Bolsonaro admite que discutiu questionar eleição, mas diz que faltou 'apoio' e 'clima'
Em interrogatório no STF, Bolsonaro detalhou bastidores pós-eleição e tentou afastar imagem de líder golpista ao negar intenção de ruptura.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou depoimento nesta terça-feira, 10, no inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Durante a oitiva, Bolsonaro admitiu que participou de reuniões com militares e aliados nas quais foram discutidas possibilidades de contestação do resultado eleitoral, mas afirmou que não houve clima político nem respaldo das Forças Armadas para qualquer ação nesse sentido.
De acordo com o ex-presidente, as conversas giravam em torno de mecanismos previstos na Constituição, como o Estado de Sítio e a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mas nenhuma proposta teria avançado. Ele afirmou que os encontros ocorreram em um contexto de tensão, após sua derrota nas urnas, mas que não houve intenção real de romper com a ordem democrática.
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Bolsonaro alegou que não havia “condições objetivas” para qualquer tipo de intervenção. Chefe do executivo federal entre 2019 e 2022, ele declarou que não contava com apoio de comandantes militares nem com mobilização popular suficiente para justificar uma ação extrema. “Não havia clima, não havia apoio, não havia como”, disse o ex-presidente durante o depoimento.
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O ex-mandatário também procurou afastar-se de documentos que propunham medidas autoritárias, como a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, não teve conhecimento prévio de minutas golpistas e só teria ouvido falar desses textos por meio de terceiros. Ele classificou as acusações como “fantasiosas”.
Usando um jargão clássico nas suas falas, Bolsonaro disse que atuou sempre “dentro das quatro linhas da Constituição” e que não articulou qualquer plano concreto de golpe. Para ele, os encontros no Palácio da Alvorada com militares e assessores tinham como objetivo analisar a situação política e jurídica do país naquele momento, sem ultrapassar os limites legais.
Ao ser questionado sobre as manifestações que pediam intervenção militar após o segundo turno, o ex-presidente afirmou que não incentivou os atos e que seu silêncio nos dias seguintes à eleição foi motivado por recomendações médicas. Ele alegou também ainda que não usou a estrutura do governo para organizar ações contra o processo eleitoral.
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Durante o depoimento, o ex-presidente foi visto com uma cópia da Constituição Federal nas mãos. Em determinado momento, chegou a se preocupar por ter perdido as anotações preparadas por sua defesa, mas logo o material foi encontrado por seus assessores. O clima no início da oitiva foi tenso, mas Bolsonaro manteve cautelosa ao longo da sessão, diferente do comportamento habitual dele.
Apesar de admitir as discussões sobre contestar o resultado das urnas, Bolsonaro negou qualquer intenção de desestabilizar as instituições democráticas. Para os investigadores, no entanto, o ex-presidente teria atuado para mobilizar setores militares e políticos em uma tentativa de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Discussões sobre golpe incluíam minuta e ações fora da legalidade
As investigações conduzidas pela Polícia Federal apontam que, paralelamente às reuniões citadas por Bolsonaro, circulou entre seus aliados um documento que propunha a prisão de autoridades e a reversão do resultado eleitoral. A chamada “minuta do golpe” previa medidas como a decretação de Estado de Defesa e a anulação das eleições.
De acordo com testemunhas, o texto teria sido apresentado em encontros reservados no Palácio da Alvorada e era tratado como uma possível resposta institucional à derrota nas urnas. A ideia era buscar respaldo jurídico para ações excepcionais, que incluiriam a substituição de ministros do Supremo e a convocação de novas eleições.
Embora Bolsonaro tenha negado conhecimento direto sobre a minuta, delações sugerem que ele chegou a revisar o conteúdo. Investigadores também apuram a existência de um plano mais abrangente, que envolveria o uso de estruturas militares e a neutralização de adversários políticos.
A falta de adesão entre os comandos das Forças Armadas, no entanto, teria sido um dos principais fatores para o fracasso da articulação. Generais ouvidos na investigação relataram que, embora houvesse pressão política, não existia disposição para apoiar qualquer iniciativa que ferisse a legalidade constitucional. A resistência institucional impediu que o plano avançasse.