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Inspetora conta como surgiu a ideia de homenagear Dandara com nome de via em Fortaleza

Vitória Holanda, inspetora da Polícia Civil do Ceará, era amiga de infância de Dandara e conta que a ideia de renomear rua com nome da travesti é também um protesto contra intolerância

“Foi para humanizar a história de Dandara”, conta a inspetora da Polícia Civil, Vitória Holanda, que idealizou a nomeação de uma rua em homenagem à Dandara dos Santos, travesti brutalmente assassinada em fevereiro de 2017, em Fortaleza. Amiga de infância de Dandara, ela revelou com exclusividade ao O POVO como foi a concepção da homenagem.

A ideia de renomear o quadrante do bairro Bom Jardim, onde o crime ocorreu, com o nome de Dandara Ketteley. Para a policial, é um ato de protesto contra a transfobia e também simbólico para combater as falsas narrativas que, segundo ela, tentam manchar a imagem da travesti como forma de minimizar a brutalidade do crime sofrido pela amiga.

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“Quando uma travesti é assassinada no Brasil, a gente mata ela duas vezes, uma em matéria e outra em alma”, comentou a inspetora sobre os boatos que tentam ligar Dandara ao tráfico de drogas e de integrar facções criminosas na região do grande Bom Jardim.

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“Foi para combater esse pensamento preconceituoso, mentiroso e agressivo das pessoas quando falam da Dandara”, frisou Vitória, que também escreveu o livro “Casulo Dandara”, onde conta a história da amiga, enquanto pessoa, com problemas, sonhos e desejos. A história acompanha Dandara desde a infância até ter a vida interrompida pela transfobia.

Rua Dandara Ketteley: a primeira do CE a receber o nome de uma travesti

 

Demorou um ano e meio para que a ideia de Vitória virasse realidade, mas a data não poderia ser mais apropriada. Dandara completa 46 anos no dia 13 de dezembro, quatro dias após ganhar rua em seu nome. O processo foi mais longo do que o esperado, mas ainda assim o caminho mais breve.

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“Quando eu escrevi o livro, já tinha isso em mente. Que era preciso termos algo simbólico aqui, homenageando Dandara, simbolizando a não violência. Que mulheres trans, travestis e LGBTS são seres humanos, que têm direitos e precisam ser respeitados”, relembrou Vitória. Ela conta que como forma de acelerar o processo, buscou contato com o vereador Ronivaldo Maia (PT), para que ele pudesse protocolar o projeto e solicitar votação na Câmara Municipal.

A rua onde Dandara foi assassinada no grande Bom Jardim, se chamava Manoel Galdino, porém, conforme Vitória, por se tratar de uma via muito extensa, a alteração iria requerer uma consulta a todos os moradores. Assim, optou-se por mudar apenas a região na qual Dandara foi assassinada.

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Com a alteração, o trecho de quatro quarteirões da rua Manoel Galdino, entre a rua B e a rua Sargento João Pinheiro, passa a se chamar Dandara Kettley. “Me sinto de alma lavada e honrada ao dizer que Dandara se foi, mas deixa um legado de combate à transfobia”, comenta Vitória ao celebrar a mudança.

Para o futuro, a inspetora e amiga de Dandara deseja "conscientização" e espera que os avanços nas garantias dos direitos da população LGBT continuem ocorrendo. “Que as pessoas passem a compreender que LGBTfobia é crime e que nós não vamos mais tolerar o intolerável, que é justamente essa violência absurda”, explicou ao reconhecer a criação da rua Dandara como um marco na luta das pessoas trans.

Quem foi Dandara Kettley dos Santos?

 

"Dandara não é nada do que as pessoas comentam. Dandara é uma pessoa humilde, trabalhadora e acima de tudo humana", assim Vitória comenta sobre as memórias vivas da amiga. "Dandara teve infância, teve amigos, tinha famílias, tinha projetos, sonhos. Era uma pessoa sensível, amante dos animais, vivia adotando gatos de rua, fazia bazar para ajudar a família", comenta a inspetora ao descrever a travesti que foi vítima de transfobia. 

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Para definir Dandara, Vitória não demorou para encontrar as palavras certas, relembrando da infância e adolescência no Conjunto Ceará: "Era uma estrela no bairro, todos a conheciam e gostavam ela". Além do legado de resistência, um histórico de boas ações fortalecem a vida de Dandara: da idosa que ela ajudava com as sacolas pesadas, às crianças que ela buscava na escola como um favor para as amigas.

Fazia até faxina sem cobrar nada na casa das colegas. "Me paguem quando puder", dizia ela, segundo a inspetora. A alma alegre e feliz, que por vezes serviu de colo para Vitória e tantas outras pessoas em um momento de aflição. A inspetora completa, em uma fala acelerada pela emoção: "A mudança no nome da rua é um ato simbólico, é justiça". 

O assassinato de Dandara

 

O crime contra Dandara foi gravado e, 16 dias depois do ocorrido, divulgado nas redes sociais. O ataque de um grupo de 12 homens contra ela teve repercussão nacional e internacional, gerando debates sobre a necessidade da intervenção do Estado diante das estatísticas de assassinatos e demais crimes violentos contra pessoas trans. 

A morte da travesti ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2017, após ela ser brutalmente espancada com socos, chutes, pedradas e pauladas por um grupo de doze homens, incluindo quatro adolescentes. Eles ainda arrastaram o corpo de Dandara pela rua e então realizaram uma série de disparos de arma de fogo contra ela, que constantemente pedia ajuda. Apenas seis envolvidos se tornaram réus do assassinato. 

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O inquérito final da Polícia Civil do Ceará concluiu que o crime teve participação de 12 pessoas, sendo oito adultos, identificados como: Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior, Jean Victor da Silva Oliveira, Rafael Alves da Silva Paiva, Júlio Cesar Braga da Costa, Isaías da Silva Camurça, Jonatha Willyan Sousa da Silva, Francisco Wellington Teles e Francisco Gabriel Campos dos Reis; e quatro adolescentes, que chegaram a ser apreendidos. O último adulto foragido foi preso em fevereiro de 2019. A inspetora Vitória Holanda, amiga de Dandara, participou de todo o processo de investigação e prisão dos acusados.

 

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