Roda de conversa reforça direito das mulheres indígenas sobre violência doméstica

Defensoria Pública informa que, desde 2017, apenas uma ocorrência de atendimento à mulher indígena foi registrada no Núcleo de Enfrentamento à Violência contra à Mulher (Nudem)

Com olhos e ouvidos atentos, mulheres indígenas da comunidade Pitaguary se reuniram na tarde dessa quarta-feira, 9, em uma roda de conversa para ouvir e falar sobre violência doméstica. A Palhoça do povo Pitaguary, localizada no município de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), foi abrigo para que relatos de casos de violência pudessem ser compartilhados e os direitos das mulheres explicados pelas defensoras públicas do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem), da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE).

Jeritza Braga, defensora e supervisora do Nudem Fortaleza, destacou que, desde 2017, apenas uma mulher indígena foi atendida no Núcleo. O dado chama ainda mais atenção devido à vítima ser de origem colombiana e não brasileira.

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Segundo a defensora, a informação, resultado de um levantamento feito pela Assessoria de Relações Institucionais (Arins), foi fundamental para que a Defensoria agisse em levar informações educacionais sobre o tema às comunidades indígenas do Ceará.

“As mulheres só vão conseguir exercer seus direitos a partir do momento que elas sabem quais são os direitos que elas têm. É importante que as mulheres tenham o conhecimento do que é violência e como ela pode fazer para buscar ajuda sem medo”, explica a defensora, que complementa que o desafio é combater a naturalização da violência doméstica nas regiões.

A supervisora do Nudem avaliou a realização da atividade em caráter educativo como “cada vez mais importante” porque muitas mulheres ainda acreditam que a violência só se configura com agressão física. “A gente ouviu vários relatos de mulheres indígenas que sofrem violência doméstica, mas não buscam atendimento porque realmente não conhecem a rede. A gente veio para cá porque sentimos que as mulheres indígenas precisam dessa educação”, disse.

Durante o ciclo educacional, as mulheres receberam orientações pelas defensoras sobre os vários tipos de violência doméstica e familiar, onde buscar ajuda e por que é fundamental denunciar o quanto antes. Também foram detalhados assuntos como a Lei Maria da Penha, que pune agressores e garante os direitos das mulheres vítimas de violência doméstica, funcionamento do Nudem e indicação das redes de proteção às mulheres no Estado.

Olhar mais atento aos casos

Sandra Chaves, 39, integrante da comunidade Pitaguary, reconhece a atividade como um alerta para as demais mulheres da região. Ela pontua que há muitas mulheres que ainda naturalizam a violência doméstica por não saberem a gravidade das situações.

“São mulheres que não podem colocar uma roupa que gostem de usar e que mudam de comportamento a pedido de seus maridos, por exemplo. A mulher precisa dar um passo à frente e dizer que ela tem força de vontade de sair dessa prisão”, comenta.

A indígena relembra uma violência a qual presenciou na comunidade. Na época, por medo de arriscar a própria vida e da vítima, ela não interferiu durante as agressões, mas hoje diz que a força para lutar contra esses casos é fortalecida: “Hoje, eu denuncio o quanto antes”. Após presenciar os casos, Sandra ajuda a conscientizar mulheres da região Pitaguary sobre a violência doméstica por meio de conversas e vídeos publicados nas redes sociais.

A indígena também relembra o caso que marcou a comunidade Pitaguary, a morte da amiga dela Rosiane Dantas da Silva, 27 anos, conhecida popularmente por Diana, em agosto de 2017, vítima de violência doméstica. Diana foi morta pelo marido na época.

O caso levou à criação da Lei Diana Pitaguary, Nº 17.041 de 10 de outubro de 2019, que originou a Semana Diana Pitaguary, que ocorre em toda primeira semana do mês de agosto, em todas as escolas indígenas do Ceará, e faz parte do calendário de eventos do Estado. O objetivo é debater com alunos e alunas o tema da violência contra a mulher, o feminicídio e a importunação sexual.

Para a artesã do povo Pitaguary Maiara Silva Alves, 29, as mulheres saem dessa roda de conversa mais reforçadas e atentas sobre os casos de violência doméstica. Ela destaca que hoje as mulheres têm a capacidade de ter mais “garra, força e de poder lutar pelos seus direitos”. “O nome guerreira não é um nome à toa. Se nos casos do dia a dia a gente ver que um homem está tirando a nossa vida, é claro que vamos lutar”, garante.

De acordo com a defensora pública Lia Felismino, um dos principais pontos esclarecidos durante a atividade foram referentes a quais núcleos da Defensoria Pública as mulheres podem ser atendidas e quais as redes de proteção às mulheres vítimas de violência existem no Ceará, além da Defensoria. Por exemplo, a Casa da Mulher Brasileira do Ceará.

A roda de conversa na comunidade indígena Pitaguary foi a primeira atividade programada pela Defensoria durante o mês de março. O ciclo será composto ainda de três encontros, nos dias 16, 22 e 30 de março, em Fortaleza, nos bairros Parque Santana, Granja Portugal e Conjunto Ceará, respectivamente. Nas atividades, as defensoras irão debater com as mulheres, além da violência doméstica e familiar, as questões territoriais.

O ciclo de atividades também conta com ações gratuitas do Sine IDT (Instituto de Desenvolvimento do Trabalho), o serviço de saúde do Sesc (Serviço Social do Comércio) e o serviço de higiene bucal AME.

Também são disponibilizados para as mulheres unidades móveis da Nudem com atendimento das defensoras públicas com esclarecimentos de dúvidas ao público sobre a temática. As atividades também fazem parte das ações de março, mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.

O POVO procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) nesta quinta-feira, 10, para saber quantas mulheres indígenas registraram ocorrências de violência doméstica de 1º de janeiro a 9 de março de 2022 no Estado. A pasta não retornou com maiores informações até o fechamento desta matéria.

Serviço

Rodas de conversa sobre violência doméstica e familiar

Fortaleza

Quando: 16 de Março (quarta-feira) – Mulheres do Parque Santana
Onde: Rua Cinco, 1490

Quando: 22 de Março (terça-feira) – Mulheres da Granja Portugal
Onde: Rua Nereide, 522

Quando: 30 de Março (quarta-feira) – Mulheres do Conjunto Ceará
Onde: Avenida B, 701, Primeira Etapa

 

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