, capturas de tela de conversas entre integrantes da facção contendo ordens de expulsão a eleitores que se manifestassem nas redes sociais em prol da candidatura de Tomás.

O delegado Francisco José Martins da Silva esteve na região e disse que as pessoas “não queriam dar nenhum depoimento, muito receosos, estava um clima com muito receio devido às ameaças”.

“Naquela primeira abordagem, a gente circulou nos bairros. Eram três bairros que tinham a incidência maior dessas pichações: Flores, Pereiros, e um outro lá. Tinha essa tensão de alguns eleitores recebendo ameaças por telefone”, depôs o delegado.

Também houve ordens para destruir veículos com adesivos do candidato adversário de Braguinha, bem como a prática de atentados contra estabelecimentos comerciais que abrigassem eleitores durante os eventos de campanha de Tomás Figueiredo.

No diálogo da conversa do traficante DA30, outras ordens estavam estabelecidas, bem como a interferência no pleito:

  • Eliminar rivais em Varjota, para que o Comando Vermelho assumisse o controle do tráfico;
  • Aquisição de armas e munições necessários às ações de confronto;
  • Coação e intimidação de eleitores de Santa Quitéria;
  • Ocultação do favorecimento à campanha de José Braga Barrozo;
  • Compra de votos em favor da então candidata a vereadora Kylvia Lima.

Interferência na campanha do adversário

Relatos indicam que os eventos de Tomás Figueiredo não se realizavam devido ao medo dos eleitores de comparecer, enquanto os de José Braga Barroso ocorriam sem tal impedimento.

O fechamento de boates e de outros estabelecimentos, ordens para depredação de bares que abrissem ou sediassem concentrações políticas de Tomás, além de orientação para agressão física e de expulsão de quem circulasse por Santa Quitéria com camisas do "15" (número do então candidato Tomás), bem como a ordem de disparo de arma de fogo contra apoiadores dessa chapa integraram as ações.

Envio de veículo com quantia em milionária

Entre os apontamentos do MPE, há o destaque para indícios de que integrantes dos quadros da Prefeitura mantinham elo com faccionados. “Chefe de gabinete do prefeito, coordenador da campanha, foi ao Rio de Janeiro, dirigindo um carro para entregar ao traficante”, disse durante julgamento o procurador Samuel Miranda Arruda.

O carro em questão é um Mitsubishi Eclipse, veículo de luxo, que foi entregue a um dos líderes do CV, Anastasio Pereira Paiva, conhecido como “Paulinho Maluco”, na Rocinha, cerca de três meses antes das eleições municipais.

A entrega foi feita em meados de julho de 2024, juntamente com quantia significativa de dinheiro, um montante de R$ 1,2 milhão, por dois funcionários comissionados da Prefeitura de Santa Quitéria e da campanha de José Braga.

O "Paulinho Maluco", que seria um dos líderes do CV, natural de Santa Quitéria, teria sido o responsável por ordenar a viagem de DA30 até o município para coordenar as ações criminosas.

Conforme o Ministério Público Eleitoral, o então prefeito reeleito, à época candidato, anuiu para que dois servidores fossem até o Rio de Janeiro levar o veículo de luxo para o crime organizado, como recompensa e pagamento da ajuda à sua reeleição, o que configuraria o abuso do poder econômico.

Os dois funcionários comissionados da Prefeitura se deslocaram até Fortaleza para receber o automóvel de luxo comprado por R$225.000,00 para depois conduzi-lo por dois dias e entregá-lo dentro da Favela da Rocinha, a um traficante.

Delação de Daniel Claudino, o “DA30”

Após a prisão de Daniel Claudino, o “DA30”, o criminoso colaborou no processo. Em trecho da sentença, há o detalhamento do depoimento de Daniel, que disse que receberia “trezentos e poucos mil reais” nessa função de tumultuar o processo. Na época, “DA30” passou a informação sobre o veículo enviado ao Rio.

Ele deu as características do veículo e disse que tinham sido dois elementos que teriam transportado o automável. “Eu vi o veículo, mas não sou muito de decorar a marca. Era um veículo importado, branco”.

Na ocasião, ele informou o nome de um funcionário, que era o braço direito, o motorista do então prefeito. A partir dessas informações foi possível localizar fotografias do veículo em deslocamento.

Um encontro com esses “dois elementos” que estavam no carro foi marcado na Praça Nelson Mandela (RJ). Daniel estava no Botafogo e encontrou com essas pessoas na praça. O "DA30" saiu em uma moto, subindo a Rocinha, sendo seguido por esses dois elementos no carro.

Ao chegarem na casa do "12", ele mesmo ajudou a desmontar a carenagem, as lanternas traseiras, ajudou a tirar o dinheiro, a contar o dinheiro; esse dinheiro foi entregue na mão do 12 e o carro também ficou lá, sendo utilizado pela esposa do traficante.

Prisão de Braguinha

Braguinha foi reeleito para a Prefeitura de Santa Quitéria nas eleições de 2024, mas teve a prisão preventiva decretada antes de tomar posse. À época, a ação se deu em cumprimento de mandado de prisão preventiva expedido pelo TRE-CE. Além da prisão, também foi decretada ordem de busca e apreensão na casa do prefeito, que foi conduzido para Fortaleza.

Em 5 de janeiro ele foi liberado para cumprir prisão domiciliar por decisão do então presidente do TRE-CE, Raimundo Nonato Silva Santos. Entre as justificativas para substituir a prisão preventiva pela domiciliar, foi utilizado o argumento de "deficiência física (perna amputada) com uso de prótese e cardiopatias". 

Em março deste ano, Braguinha foi liberado da prisão domiciliar. A decisão foi do desembargador eleitoral Luciano Nunes Maia Freire, que considerou o estado de saúde do prefeito. Entretanto, o afastamento das funções foi mantido.

Em seu retorno à Santa Quitéria, José Braga Barrozo foi recepcionado por apoiadores em uma atmosfera de festa. Durante uma entrevista, ele agradeceu o apoio e disse ser “inocente igual a um passarinho que foi preso na gaiola”. Braguinha esteve em prisão domiciliar, em Fortaleza, por 78 dias.

O que diz a defesa de Braguinha

Após decisão do TRE-CE, a defesa de Braga, representada pelo advogado Fernandes Neto, disse receber com “surpresa” a decisão do tribunal. “A defesa é crente, tem a convicção da absolvição do seu cliente, inclusive das nulidades processuais que constam no processo”, afirmou ao O POVO.

“Ao nosso sentido, de fato, foi um processo açodado, onde foi evidenciado o cerceamento de defesa, além da ausência de nexo de causalidade entre a pessoa do meu cliente, o prefeito Braga, e as facções criminosas”, ressaltou Fernandes.

Sobre os próximos passos da defesa, Fernandes respondeu: “Vamos apresentar os recursos cabíveis, esperar a disponibilização do acórdão, para apresentar os recursos cabíveis, que ainda vamos analisar, e iremos analisar qual a melhor proposição recursal possível”.

Ele continua: “E após tentar, porquanto reverter, essa decisão do Tribunal Regional Eleitoral, com todo o respeito que se mantém pela Corte, mas nós discordamos da decisão”.

Julgamento do TRE-CE

Para o relator do caso, o desembargador Luciano Nunes, “não há como se inferir que o resultado da eleição de 2024 correspondeu à vontade espontânea dos eleitores”. Ao que ele descreve como “condutas gravíssimas” ao regime democrático.

Após julgar o recurso na terça-feira, 1°, o TRE-CE rejeitou, por unanimidade, as alegações de:

  • Incompetência do juiz nomeado;
  • intempestividade das alegações finais do Ministério Público Eleitoral;
  • Cerceamento de defesa por ausência de oportunidade de manifestação acerca de documentos e por indeferimento do pedido de oitiva de testemunhas;
  • Perda de chance probatória;
  • Cerceamento de defesa pela dispensa da oitiva de Daniel Claudino Sousa, bem como ofensa à ampla defesa e ao contraditório, em razão do sigilo conferido à parte dos diálogos telemáticos de Daniel Claudino e a boletins de ocorrência não disponibilizados.

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