Conheça crimes que mudaram a legislação brasileira
Com um Código Penal que está prestes a completar 85 anos, a legislação brasileira já foi alterada algumas vezes por conta de crimes famosos. Conheça alguns deles e veja mudanças
Criado ainda na época do Estado Novo de Getúlio Vargas em 1940, o Código Penal Brasileiro completa 85 anos em 7 de dezembro deste ano. O número é um recorde, pois nenhum outro Código Penal ficou tanto tempo em vigência no País.
Feito com base nos princípios da legalidade, culpabilidade, proporcionalidade, humanização e valor social da pena, o Código Penal Brasileiro evolui conforme as demandas da sociedade. Já houve mais de 50 alterações desde a promulgação da Constituição de 1988.
Segundo Leonardo Tajaribe Jr., advogado criminalista sócio do escritório Paulo Klein Advogados, também existem pressões ideológicas que buscam reforçar certos posicionamentos, movimentos sociais e compromissos internacionais para impulsionar as reformas, especialmente quando o sistema penal se mostra ineficaz ou desatualizado diante da realidade social constatada.
Essas variações podem acontecer não somente no Código Penal, mas no Código Civil e em outras ferramentas de manutenção legislativa da sociedade brasileira. Na maioria das vezes, surgem para preencher lacunas e brechas de leis anteriores conforme a necessidade perante os casos apresentados.
Ele explica que as alterações legislativas se iniciam quando um projeto de lei (PL) é apresentado no Congresso — seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal.
Em seguida, o PL é discutido em comissões especializadas e relacionadas ao tema do projeto, sendo votado nas duas casas do legislativo até ser encaminhado para sanção ou veto presidencial. “Em temas mais sensíveis, são realizadas audiências públicas e consultas técnicas com juristas notórios”, detalha Tajaribe Jr.
Dentre as mudanças mais recentes, o advogado cita o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), que criou o juiz de garantias; e a Lei Henry Borel (Lei nº 14.344/2022), que ampliou a proteção a crianças vítimas de violência doméstica, prevendo a possibilidade de medidas protetivas.
“Além dessas, há a criação do tipo penal de stalking (perseguição), que exige atos reiterados e comprovadamente destinados a gerar danos físicos ou psicológicos à vítima, e importantes avanços em crimes cibernéticos, considerando a evolução acelerada da realidade digital, o que demanda uma regulação eficaz, especialmente em âmbito criminal”, ressalta.
Questionado sobre a necessidade de ajustes no Código Penal, Tajaribe Jr. explica que “o ideal seria uma reforma ampla, capaz de reorganizar o sistema penal como um todo ao invés de pequenas alterações relativas a fatos isolados”.
Para o advogado, a reforma ampla seria necessária porque “mudanças fragmentadas acabam criando contradições internas e dificultam a aplicação coerente da lei, criando uma verdadeira colcha de retalhos”.
Leia mais
A seguir, confira alguns crimes de repercussão nacional que alteraram a legislação brasileira:
Sequestros de Abílio Diniz e Roberto Medina - Lei de Crimes Hediondos
Uma das primeiras alterações na legislação brasileira após a Constituição de 1988 ocorreu em meio a uma onda de sequestros ocorridos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Dois deles se destacaram como casos emblemáticos por serem com figuras conhecidas, os empresários Abílio Diniz e Roberto Medina.
Em 11 de dezembro de 1989, Abílio Diniz, do grupo Pão de Açúcar, foi sequestrado no caminho para o escritório. Os criminosos pediram 30 milhões de dólares como resgate e foram localizados pela polícia na Zona Sul da capital paulista.
No dia 17 de dezembro, após 36 horas de campana, os sequestradores se renderam e o empresário Abílio Diniz foi libertado.
Roberto Medina, criador do Rock in Rio, foi sequestrado por dez homens na saída de uma agência de publicidade no dia 6 de junho de 1990. Ele passou quinze dias sequestrado e foi liberado mediante pagamento de 2,5 milhões de dólares em 21 de junho.
Um mês depois do sequestro de Roberto Medina, foi publicada a Lei de Crimes Hediondos - Lei n.º 8.072/1990, cujo texto original foi uma tentativa de resposta à violência enfrentada pelo Brasil durante o governo Collor.
A lei em questão classificou como inafiançáveis os crimes de extorsão mediante sequestro, latrocínio e estupro.
Além disso, negou aos condenados por crimes hediondos o benefício de progressão de regime, obrigando-os a cumprir a pena em regime integralmente fechado. Outros crimes equiparados aos crimes hediondos são: tráfico ilícito de entorpecentes, tortura e terrorismo.
Assassinato de Daniella Perez - Lei n.º 8.930/94
No final de 1992, Daniella Perez, filha da autora Glória Perez, foi assassinada pelo colega de elenco Guilherme de Pádua e sua mulher Paula Thomaz.
Devido à popularidade da atriz, o crime provocou comoção nacional, principalmente pela forma como a mãe da vítima se posicionou em busca de justiça.
Tendo em vista que o homicídio estava ausente na Lei de Crimes Hediondos, Glória Perez lançou uma campanha nacional de coleta de assinaturas para um projeto de lei que viabilizasse essa inclusão. Ao todo, foram coletadas mais de 1,3 milhão de assinaturas em três meses.
Dois anos após a morte de Daniella Perez, em 6 de setembro de 1994, o então presidente da República Itamar Franco sancionou a Lei n.º 8.930, que incluiu o homicídio qualificado na lista de crimes hediondos.
Caso Richthofen - Lei do Direito à Herança
Mudança recente na legislação corrigiu um processo burocrático envolvendo a Lei do Direito à Herança. Havia uma lacuna na legislação: a perda desse direito ocorria somente com a entrada de um pedido por indignidade à herança por pessoas com “interesse legítimo” na sucessão.
Com a Lei n.º 12.523/2017, o procedimento passou a ser assegurado via atuação do Ministério Público.
Anteriormente, conforme o artigo 1.814 do Código Civil, quem comete crimes graves contra o autor da herança, como homicídio doloso, pode perder o direito ao ser considerado “herdeiro indigno”.
No entanto, esse mesmo artigo não previa a perda automática, necessitando que outro herdeiro entrasse com uma ação judicial solicitando o reconhecimento da indignidade.
O caso mais famoso de perda do direito à herança dos pais nos últimos anos foi o de Suzane von Richthofen. Ela foi condenada a 39 anos de prisão por participação no assassinato dos pais, em 2002.
A Justiça de São Paulo determinou que o patrimônio da família, calculado em mais de R$ 3 milhões à época do crime, fosse entregue somente a Andreas Albert Von Richthofen, irmão de Suzane.
Maria da Penha e a Lei n.º 11.340/06
A lei n.° 11.349/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada visando coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sua criação se deu após uma intensa luta de Maria da Penha, uma biofarmacêutica cearense, contra Marco Antonio Herredia Viveros, agressor com o qual foi casada.
Em 1983, ela sofreu a primeira tentativa de assassinato quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros alegou que o casal tinha sido atacado por assaltantes. Por sequelas do ataque, Maria da Penha ficou paraplégica.
A segunda tentativa aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro. O casal tinha três filhas com idades entre 2 e 6 anos.
O Ministério Público recebeu a denúncia no ano seguinte, mas o primeiro julgamento só ocorreu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado novamente e condenado a dez anos de reclusão, mas recorreu.
Maria da Penha enviou o caso para a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveros só foi preso em 2002 para cumprir dois anos de prisão.
A Lei Maria da Penha foi aprovada em 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora já fosse popularmente conhecida por esse nome, somente em 2025 foi oficialmente sancionada com ele pela Lei n.º 15.212.