Cearense trans vence ação judicial contra plano de saúde que se negou a realizar mastectomia

Paciente também deve receber uma indenização de ao menos R$ 5 mil reais por danos morais. Cirurgia deve ser realizada em maio deste ano

No Brasil, os Planos de Saúde são obrigados a realizarem procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual. A decisão foi instaurada em 5 dezembro de 2023 pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Contudo, diversas pessoas trans ainda perpassam por desafios para ter esse direito assegurado. No próximo mês de maio, após uma longa batalha judicial com o plano de saúde Unimed, um cearense finalmente poderá realizar uma mastectomia.

O Ministério da Saúde assegura os procedimentos de redesignação de gênero por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a publicação da Portaria Nº 457, de agosto de 2008. Contudo, os procedimentos começaram a ser realizados desde 2010 em mulheres trans. Para homens trans é feito desde 2019.

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Na rede privada, contudo, usuários de planos de saúde ainda eram privados de realizar os procedimentos. “Muitas vezes, pessoas que eram usuárias de planos de saúde recebiam a negativa da realização das cirurgias. Isso porque as operadores alegavam que se tratavam de procedimentos estéticos”, explica a defensora pública Mariana Lobo.

De acordo com o relatado pela Defensoria Pública, a não realização da cirurgia pode, em muitos casos, ocasionar grande desconforto, infelicidade, agressividade e depressão. Além disso, pode afetar diretamente o bem estar e convívio do indivíduo transexual, gerando consequências negativas para o seu estado psíquico. “Não se trata de uma questão estética. É questão de trazer dignidade e saúde”, afirma Mariana Lobo.

Sendo uma ação inconstitucional, a Defensoria Pública do Estado do Ceará atua em casos registrados no Estado em que pessoas transexuais têm seus direitos negados. Um exemplo foi o registrado com o músico Tarcísio Ferreira Brito, 27, que desde 2021 recorre na Justiça para conseguir realizar o procedimento de cirurgia mastectomia bilateral com reconstrução mamária pelo plano Unimed Fortaleza.

Tarcísio conta que se descobriu como um homem transexual desde os sete anos de idade. “Na época, eu não tinha muita consciência do que era aquilo. Eu chegava para meus coleguinhas e dizia que era um menino. Conforme eu fui crescendo e vendo que eu não estava me tornando fisicamente eu, fui ficando cada vez mais angustiado”, relata.

Quando fez 22 anos, Tarcísio se afirmou como uma pessoa transexual e, poucos meses depois, passou a fazer terapia com hormônios para transição de gênero. Entre obstáculos com um profissional transfóbico, ele finalmente conseguiu um tratamento hormonal especializado com um outro endocrinologista, que já o acompanha há 5 anos.

Sendo também acompanhado por um psiquiatra e também por um cirurgião, Tarcísio recebeu os avais necessários para realizar a mastectomia. “Meu médico, que é credenciado, autorizou a solicitação da cirurgia. Contudo, quando fui na Unimed, eles negaram o procedimento afirmando que só fariam a reconstrução após um câncer de mama”, explica.

Com o apoio de sua família, Tarcísio não aceitou a decisão da Unimed e, novamente, tentou junto à empresa realizar o procedimento. Na época, a Unimed teria reconhecido o direito à cirurgia de retirada das mamas referente à afirmação da identidade de gênero. No entanto, seria necessário um parecer técnico de um outro médico assistente.

“Mas esse outro médico disse que era um procedimento estético e, assim, a Unimed disse que faria apenas um procedimento de mastectomia simples, sem a reconstrução mamária. Isso seria terrível, porque sem a reconstrução eles apenas tirariam a gordura dos seios e a pele ficaria solta”, conta.

Em 2021, Tarcísio entrou com um pedido na Defensoria Pública e o órgão judiciou uma ação contra a prestadora. “Quando a Unimed se negou a realizar o procedimento, meu pai foi o primeiro a me incentivar a entrar na Justiça. Ele, minha mãe e meu irmão são um grande apoio”, diz.

Em 2022, após ganhar em primeira instância, Tarcício conseguiu a sentença definitiva que autoriza o procedimento, sem cabimento de recurso pela prestadora. Assim, em maio deste ano, deverá realizar sua mastectomia. “De lá para cá, eu acabei engordando dez quilos decorrentes da ansiedade. Agora, preciso emagrecer um pouco para realizar o procedimento. Mas já perdi três, então acho que vai dar certo!”, conclui.

Além da cirurgia, a Defensoria também ordenou que o paciente receba uma indenização por danos morais de R$ 5 mil.

Procurada pelo O POVO, a Unimed Fortaleza informou "que não pode confirmar dados de processos judiciais e administrativos em respeito à privacidade e ao direito dos seus clientes". A empresa afirmou em nota que "sempre age em conformidade com as normas vigentes e respeita as decisões da Justiça. Além disso, reitera seu compromisso com a saúde e o bem-estar dos beneficiários, assegurando a qualidade dos serviços prestados".

Solicitar cirurgias de redesignação de gênero 

Para realizar um procedimento transexualizador, é preciso ser maior de 21 anos e ter tido acompanhamento clínico e hormonal por, pelo menos, 24 meses. Apesar de ser garantida pelo SUS, as cirurgias não são ofertadas em todos os estados. No caso de mulheres trans, o procedimento é ofertado apenas em oito Unidades da Federação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Sul, Pará e Bahia.

“Primeiro, os pacientes têm que ter a requisição médica, ou seja, o profissional de saúde que o acompanha faz a requisição da cirurgia de redesignação. A partir disso pode-se dar entrada no SUS ou pelo plano”, explica a defensora Mariana Lobo.

Contudo, em casos de planos de saúde, se o procedimento for negado ou somente autorizado caso o solicitante pagar valores adicionais, os indivíduos transexuais podem entrar em contato com a Defensoria Pública. O órgão então acionará o plano para saber os motivos daquela negativa e, se for o caso, judiciar uma ação.

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