Fortalezenses registram e se despedem do Edifício São Pedro por meio da arte

Moradores utilizam desenhos e fotografias para preservar a memória do prédio e lamentam a falta de medidas reparatórias ao longo dos anos

Na última segunda-feira, 4, a prefeitura de Fortaleza anunciou a demolição do Edifício São Pedro, reconhecido prédio localizado na orla da Praia de Iracema. Com os primeiros trabalhos de limpeza no local iniciados logo no dia seguinte, a expectativa é que a demolição seja concluída em um prazo de 90 dias.

Enquanto a demolição se aproxima, alguns moradores de Fortaleza utilizam de registros visuais e artísticos do Edifício São Pedro como forma de preservar a memória.

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Na manhã ensolarada deste sábado, 9, cerca de 30 pessoas estiveram nos arredores do prédio fazendo desenhos e pinturas, além de fotografando o edifício.

Entre os jovens, adultos e idosos havia um consenso: a lástima por um prédio icônico que se vai e a indignação por medidas reparatórias não terem sido executadas no decorrer dos anos.

Desde a autorização para a demolição do Edifício São Pedro, o cenário ainda permanece notavelmente inalterado. Os tapumes amarelos, colocados dias antes da ordem de serviço, ainda circundam a área.

Do lado de fora, é possível ver uma retroescavadeira, mas a estrutura em si ainda segue de pé como registro da passagem do tempo na orla de Iracema. 

Sentado em um banquinho à sombra dos comércios na rua dos Tabajaras, há poucos metros do Edifício São Pedro, estava Lucas Forte. O arquiteto de formação, 31, é um dos organizadores do grupo Urban Sketchers (USK) Fortaleza.

O movimento foi criado em 2007 em Seattle e, atualmente, é realizado no mundo todo reunindo artistas e entusiastas que praticam o desenho em diversas locações, principalmente, nas cidades.

Lucas conta que, neste mês, um encontro do coletivo já estava marcado para ocorrer no bairro Cidade 2000. Contudo, de forma excepcional, um encontro extra foi encaixado na programação do coletivo como forma de homenagear e se despedir do prédio considerado por muitos um ícone da arquitetura de Fortaleza.

Em frente a um cavalete e traçando as primeiras linhas de seu desenho do edifício, Lucas explica que os desenhos serão registros para o futuro do que um dia foi o prédio de quase sete décadas.

“Nós gostamos de desenhar e gostamos da arte. Podem integrar o grupo qualquer pessoa, independente da técnica ou do tempo que desenha. Nós dizemos que o desenho é o nosso objetivo principal, mas que é só uma desculpa para nos reunirmos”, ele diz.

O organizador expõe que, atualmente, a maioria dos integrantes do USK Fortaleza são arquitetos.

“Acho que por isso acabamos tendo um envolvimento um pouco maior com o prédio. Para nós, é uma infelicidade o que vemos hoje já que é de algumas décadas que o prédio vem se deteriorando e nada foi feito para reverter a situação”, comenta o também professor.

Para ele, o Edifício São Pedro, além de ser um importante equipamento arquitetônico, também conta a história de Fortaleza.

“Esse foi um dos primeiros prédios da nossa cidade. Infelizmente, chegou a um ponto em que a demolição se tornou necessária para evitar possíveis tragédias. Mas o fim dele, que poderia ter sido evitado com boa vontade e antecedência, representa que a gente vai cada vez mais perdendo a identidade. Espero que, no futuro, aqui se torne um local que os fortalezenses possam se reunir e que transborde cultura”, conclui o arquiteto.

Domingos Linheiro foi professor universitário por 20 anos lecionando arquitetura e, por mais de 50 anos, se dedicou à área. Também desenhando a vista para o Edifício São Pedro, muitos dos que estavam ali já foram seus alunos um dia.

Surpreendendo a equipe de reportagem, o professor relata que, há cerca de uma década, chegou a participar de um projeto de revitalização do prédio.

“Na época, um investidor português ligado à área hoteleira propôs uma revitalização, o que me deu certa esperança. Naquele momento ainda era possível recuperar, tinha algumas poucas famílias morando, inclusive. Mas ele sempre foi complicado, inclusive em questão de acessibilidade. Eles têm níveis irregulares, entre a frente e atrás, muitas escadas e cerca de oito caixas d’águas que causavam infiltração”, detalha Linheiro.

O arquiteto experiente é natural do estado da Bahia e há 45 anos mora no Ceará. Ele conta que, por exigir grande esforço financeiro e desinteresse posterior, o projeto foi cancelado. “Depois disso, os anos foram passando e chegou a um estado de degradação que ficou quase impossível de recuperar”, pontuou.

Domingos Linheiro pontua a importância de, agora, fazer a prática de registros visuais do prédio. “Daqui há alguns meses o São Pedro não existirá mais e só vão restar os fogos e os desenhos. Cada um na sua perspectiva, alguns sem muita qualidade técnica, mas ainda será documental”, concluiu o antigo docente.

Além das ilustrações, o registro instantâneo também esteve presente pelas lentes de Fernanda Cruz, 50. Amante da fotografia, como ela mesma gosta de se definir, a psicóloga decidiu por conta própria ir ao local e documentar por meio de fotos os últimos dias da edificação.

“É um gesto até melancólico, vir aqui e tentar resguardar um pouco a memória da cidade que está sendo perdida”, relatou a espectadora.

A indignação pela demolição do Edifício São Pedro também resultou na organização de uma manifestação nos arredores do prédio. Marcada para ocorrer na manhã do sábado, 6, o protesto, contudo, não foi executado.

Policiais da Guarda Municipal de Fortaleza que atuavam na segurança do local, inclusive, declararam que não ocorreu nenhuma ação de manifestantes no local durante a manhã.

O cancelamento da manifestação ocorreu no dia seguinte em que a Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) ingressou com mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) pedindo a suspensão da demolição do Edifício São Pedro, em Fortaleza.

A suspensão seria até o julgamento dos recursos impostos pelo Ministério Público do Estado (MPCE) em Ação Civil Pública (ACP) de 2018.

Também no local, a equipe do O POVO observou que os trabalhos de demolição no local não estavam em andamento. Em contato com a Secretaria de Infraestrutura do município, questionou-se se os trabalhos foram interrompidos em decorrência do pedido de suspensão da PGJ ou outra questão.

A matéria será atualizada assim que obter uma resposta.

Apesar da reprovação de muitos, a demolição do São Pedro também é vista com bons olhos por uma parcela da população. Atuando em uma pousada vizinho ao prédio, Aldeni Sampaio conta que, com a interdição do local, a expectativa é que a segurança e vivência no local melhorem.

“Mesmo em condições precárias, pessoas invadiam para fazer coisas erradas e tínhamos até medo de ficar por aqui. Além disso, muitos deixavam lixo e tinha muito rato. Isso é algo que há muito tempo convivemos e espero que agora melhore”, opinou a funcionária e moradora da Praia de Iracema.

 

 

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