Povos do Mar: as histórias das ruas da Vila de Jericoacoara e do terreiro dos Tremembés
No terceiro dia de Encontro Sesc Povos do Mar - circuito Jeri, duas vivências reforçam sentimentos de pertencimento e fortalecem a cultura da região
Você já parou para pensar quem estava ali em Jericoacoara há 100 anos? A Lu Vasconcelos, presidente do conselho comunitário de Jeri, sabe muito bem. É que ela e seus familiares são “nativos” de Jeri. E foi na companhia dela que O POVO começou o terceiro dia do Encontro Sesc Povos do Mar circuito Jeri. Pela manhã, o percurso pela vila contou com um mix de sentimentos e história. O tour começa na casa onde a presidente cresceu com os irmãos, muro com muro com a primeira padaria da vila, a Santo Antônio, que iniciava as suas atividades às 2 horas da manhã, vendendo, a princípio, rosca de goma, e, em seguida, pães com a receita dada por um mineiro. Hoje, a padaria segue sob outra administração e com diferentes receitas.
No percurso, histórias das fachadas, que refletiam o poder aquisitivo das famílias - se fossem de pedra, tinham renda maior, porque eram de origem do serrote; do ofício dos moradores, que iam de parteiras, a professoras e poetas; e o sentimento de orgulho e pertencimento. “Minha avó era uma costureira de mão cheia, fina, de terno. Era a única do Serrote. Não sei como ela aprendeu”, conta, diante de um hotel, mas que antes era terreno da sua avó.
Em Jeri, algumas ruas também têm nome de figuras importantes para a comunidade. Mãe Baica, por exemplo, foi parteira e ainda hoje trabalha como rezadeira. Além do beco, um grafite colorido da figura pública colore Jeri e olha diretamente para Igreja Nossa Senhora de Fátima, a Capela de Pedra da vila.
A tarde foi de celebração para os povos originários. O caminho de areia levou os convidados para uma grande festa não só dos Tremembés, mas de todos os indígenas. No Terreiro Tremembé na Comunidade Córrego do Urubu, Cacique João Venâncio e Amarildo Marques, ambos Tremembé, acolheram os mais de 40 representantes de 14 povos e movimentos indígenas do Estado. O anfitrião Amarildo declarou-se honrado por estar recebendo todos para conhecer seu terreiro. Cacique João Venâncio complementou a fala de Marques dizendo: “Desejo força às aldeias, crianças, anciãos. Nem os órgãos competentes aos povos originários fazem isso que o Sesc fez.”
As falas dos demais reforçavam o discurso de preocupação com o meio ambiente e a demarcação territorial, enaltecendo que a luta é por uma única causa: a indígena, independente da etnia e região, por isso a importância da união. “Não esqueça quem você foi e quem você é hoje”, reforça cacique Pequena, do povo Jenipapo-Kanindé.
Entre falas, eles celebravam. Urravam gritos de guerra, entoavam canções tradicionais. Os bebês iam de colo em colo, as crianças corriam e as mais velhinhas, pegavam urucum do pé para retocar a pintura do rosto e do corpo. Às vezes, surgia um café quentinho da cozinha. Disseram, da porta para dentro, que as paredes foram erguidas pelo próprio Amarildo. A arte na parede da cozinha entrega o zelo pelo lar, assim, como as das vigas externas.
Um pouco antes do anoitecer, um novo cenário, em uma mata mais fechada. O casebre de teto baixo é um pequeno altar que recebe poucos, mas de forma intensa. O cheiro de incenso impregna rapidamente o ambiente fechado e os caciques saem para a nova etapa do ritual, ao ar livre.
Uma roda se forma na parte interna do círculo formado por pedras, onde uma fogueira ao centro espera para ser acesa. As canções estão sempre presentes. Alguns indígenas fumam cachimbos, outros tocam instrumentos. Há os que dançam e os que puxam as canções, que falam do passado, da natureza, do dia a dia. A hierarquia é sempre respeitada.
Amarildo acende a fogueira e uma grande festa começa. A lua nova dá um sorriso tímido e anuncia, assim como a vivência proporcionada pelo Encontro Sesc Povos do Mar circuito Jeri, uma nova fase para os povos originários do Ceará.