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Muito além da vacina: relação China-Brasil vai de apps até roupas, soja e petróleo

A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Ainda assim, tem sido alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro desde as eleições de 2018

O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quarta-feira, 21, a decisão de não comprar a vacina Coronavac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac, contra o coronavírus. Em uma rede social, o mandatário respondeu que o medicamento não seria comprado, diferente do anunciado na terça-feira, 20, pelo ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que havia prometido a compra de 46 milhões de doses da Coronavac.

A recusa de Bolsonaro contra a Coronavac, a despeito da justificativa relacionada à falta de comprovação científica da eficácia da vacina, foi apontada por opositores e governadores de ter motivação ideológica. Em um país com mais de 155 mil mortos pelo coronavírus, a medida soou a muitos como desmesurada.

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O episódio foi apenas o mais recente na tensa relação estabelecida com os chineses desde que Bolsonaro assumiu a presidência e promoveu um alinhamento automático com os Estados Unidos de Donald Trump, em plena guerra fria comercial com o país asiático. Embora o presidente Xi Jinping coloque panos quentes nas bravatas do brasileiro e até tenha recebido Bolsonaro em visita oficial em 2019, o tom da relação entre os dois países está altissonante e já terminou, inclusive, com acusações públicas entre os filhos do presidente e o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming.

Após a repercussão da decisão de Bolsonaro de suspender a compra da vacina anunciada pelo ministro, Wanming respondeu, ainda que indiretamente, às investidas do governo e da base eleitoral bolsonarista, colocando sobre a mesa a fatura da relação comercial sino-brasileiras - a potência asiática é o maior parceiro comercial do Brasil há desde 2009, superando os Estados Unidos.

 

 

Embora o esforço do Palácio do Planalto nessa questão revele o ímpeto governista de confrontar a grande presença chinesa no País e as supostas ameaças que possa representar, a relação brasileira com a China é extensa, complexa e vai além dos esforços de Bolsonaro. Desde que estabelecemos relações diplomáticas com os chineses em 1974, a proximidade entre os países só tem se aprofundado. Confira:

Relação comercial

Durante as eleições de 2018, então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro alertou: "Os chineses não estão comprando no Brasil. Eles estão comprando o Brasil". Ainda assim, desde então, o dinheiro chinês não para de entrar no País. Aliás, desde muito antes: a partir do início desta década, a China superou os Estados Unidos como maior parceiro comercial do Brasil. É o país para qual mais vendemos, e também de quem mais compramos. E a relação é vantajosa para nós: em 2019, exportamos US$ 28 bilhões mais que importamos. Segundo o Comex Stat, portal de dados comércio exterior mantido pelo governo federal, no ano passado o Brasil vendeu mais de US$ 63 bilhões para a China. Os principais produtos: soja, petróleo e derivados, minério de ferros e derivados, correspondendo a 77% das exportações brasileiras.

 

Plantação de milho, sorgo e soja na fazenda Lagoa Vermelha, em Jaguaruana
Plantação de milho, sorgo e soja na fazenda Lagoa Vermelha, em Jaguaruana (Foto: ETHI ARCANJO)

 

Em 2020, de janeiro a setembro, já vendemos US$ 53 bilhões. Na pauta de exportações, o domínio dos mesmos itens. Assim, o agronegócio emerge como o maior beneficiado com a relação comercial Brasil-China. Neste ano, mesmo em meio à pandemia, o setor liderou a geração de empregos, mais de 62 mil vagas abertas, segundo a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O principal setor a contratar foi a agricultura, o item mais vendido foi a soja, o maior comprador foi a China.

Nas importações, a predominância chinesa não é diferente. Compramos US$ 35,3 bilhões em 2019, em 2020, até setembro, já foram mais de US$ 24 bilhões. O que se destaca, no entanto, é a diversidade das importações brasileiras - compramos todo tipo de produtos dos chineses, o que mostra a inserção da produção do país asiático no dia a dia brasileiro.

Os itens mais importados são equipamentos de telecomunicação (e aqui entram não só os smartphones, mas antenas e outros aparelhos utilizados pelas operadoras para nos fornecer sinal), peças mecânicas, embarcações, compostos orgânicos e inorgânicos, máquinas elétricas, adubos, tecidos, inseticidas, e por aí vai. Boa parte das importações, relacionadas a peças e máquinas, vai direto para abastecer a indústria brasileira.

Nas casas, os produtos made in China estão por toda parte: tecidos, roupas (com destaque para os casacos) estojos, malas, bicicletas e até mesmo móveis como sofás e camas. Somente estes itens somaram US$ 1,26 bilhão ano passado. O dado também se explica no e-commerce: a gigante Alibaba, que administra o site Aliexpress (maior plataforma de marketplace do mundo), tem no Brasil o seu quinto maior mercado consumidor. Toda semana, três aviões vindos da China desembarcam aqui com itens diversos comprados pelos brasileiros.

Em 2020, a área da saúde se destacou e entrou para a lista dos 10 tipos de itens mais comprados pelos brasileiros. A despeito da recusa de Bolsonaro em comprar a vacina produzida na China, já adquirimos, de janeiro a setembro, mais de R$ 3 bilhões em medicamentos e produtos farmacêuticos vindos de lá.

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Além disso, nós integramos o Brics, grupo de economias emergentes composto por Brasil Rússia, Índia, China e África da Sul (em inglês, South Africa, por isso o S no final). Além da função política do grupo - de oferecer uma voz alternativa -, economicamente ele tem servido para estreitar laços. Em 2014, foi firmado na Cúpula dos Brics em Fortaleza, no Ceará, a criação do Novo Banco do Desenvolvimento, financiado por estes países para emprestar dinheiro a obras de infraestrutura. A sede é em Xangai, na China.

 

Governo de São Paulo, João Dória, espera iniciar a vacinação de profissionais da saúde em 15 de dezembro.
Governo de São Paulo, João Dória, espera iniciar a vacinação de profissionais da saúde em 15 de dezembro. (Foto: Divulgação)

 

Em 2014, o Banco do Brasil abriu uma sede na mesma cidade. Foi a primeira sede um banco latino-americano na China. Ao longo da última década, os chineses investiram diretamente no Brasil mais de US$ 80 bilhões, entre aquisições, fusões, joint ventures, compra de ações, com picos entre 2010 e 2011, além de 2017. Segundo o embaixador chinês, Yang Wanming, US$ 15 bilhões chegaram de lá para cá somente nos últimos dois anos.

Petróleo

Em 2019, o Brasil realizou a cessão onerosa de campos do pré-sal. Nenhuma das 17 maiores petroleiras do mundo compareceram ao leilão brasileiro. Ficou a cargo da Petrobras e duas empresas chinesas evitar o fiasco, adquirindo os direitos de exploração. As empresas estatais chinesas CNODC e CNOOC tiveram participação minoritária, de 10%, na operação com a Petrobras, que pagou 90% dos R$ 68 bilhões arrecadados pelo governo brasileiro.

O número foi bem abaixo do esperado, de R$ 100 bilhões. Segundo o ministro da Economia Paulo Guedes, foi necessário Bolsonaro apelar aos chineses para ter participação estrangeira. “Ninguém apareceu para o leilão da maior fronteira do mundo de petróleo. O presidente teve que pedir para uma empresa chinesa comparecer e não ficar só a Petrobras no leilão”, afirmou o ministro em audiência pública no Senado.

A disputa do 5G e a presença chinesa

Uma das maiores frentes de combate na guerra fria comercial promovida pelo presidente Donald Trump contra a China, o 5G é o futuro da tecnologia. O estadunidense acusa a chinesa Huawei, a empresa mais avançada no desenvolvimento desta rede,de ser uma ameaça aos sistemas de segurança dos países que utilizarem peças da China, podendo supostamente repassar dados para o regime comunista. E o Brasil está no fogo cruzado.

A Casa Branca faz pressão para que Bolsonaro exclua a Huawei da rede 5G, mas as operadoras são contrárias - a empresa é a maior fornecedora de peças para as empresas de telecomunicações brasileiras. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o presidente da Huawei no Brasil, Sun Baocheng, afirmou que a Huawei está presente entre 40% e 50% do setor de telecomunicações nacional. Além das peças, atua na transmissão em IP [protocolo de internet] e redes de acesso. Está no Brasil há 22 anos e participou da implementação do 2G, do 3G e do 4G.

O veto dos chineses no desenvolvimento do 5G brasileiro representaria um gasto enorme para as operadoras brasileiras que não poderia reaproveitar peças chinesas para as bases da rede, o que, por fim, incidiria no custo do serviço para o consumidor. No Reino Unido, por exemplo, onde a Huawei foi banida do 5G, as teles terão que gastar até R$ 13 bilhões para substituir as peças fornecidas pelos chineses.

 

Entre os 10 apps mais baixados no Brasil no início de 2020, 3 são chineses
Entre os 10 apps mais baixados no Brasil no início de 2020, 3 são chineses (Foto: DENIS CHARLET/AFP)


O mais baixado

Nos apps, a China tem crescido como celeiro de empresas como ByteDance, responsável pelo TikTok, rede social de vídeos que já teve mais de 2 bilhões de downloads. O TikTok foi app mais baixado do Brasil no primeiro trimestre do ano, superando o Whatsapp, Facebook ou Instagram, segundo a consultoria especializada em mercado mobile App Annie.

O TikTok está no topo, mas não é o único chinês entre os mais baixados no Brasil. À lista também se juntam o app Likee, app de filtros para vídeos, em sexto lugar; e o ShareIt, app para envio de arquivos entre telefones, está em oitavo.


Espaço sino-brasileiro

Desde 1988, foi estabelecido o programa Cbers (sigla em inglês para "Satélite de Recursos Terrestres Brasil-China") para construção e lançamento de satélites sino-brasileiros. Ao todo, seis já fora lançados, o último em dezembro de 2019, já durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro, embora o acordo que permitiu sua fabricação e extensão do programa Cbers tenha sido feito em 2013.

 

Políticos brasileiros reagem a decisão de Bolsonaro de não comprar vacina de laboratório chinês:

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