Cena de pedofilia do filme de Danilo Gentili fere o ECA? Entenda

Bolsonaristas defendem violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e retirada imediata do conteúdo dos serviços de streaming. Segundo advogada ouvida pelo O POVO, a legislação não se aplica a produção cinematográfica e cultural

Após cinco anos de seu lançamento, o filme Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017) virou alvo de polêmica nesta semana. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, determinou que a comédia fosse removida dos catálogos das plataformas de streaming no Brasil, por conta de uma cena em que o personagem de Fábio Porchat, o vilão pedófilo Cristiano, pede para ser masturbado por dois adolescentes.

Nas redes sociais, o debate dividiu opiniões, com pessoas defendendo a determinação do Ministério, enquanto outras defendem a obra, classificando a decisão como censura. Além de todos os embates envolvendo bolsonaristas e artistas, a maior dúvida do momento é se o referido filme fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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Nas redes sociais, bolsonaristas defendem que o filme feriu o Art 241-C do ECA e que a suposta violação deveria ser motivo suficiente para a retirada imediata do conteúdo do ar e abertura de investigação de todas as partes envolvidas. Os trechos da legislação amplamente usadas nas redes sociais para defender a tese são:

Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.

Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Segundo a advogada e doutora em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com realização de pesquisa de doutorado internacional na Aix-Marseille Université (França), Tainah Sales, teoricamente, a produção poderia ir contra o Art. 240 do ECA, que proíbe: "Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória".

No entanto, a advogada afirma que tanto outros trechos como este artigo não se aplicam a produção cinematográfica e cultural. "Esse artigo é para situação real em que um pedófilo alicia crianças e adolescentes para prática desses atos pornográficos reais e filmam para divulgar em redes de pornografia. Não é o caso quando se trata de uma produção cultural ou artística em que a criança e adolescente vão sabendo que é uma cena de ficção", afirma. Ou seja, o filme Como se Tornar o Pior Aluno da Escola não fere o ECA. 

Segundo Tainah, nestes casos, ainda existe um procedimento legal específico a ser adotado quando toda criança e adolescente é convidada a participar de uma produção desta natureza. "É preciso de autorização dos pais e inclusive da justiça. Tem um juiz da vara de infância e adolescente que autoriza a participação dessas crianças em filmes dessa natureza", completa.

A polêmica em torno da produção da Netflix, segundo a professora, é classificado como "populismo penal irracional" e sem o devido conhecimento do contexto em que o artigo 240 do ECA está inserido. "Então se cria uma polêmica para falar de algo que não está no contexto adequado. Me parece muito mais que essa polêmica toda foi gerada como uma cortina de fumaça e como subir subterfúgio utilizado por para talvez mascarar uma situação de crise que a gente está passando", ressalta.

Como exemplo, a advogada lembra a existência de outros filmes que tratam de situações consideradas cruéis envolvendo crianças e adolescentes, como é o caso de Tropa de Elite e Cidade de Deus.

"Tem a participação de crianças sujeitas a muita violência, muitas novelas, filmes nacionais e internacionais que envolvem situações que são crimes, mas que nem por isso é considerada apologia ao determinado crime porque é uma produção cultural, uma produção artística que se sabe que é ficção, e caso de criança e adolescente, tem todo o procedimento legal além da autorização dos responsáveis, autorização devida do juiz da infância", completa.

Sobre a decisão do Ministério da Justiça de determinar a suspensão do filme Como se Tornar o Pior Aluno da Escola em plataformas de streaming, a jurista diz que, desde 1988, o Ministério da Justiça, que é um órgão do Poder Executivo Federal, não tem competência constitucional ou legal para proibir a exibição de filmes, séries, programas de TV, etc.

"Cabe ao MJ fazer a classificação indicativa das faixas etárias para as quais os programas não se recomendam. É o que está na CF, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Portaria nº 368/2014 do MJ. Nesse caso específico, o MJ já havia feito a classificação em 2017 para 14 anos", disse a advogada. "Além de não ferir o ECA, o filme seguiu a classificação indicativa que foi estabelecida pelo próprio Ministério da Justiça.", lembrou. 

Segundo a Professora de Direito Constitucional e Ciência Política, o mais adequado seria uma análise técnica para reanalisar a classificação indicativa da produção. "Nesse filme específico dessa polêmica, é possível discutir aí quais são os critérios de aferição dessa classificação. Talvez fosse o caso de modificar para 16 ou pra 18 anos. Uma análise técnica dos profissionais da área poderia ser mais assertiva. Porém, o que não pode acontecer é a censura desse tipo de filme ou a criminalização dos produtores ou atores desse filme porque não há que se falar em crime", destacou.

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