"Lei do silêncio" das facções impede que uso de drogas seja discutido nas escolas, afirma promotor
De acordo com promotor de Justiça, o debate sobre uso de drogas e organizações criminosas não acontece porque os alunos têm medo. Projeto "Fala que Salva", do MPCE, tenta mudar essa realidade
10:01 | Nov. 28, 2025
“Temas como drogas e facções criminosas deixaram de ser discutidos nas escolas por medo de represálias” A afirmação é de um promotor de Justiça sobre os resultados iniciais do Projeto “Fala que Salva”, que visa a prevenção ao uso de drogas e à influência das facções criminosas nas escolas de Fortaleza.
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Em parceria com as Polícias Civil e Militar, o Ministério Público do Ceará (MPCE) visita escolas — localizadas em áreas da Capital com altos índices de violência e homicídios — para realizar palestras com adolescentes.
A partir da identificação de escolas com registros de violência armada, entre setembro de 2024 e setembro de 2025, os órgãos definiram 20 escolas prioritárias, com foco em turmas do 8º e 9º ano.
O promotor prefere não divulgar os bairros e os nomes das unidades de ensino para evitar que sejam estigmatizados. O nome do profissional também não consta nessa reportagem por motivos de segurança.
Dentre as 20 escolas, 11 compõem a primeira fase do projeto “Fala que Salva” e sete já receberam ações. As demais devem ser atendidas até 12 de dezembro, de acordo com o promotor.
O projeto será executado até novembro de 2026, com expansão progressiva para diferentes territórios.
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A iniciativa, segundo o promotor, foi motivada pelo relato de professores de escolas públicas em bairros vulneráveis, que se sentiram impedidos de abordar temas como drogas e organizações criminosas devido à “lei do silêncio” imposta pelas facções, que pode ameaçar suas vidas.
“Nas escolas públicas, sobretudo em territórios mais vulneráveis, assuntos sobre drogas e facções criminosas não são mais falados pelos professores, no sentido de orientar e prevenir os alunos. Há a lei do silêncio imposta pelas facções criminosas nesses ambientes escolares”, afirma.
Ele esclarece ainda que o medo de tocar nesses assuntos se intensificou após o assassinato de Geraldo Tapeba, diretor da Escola Índigena Narcísio Ferreira Matos, em Caucaia.
O diretor escolar foi morto, de acordo com o promotor, por disparo de arma de fogo no dia 4 de março de 2024 por proibir o uso e o comércio de drogas na unidade de ensino.
Em razão disso, a ação promove visitas e palestras educativas, distribui materiais informativos e divulga canais institucionais de apoio nas unidades de ensino para aproximar estudantes, famílias e equipes pedagógicas.
Objetivos do "Fala que Salva"
Conforme o representante do MPCE, a meta é reduzir a influência de facções criminosas nas escolas, garantir proteção a professores e ampliar o acesso dos estudantes a informações seguras.
“Às vezes, o jovem no contexto de um bairro dominado por facção criminosa, se sente pressionado a aderir à facção. Mas na escola, ele escuta uma palestra, se sente legitimado e pensa ‘eu não sou obrigado a aderir’. Existem outros caminhos diversos da venda de drogas e das facções”, comenta.
O promotor explica que a ação, embora seja considerada básica, é relevante para oferecer referências positivas e reocupar os espaços escolares que estão sendo dominados pela influência de organizações criminosas.
“Apesar de ser uma visita pontual, ela é bem impactante e a gente acredita que colhe bons frutos, porque depois de uma visita os professores relatam: ‘olha, a turma ficou diferente, estão questionando mais, a turma entendeu o recado.’ Então sabemos que o resultado é positivo”, acrescenta.
Para garantir a continuidade da ação, a expectativa do projeto é fortalecer políticas de prevenção como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência.
Nesse sentido, o promotor defende que “a prevenção é mais eficiente e mais barata do que a repressão”.
“Santa Catarina, por exemplo, é o estado com menor índice de violência no Brasil. E o maior braço da Polícia Militar de Santa Catarina não é o Raio, não é BP (Batalhão de Polícia), não é o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), é o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), que são instrutores nas escolas esclarecendo cidadania e drogas”, comunica.