Terapia celular contra câncer: entenda tratamento em teste no SUS

Terapia Celular CAR-T é disponibilizada na rede particular, mas valor ultrapassa R$ 2 milhões; estudo de instituições públicas quer levar tratamento ao SUS

Um resultado quase inacreditável de câncer em remissão viralizou nas redes sociais recentemente. Prestes a entrar em cuidados paliativos - quando a equipe médica deixa de buscar a alta, e passa a priorizar o bem estar do paciente em estágio terminal -, o publicitário e escritor Paulo Peregrino se submeteu a uma terapia que eliminou os tumores em apenas um mês.

Peregrino compartilhou a conquista em uma publicação no Instagram no final de abril, mas as imagens começaram a ser compartilhadas mais frequentemente nos últimos dias. Feitos com um mês e meio de diferença, os exames mostram cenários totalmente distintos, graças à chamada Terapia Celular CAR-T.

A técnica não é totalmente nova, já estando disponível em clínicas privadas de alta especialização. O caso de Paulo, no entanto, se destaca por um motivo: ele foi um dos 14 pacientes a receber o tratamento em um estudo da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto. A terapia celular que fez o câncer ir de quase terminal à remissão em um mês foi feita inteiramente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

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O que é a Terapia Celular CAR-T

A técnica da CAR-T consiste em usar células do próprio paciente no combate ao câncer. Os médicos coletam os chamados linfócitos T, fazem modificações nestes glóbulos brancos para que eles "mirem" em tumores, e, por fim, os devolvem ao sistema imunológico do paciente.

Os mecanismos de defesa do corpo são altamente especializados - é por isso, por exemplo, que vacinas funcionam para evitar diversas doenças, imitando os microorganismos para que o sistema imunológico já saiba a "receita" dos anticorpos caso o invasor real contamine o paciente. A Terapia Celular CAR-T se aproveita desta característica.

A ideia é simples: os linfócitos T detectam certos componentes orgânicos específicos de cada microorganismo. Deste modo, eles sabem diferenciar, por exemplo, o vírus da Covid-19 de uma bactéria de pneumonia, e alertam o sistema imunológico para que produza os anticorpos adequados no caso de uma contaminação. Na CAR-T, esses linfócitos são "ensinados" a, em vez de buscar um elemento de um invasor, procurar substâncias que estejam presentes apenas em células cancerígenas.

Com isso, os linfócitos T se tornam verdadeiros "caçadores de câncer". Eles identificam rapidamente os tumores, e o próprio corpo do paciente se encarrega de criar anticorpos adequados à tarefa.

Células CAR-T: como funciona o tratamento?

Como o sistema imunológico perpassa todo o corpo - uma vez que os glóbulos brancos estão presentes no sangue -, a Terapia Celular CAR-T, em teoria, pode atuar desde tumores localizados a casos de câncer em metástase. Mas esta não é a única vantagem da técnica.

A maioria dos tratamentos contra o câncer se baseia no mesmo princípio. Os tumores são aglomerados de células que se reproduzem de maneira descontrolada, e ignoram os mecanismos de "autodestruição" que existem para garantir que o corpo renove sua estrutura com certa frequência, em vez de manter sempre as mesmas células envelhecendo e se tornando mais frágeis.

Por isso, métodos como quimioterapia e radioterapia se direcionam a células que se multiplicam rapidamente. O problema é que algumas estruturas do corpo funcionam justamente com essa reprodução celular acelerada. Os pelos são um exemplo evidente, e é por isso que pacientes se tratando contra um câncer passam por queda de cabelo.

No caso da Terapia Celular CAR-T, este problema não acontecem. Como os linfócitos T buscam apenas os componentes específicos das células cancerígenas, o sistema imunológico ataca somente os tumores, sem agredir as partes saudáveis do corpo.

Vantagens da Terapia Celular CAR-T

Técnicas experimentais com células para combater o câncer existem há anos. O exemplo mais conhecido é o tratamento com células-tronco, em específico o transplante de medula óssea para casos de leucemia.

Um dos problemas, nestes casos, é a dificuldade de se conseguir estas células. No exemplo da leucemia, a colheita da medula óssea é um procedimento doloroso, ao qual poucas pessoas se dispõem.

Além disso, é necessário encontrar doadores compatíveis com o paciente. No caso da Terapia Celular CAR-T, ambos os problemas não existem. Embora a colheita dos linfócitos T siga sendo feita na medula óssea, os procedimentos nesta parte do corpo fazem parte do tratamento para linfomas e leucemias. E, como as células usadas são da própria pessoa, o risco de rejeição é extremamente baixo.

Terapia Celular CAR-T: limitações

Isto não significa, no entanto, que o tratamento do câncer com linfócitos T não tenha limitações. Ainda que já seja aplicada em diversos locais do mundo, a terapia celular contra tumores é uma técnica extremamente nova, e mais pesquisas são necessárias para aprimorar sua eficácia e eficiência.

Uma das questões diz respeito aos tipos de câncer que podem ser tratados. Os resultados mais impressionantes da Terapia Celular CAR-T acontecem com os tumores chamados de "não sólidos". As leucemias, por exemplo, atingem a medula óssea, um órgão cuja consistência é pastosa, e o formato é limitado pelos ossos dentro dos quais ela se localiza.

Tumores sólidos, que são grandes massas de células, permanecem como barreiras mais difíceis para a Terapia Celular CAR-T. Os linfócitos modificados não conseguem penetrar no câncer, neste caso, gerando resultados muito mais limitados.

Outro problema é o prazo: após a colheita dos linfócitos T, eles precisam ser modificados, um processo que demanda tempo, precisa de profissionais com alta qualificação e equipamentos extremamente especializados. No estágio atual das pesquisas, não há como acelerar esta etapa. Pelos mesmos motivos, o valor dos tratamentos segue na casa dos milhões de reais.

Há também a questão de que cada câncer precisa de modificações diferentes nos linfócitos. Os pesquisadores precisam encontrar, nos diversos tipos de tumores, as "assinaturas" químicas, componentes orgânicos que estejam presentes apenas naquela categoria de células, sob o risco de o tratamento acabar fazendo com que o sistema imunológico ataque partes saudáveis do paciente.

Por fim, é importante pontuar que não se pode considerar a Terapia Celular CAR-T como uma cura do câncer. Como em qualquer tratamento de tumores, mesmo em remissão, a doença pode retornar, por isso é necessário manter o acompanhamento médico ainda que os exames não mostrem sinais de perigo.

Estado atual da pesquisa com a Terapia Celular CAR-T

Em número de pacientes, os estudos com a Terapia Celular CAR-T ainda são limitados. A terapia começou a ser desenvolvida em 2014, com testes em humanos se iniciando em 2019, com sucesso já à época. Um dos primeiros pacientes a experimentar a técnica, ainda naquele ano, teve remissão total, mas faleceu em um acidente de trânsito alguns meses depois.

Atualmente há 14 pacientes em acompanhamento no projeto da USP. Para o segundo semestre de 2023, a instituição espera abrir vagas para outros 75 candidatos ao tratamento.

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