17 anos de Raio: especialistas falam sobre política de segurança pública que cresce no Estado

Em quase duas décadas, o Raio se ampliou e chegou a cada vez mais cidades cearenses. Números são comemorados pelo Governo, mas também criticados por especialistas, que destacam qualidade das ações

“Por que o Raio de moto? (sic)”, questiona o governador Camilo Santana (PT) na cerimônia de inauguração da 51ª base do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio), no Ceará. O governador usa a pergunta para explicar que a moto permite ao policial raiano uma atuação diferente, que o permite transitar com mais facilidade.

“Geralmente quando um bandido comete um crime, ele usa uma moto ou um carro. Quando os agentes estão em uma viatura, eles não conseguem alcançar o bandido. O Raio, não, ele entra em qualquer beco, e a moto é mais potente do que de qualquer bandido”, informa. 

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FORTALEZA, CE, BRASIL, 26-09-2018: Policia Militar do Ceará, entrega 107 motos de 1000 cilindrada, para  Batalhão do Raio, em solenidade no Aterro da Praia de Iracema. (Foto: Mauri Melo/O POVO).
FORTALEZA, CE, BRASIL, 26-09-2018: Policia Militar do Ceará, entrega 107 motos de 1000 cilindrada, para Batalhão do Raio, em solenidade no Aterro da Praia de Iracema. (Foto: Mauri Melo/O POVO). (Foto: Mauri Melo)

Idealizado em 2004, o grupamento Raio contava com 16 policiais militares que patrulhavam os bairros da Capital cearense em oito motocicletas. Atualmente, o CPRaio possui 2.572 policiais e 51 bases implantadas em Fortaleza, Região Metropolitana e Interior do Ceará. O governo do Ceará idealiza ainda a implantação de mais 18 bases futuras.

No dia da inauguração da 51º base do Raio, Camilo Santana não poupou elogios aos novos equipamentos adquiridos pelos raianos - nome dado aos membros da corporação: “É uma equipe altamente preparada, com o armamento que há de melhor. Nós importamos armamento dos Estados Unidos e da Europa. É o mesmo armamento que a Polícia Federal e o exército americano usam”. 

O comandante do CPRaio, Kilderlan Sousa, informou que esta polícia surgiu como uma proposta para atuar com foco nos crimes sobre duas rodas, praticados por motociclistas. Ele conta que no ano de 2015, o governador resolveu expandir essa política, como forma de reconhecimento de seu sucesso. "O governador Camilo Santana teve uma grande sacada neste tipo de policiamento. Ele percebeu uma demanda do Interior do Estado, e atuou em um processo de expansão dessa política”.

Nesse processo, o Raio foi para cidades com mais de 100 mil habitantes (Juazeiro do Norte, Quixadá e Sobral). No segundo ciclo, o comandante explica que o Raio foi para cidades com mais de 50 mil habitantes (Região metropolitana de Fortaleza) e, no terceiro ciclo, o Raio chega em cidades com 30 mil habitantes, o caso de Guaraciaba do Norte, que recebeu base do Policiamento na segunda-feira, 8. Por fim, o coronel também comemorou os números considerados positivos de atuação das equipes. Com menos de dois meses para acabar o ano, "o Raio já apreendeu 1.765 armas e 597,27 kg de drogas", (Confira o balanço mais estendido no fim da matéria).

Aqui o Raio sempre cai no mesmo lugar

Em relação à percepção da população sobre as práticas de abordagem da Policia do Raio, Marcus Giovani, pesquisador e autor da Dissertação “Aqui o raio sempre cai no mesmo lugar”, diz que estudou a comunidade do Lagamar, em Fortaleza, iniciado sua pesquisa em 2007. "Nesse período, muitos dos moradores possuíam uma representação positiva sobre o Raio. Eles atrelam o Raio a uma polícia violenta, mas uma polícia que resolve, não sucumbe à corrupção e não humilha o cidadão”.

Ele percebeu que, na época, havia uma dicotomia. "Os moradores separavam o Raio da polícia tradicional, naquela época, como se houvesse uma cisão”. Apesar dos resultados considerados positivos no início, o professor estabelece uma crítica a respeito dos números citados e comemorados pelo Estado em relação à atuação do Raio. Para Marcus, apesar dos bons índices quantitativos de prisões e apreensões, o governo quando celebra essa eficiência, só leva em consideração a questão numérica.

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“Existem relatos de invasão de domicílio, torturas e agressões cometidas pelas própria Polícia do Raio, só que esse tipo de coisa não aparece nos dados do governo. O Camilo fez um retorno a uma política de segurança pública hipermilitarizada e ostensiva. Expandiu o Raio e interiorizou esses modelos. A minha hipótese é que o Camilo disputa cabalmente a narrativa de segurança pública com seu opositor, Capitão Wagner”, avalia o pesquisador.

Para o pesquisador, a resolução dessa questão precisa ser resolvida por meio de um investimento robusto em políticas sociais básicas, e em política que reflita índices quantitativos e qualitativos. "Fora isso, deve haver uma constante reciclagem e avaliação da atividade policial, como qualquer atividade pública. A população [no Lagamar] ainda aprova a atuação do Raio, mas não com o mesmo entusiasmo de antes". 

O Raio ao longo dos anos

No ano de 2011, com um efetivo de pouco mais de 200 policiais, a unidade mudou de patamar na estrutura organizacional da Polícia Militar do Ceará, sendo elevada à condição de companhia independente. No ano seguinte, em 2012, devido ao resultado alcançado em atuação, a unidade foi novamente reestruturada, passando a se chamar Batalhão de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas, por força da Lei Estadual nº. 15.133.

Após os dez primeiros anos do Raio, surgiu a intenção por parte do Governo do Ceará, em 2015, de expandir as ações da unidade para todas as nove macrorregiões do Estado. Atualmente, o Raio possui 51 bases implantadas em Fortaleza, Região Metropolitana e Interior do estado. No total, são 2.572 policiais, equipados com 1.663 motocicletas e 89 viaturas. Sobre o futuro do Raio, a expectativa do governo Camilo Santana é expandir o programa. Serão 18 bases futuras para municípios como Paraipaba, Amontada, Bela Cruz, Ipú e Ipueiras são as próximas localidades que terão a instalação do CPRaio.

O Comandante do CPRaio explica que, para compor o Raio, o agente precisa ter no mínimo um ano na operacionalidade na PMCE e se submeter ao processo seletivo de aptidão física, teste de habilidade na motocicleta, investigação social (caso haja processos de encontro aos direitos humanos). Caso apto, ele faz um curso de seis semanas sobre técnicas de pilotagem de alto risco, cidadania, direitos humanos, defesa pessoal e outras diversas disciplinas. Com a conclusão do curso, pode compor o CPRaio.

“A gente tem uma segurança de atuação muito forte e uma doutrina muito sedimentada em relação ao combate à alta criminalidade, mas sem perder os aspectos da cidadania. Precisa haver a interação entre polícia e sociedade. A gente busca não se embrutecer com a criminalidade”, conclui Kilderlan.

Segurança Pública e as facções no Ceará

O professor de Sociologia da UFC, Luiz Fábio Paiva, conta que ver os policiais do Raio circulando pela cidade de uma maneira ostensiva tenta produzir, por meio da atuação, uma repressão do crime. "Esse tipo de ação pressupõe que o policial, por meio da ronda, vai alcançar determinadas ações criminosas. O problema é que determinadas ações acontecem de uma maneira subterrânea. Atividades criminosas, como as relacionadas com facções, se adaptam ao tipo de atuação da policia e às dinâmicas de segurança que são colocadas em curso pelo Estado".

Mesmo com essas ações de investimentos vultosos em segurança pública, como o Raio e o videomonitoramento, Luiz Fábio acredita que o Ceará possui um crescimento considerável de pessoas ligadas a facções. "Em determinados bairros da periferia, nós temos grupos controlando o bairro. Como é que isso se tornou possível em um cenário de expansão de projetos de segurança pública? As facções fizeram isso porque conseguiram se adaptar a esse tipo de projeto de segurança pública, que é circunstancial, situacional".

O professor acredita que o tema está relacionado a um contexto muito maior. Luiz defende a necessidade de políticas que cheguem à subjetividade das pessoas. ”A polícia reage às situações de crime. Foi feito um grande investimento em relação a isso, nesta ideia de repressão, que vai conter o crime. Só que ela não está funcionando, é como se criasse uma barreira, mas para o que eu tenho de demanda, essa barreira, é insuficiente. Os eventos criminais no Ceará transbordam a esse tipo de serviço, eles não dão conta desse volume de ocorrências criminais”.

Confira o balanço de atuações contra o criminal dos últimos dois anos

  • Balanço 2020

Apreensões:

Armas - 1.860
Drogas (KG) - 396 kg
Veículos - 2.034

Tipos de Ocorrência:

Tráfico - 1.688
Roubo - 674
Mandados - 461

  • Balanço 2021(Em andamento)

Apreensões:

Armas - 1.765
Drogas (KG) - 597,27 kg
Veículos - 1.933

Tipo de Ocorrência:

Tráfico - 1.414
Roubo - 624
Mandados - 430

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