Histórias cruzam gerações e sonhos no Enem 2025 em Fortaleza

Na entrada da Uece, candidatos com mais de 50 anos de idade, personagens animando os participantes do Exame e apoio familiar no primeiro domingo de prova deste ano

17:22 | Nov. 09, 2025

Por: Estela Félix
Candidatos entram no campus Itaperi da Universidade Estadual do Ceará (Uece) para o primeiro domingo de provas do Enem 2025 (foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)

Na manhã deste domingo, 9, os portões da Universidade Estadual do Ceará (Uece) abriram para o primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025 em Fortaleza.

Desde as primeiras horas, o campus do Itaperi reunia estudantes de diferentes idades e perfis, muitos vindos de bairros como Maraponga, Conjunto Esperança e Parangaba, além de cidades da Região Metropolitana, como Caucaia.

Antes da abertura dos portões as histórias se misturavam com pessoas que aguardavam em grupos ou sozinhas, acompanhadas de amigos e familiares, sentados à sombra das árvores. Havia quem revisasse anotações, quem testasse as canetas e quem apenas observasse o movimento com calma.

Entre abraços de incentivo, orações e nervosismo, as histórias se cruzavam em meio ao calor e à expectativa de quem carrega antigos e novos sonhos. 

Sentada sozinha próximo ao portão principal, Lúcia Maria Arruda Brás, 59, moradora da Maraponga, aguardava com serenidade o início do exame. Esta é sua segunda tentativa no Enem. Ela conta que decidiu seguir o sonho de cursar Fisioterapia após cuidar da mãe, que faleceu no ano passado.

Lúcia contou com o incentivo das filhas, ambas estudantes de Direito, que a ajudaram a revisar conteúdos e a não desistir. Ela destaca que o objetivo é recomeçar os estudos e mudar de vida.

“Estudei; minhas filhas me ensinaram redação. Fiz cursinho do EJA, e a professora dizia: ‘Faz redação todo dia’. Agora gosto de escrever, estou mais empolgada. Eu só quero passar e fazer a diferença na vida das pessoas”.

Entre os muitos que buscavam aliviar a tensão antes do fechamento dos portões, um personagem se destacava. Lucas Justa, 33, vestiu a fantasia de Homem Aranha para motivar os candidatos que chegavam à Uece desde o fim da manhã.

Correndo e brincando com os candidatos, ele arrancava sorrisos e fotos antes da prova. “O Homem Aranha é o meu personagem de infância, então ao longo dos anos passei a ter a oportunidade de me vestir como ele e é como se eu encarnasse de fato o personagem.”

Formado em Engenharia Elétrica e cursando Análise de Sistemas, ele conta que sendo o homem-aranha ele consegue chegar nas pessoas e animá-las, dando o apoio que muitas não recebem em casa. “Tem gente que chega sozinha e nervosa, e às vezes uma palavra faz diferença.”

Já entre as famílias que acompanharam o Enem deste domingo, uma cena chamou atenção. Bilu Holanda, 44, chegou acompanhada do marido, Carlos Petter, 46; do cunhado Pedro Alencar, 46; e dos filhos gêmeos, Carlos Daniel e Pedro Eduardo, ambos de 17 anos.

Com uma cadeira de praia em uma das mãos e o filho mais novo, João Emanuel, 5, na outra, Bilu foi ajudar o esposo, que se recupera de uma lesão no pé. “A cadeira é para ele não ficar muito tempo em pé.”

Do sexteto, apenas Bilu e João Emanuel não estão inscritos no Exame. Ao sair do Campus, ela revelou surpresa ao O POVOos gêmeos fariam a prova lado a lado na mesma sala; o pai e o tio também dividiram sala de provas. Carlos Daniel tenta vaga em Medicina; Pedro Eduardo em Engenharia Elétrica; Carlos em Agronomia e o Pedro em Administração. 

Momentos de fé também fizeram parte das histórias no campus. Ao passar pelo portão da Uece, Cyntia Carvalho, 35, estava com o terço na mão e parou para orar pelo filho, Carlos Eduardo, 17, guiada pela oração do grupo de jovens na entrada.

O primogênito sonha em cursar Ciência da Computação e recebeu as bênçãos da mãe e do irmão caçula, Pietro Davi, 8. “Eu sempre digo a ele que, independentemente do resultado, eu o amo e vou estar torcendo”, contou Cyntia, emocionada.

Entre um abraço e outro, ela relembrou a importância do momento. “Ele (Carlos Eduardo) foi meu primeiro orgulho, e ele (Pietro Davi) é o meu segundo orgulho, que veio após a perda da minha mãe.” 

Do lado de fora, o movimento era observado por Ailton, vendedor ambulante que há anos aproveita os dias de eventos na Uece, incluindo o Enem, para trabalhar nas imediações. Com paciência, ele exibia as garrafas d'água, chocolate, salgadinhos e barrinhas de cereal para os candidatos que ainda não tinham o material completo.

Enquanto o sol subia e o fluxo de estudantes aumentava, Ailton disse que o Enem se tornou um marco no seu calendário. 

Ele confessa que o vestibular não traz muitas vendas na entrada, mas na saída as pessoas buscam um lanche para comer com calma, estejam confiantes ou tristes. “A gente vê o esforço do povo, cada um com seu sonho. É bonito demais.”

O Enem deste ano, distante das cenas de correria e atrasos que marcaram outras edições, foi dominado por histórias de recomeço e afeto, com personagens fantasiados, mães em oração, famílias inteiras estudando e pessoas que decidiram retomar os estudos depois dos 50.