Presos do Ceará teriam vantagens para não denunciar tortura, diz juiz

Decisão judicial aponta que os internos recebem propostas de atividades que ajudam na remissão das penas em troca de não denunciarem violências. Agressões foram reportadas pelos detentos

Internos da Unidade Prisional Francisco Hélio Viana de Araújo, em Pacatuba, teriam recebido propostas de emprego e atividades que auxiliariam na remissão da pena para não denunciarem policiais penais por tortura. As informações constam em decisão judicial dessa quinta-feira, 6, sobre o afastamento de um dos policiais penais acusados de cometer as agressões. O pedido de providências é da 1ª Vara de Execução Penal, do juiz Raynes Viana de Vasconcelos.

Conforme o documento obtido pelo O POVO, durante inspeção na unidade da Pacatuba, quatro internos relataram supostas práticas de maus-tratos e abusos ocorridas na unidade. Uma delas um disparo de "bomba" no pátio do banho de sol e a prática de agressões físicas e verbais. As inspeção aconteceu em 27 de dezembro de 2022.

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O POVO obteve a decisão judicial com o relato de um dos internos. Ele contou no dia 17 de dezembro os presos foram agredidos e, durante o banho de sol, foram realizados disparos de bala de borracha, além de maus-tratos e tortura.

Outro depoimento de interno afirma que na saída para um curso profissionalizante, após os presos não seguiram o procedimento correto direcionado pelos policiais penais, o chefe do plantão e o sub-chefe ordenaram que eles tomassem café durante o banho de sol. No percurso do banho de sol, cada interno levou chutes, socos e tapas.

De acordo com a decisão judicial, durante a apuração, um policial penal abordou o interno com questionamentos sobre a audiência. Em outro processo envolvendo a mesma unidade prisional, há relato de que o policial ofereceu uma ocupação laboral para que o interno não denunciasse os policiais penais da unidade. Caso falasse algo contrário, o preso "poderia ser prejudicado".

A decisão cita outros processos na unidade da Pacatuba em que os internos relatam a frequente abordagem dos policiais penais, seja para verificar o que foi conversado durante as audiências ou mesmo para que os presos não comentassem sobre as agressões.

As propostas incluem atividades que ajudam na diminuição da pena. "O custodiando (...) citou que o policial penal (...) o chamara para conversar e o separou do outro interno que havia ido para a audiência com ele, tendo recebido proposta de emprego e realização de artesanato para remir sua pena, caso desistisse de dar prosseguimento no processo em epígrafe", conforme o documento.

Propostas para evitar denúncias de tortura em presídio: juiz solicita afastamento de policiais 

O juiz solicitou que um dos policiais penais denunciados seja afastado de forma cautelar das funções no âmbito de unidades prisionais. Além disso, que ele seja mantido em atividades administrativas, sem o contato com os presos até a finalização da aouração da Controladoria Geral de Disciplina (CGD).

De acordo com a decisão, cabe o acompanhamento ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF). Ainda foram enviadas cópias da decisão à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), ao Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) e ao Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência (CRAVV), da Secretaria de Proteção Social do Estado do Ceará (SPS).

"Segundo os relatos apontados, configura, prima facie, atos de coação aos internos no sentido de evitar o sucesso de apurações encetadas em faces de policiais penais lotados naquela unidade, causando temos de que prossiga com retaliações em face desses, além de constituir óbice relevante à atuação desta Corregedoria de Presídios, já dificultada naturalmente pela própria situação de vulnerabilidade em que se encontram os internos e as restrições de meios probatórios eficazes", aponta o juízo. 

O POVO divulgou, no dia 3 de julho, que o judiciário apura 33 casos de tortura nos presídios cearenses entre os anos de 2022 e 2023. As ações são do Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário (GMF), que é ligado ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE).

A direção da CPPL IV, em Itaitinga, foi afastada após denúncias de maus-tratos. A defesa afirma que esse afastamento aconteceu após um motim na unidade. Na ação, os internos tentaram roubar armas dos policiais penais.

O que dizem SAP e CGD sobre a denúncia 

Em nota, a Secretaria Estadual da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP) "nega a suposta prática questionada, reafirma seu compromisso com a dignidade humana com os melhores números nacionais de ressocialização de pessoas privadas de liberdade e reitera que age com transparência e é colaboradora dos órgãos fiscalizadores do sistema prisional cearense". Também procurada, a CGD informou que foi instaurado procedimento disciplinar para devida apuração do fato na seara administrativa. 

 

 


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