Caso Ninho do Urubu: Justiça absolve todos os réus por falta de provas
Sentença assinada considerou inexistente o nexo de culpa dos réus; famílias das vítimas classificam medida como "afronta à memória dos jovens"
Passados quase sete anos desde o incêndio que atingiu o Ninho do Urubu, no Centro de Treinamento do Flamengo, a Justiça do Rio de Janeiro decidiu absorver todos os réus envolvidos no caso onde morreram 10 adolescentes atletas do Flamengo. A decisão foi proferida nesta terça-feira, 21, pela 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital, e assinada pelo juiz Tiago Fernandes de Barros.
Na sentença, o magistrado destacou que não houve provas suficientes de que os acusados tenham agido de forma direta para a ocorrência do incêndio.
Segundo a decisão, nenhum deles criou “risco juridicamente relevante” que justificasse responsabilização criminal apenas pelo cargo que ocupavam, sem comprovação efetiva de ação ou omissão determinante para o resultado.
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Denúncia do Ministério Público e alegações
Em 2021, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou 11 pessoas pelos crimes de “incêndio culposo” qualificado pelos resultados de morte e “lesão grave”. A promotoria alegou descumprimento de normas técnicas, ocultação das reais condições das instalações, falta de manutenção elétrica e ausência de plano de evacuação. No entanto, a decisão ainda permite recurso.
O órgão apontou descumprimento de normas técnicas regulamentares, ocultação das reais condições das construções existentes no local, falta de manutenção adequada das estruturas elétricas que forneciam energia aos contêineres e ausência de plano de socorro e evacuação em caso de incêndio.
Em agosto de 2023, quatro anos após a morte dos adolescentes, a Justiça realizou a primeira audiência de instrução e julgamento do processo criminal.
Ao longo dos anos, alguns réus foram excluídos do caso. Entre eles, o ex-presidente do Flamengo e atual deputado federal Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ), devido à prescrição. A Justiça considerou que o dirigente, hoje com 71 anos, não poderia mais ser punido, o que levou ao encerramento do processo em relação a ele.
MPRJ vai recorrer da decisão que absolveu os réus
Em nota enviado ao O POVO, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) informou que irá recorrer da decisão que absolveu os sete réus do caso Ninho do Urubu. A Promotoria de Justiça junto à 36ª Vara Criminal vai apresentar recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ).
O órgão reiterou que, nas alegações finais apresentadas à Justiça — em um documento de 106 páginas —, demonstrou de forma detalhada, com base em laudos técnicos, documentos oficiais e depoimentos de testemunhas, que o incêndio foi resultado de “falhas estruturais e administrativas amplamente conhecidas e ignoradas pelos responsáveis pela gestão do centro de treinamento do Flamengo”.
Na nota, o Ministério Público reafirma a “consistência técnica” da denúncia apresentada e rejeita interpretações que minimizem a gravidade dos fatos ou a robustez das provas produzidas.
Réus absolvidos na decisão desta terça-feira
Inicialmente, 11 pessoas respondiam pelos crimes. Outros sete foram absolvidos nesta terça-feira, 21, são eles: Antônio Márcio Mongelli Garotti, Marcelo Maia de Sá, Edson Colman da Silva, Cláudia Pereira Rodrigues, Danilo da Silva Duarte, Fábio Hilário da Silva e Weslley Gimenes.
Além de Eduardo Bandeira de Mello, outros três acusados já haviam obtido decisões favoráveis antes da sentença desta semana:
- Luiz Felipe Almeida Pondé, engenheiro contratado para concluir as obras do CT1, vinculado à Diretoria de Patrimônio — a Justiça rejeitou a denúncia do MPRJ;
- Carlos Renato Mamede Noval, diretor da base do Flamengo — a Justiça rejeitou a denúncia do MPRJ;
- Marcus Vinicius Medeiros, monitor noturno do alojamento — absolvido sumariamente, com decisão mantida após recurso.
Relembre o que aconteceu
O incêndio ocorreu na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, no alojamento do Ninho do Urubu, localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O fogo matou dez jovens atletas e deixou três adolescentes com ferimentos graves. Outros dezesseis atletas conseguiram escapar, saindo por uma única porta em meio à fumaça intensa.
Ao todo, 26 jovens estavam no Centro de Treinamento George Helal, nome oficial do Ninho do Urubu. Segundo o laudo pericial, o incêndio começou em um aparelho de ar-condicionado e se espalhou rapidamente devido ao revestimento inflamável dos contêineres onde os garotos dormiam.
Na época, o centro de treinamento não possuía alvará de funcionamento, conforme informou a Prefeitura do Rio.
As vítimas do incêndio foram: Athila Paixão (14 anos), Arthur Vinícius (14), Bernardo Pisetta (14), Christian Esmério (15), Gedson Santos (14), Jorge Eduardo Santos (15), Pablo Henrique (14), Rykelmo de Souza (16), Samuel Thomas Rosa (15) e Vitor Isaías (15).
Outros três jovens — o cearense Dyogo Alves, Jhonata Ventura e Cauan Emanuel — sobreviveram com ferimentos, se recuperaram e continuam ligados ao futebol.
"Afronta”: famílias repudiam decisão
As famílias dos dez jogadores vítimas do incêndio no Ninho do Urubu lamentaram a decisão da 36ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e manifestaram “profundo e irrevogável protesto” contra a absolvição dos sete réus envolvidos no caso.
Em carta publicada pela Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (Afavinu), divulgada nesta quarta-feira, 22, o grupo classificou a medida como “uma grande afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade”.
A entidade ressaltou que os jovens dormiam em contêineres improvisados, sem alvará de funcionamento, com falhas elétricas e janelas gradeadas que dificultavam a fuga durante o incêndio.
“A vida dos nossos filhos tem um valor irreparável e, em memória aos dez garotos inocentes, lutaremos até o fim por uma Justiça efetiva, capaz de inibir novos delitos com sentenças que protejam as vítimas e não os algozes”, diz trecho do comunicado da Afavinu.
A nota encerra com um apelo aos torcedores do Flamengo, pedindo que a paixão pelo clube e pelo futebol também se traduza em compromisso com a vida.
“O verdadeiro espírito esportivo exige empatia, responsabilidade e humanidade. Honrar esses valores é proteger as futuras gerações de atletas e garantir que o futebol continue sendo motivo de alegria — nunca de luto”, conclui o comunicado.
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