Anistia a Bolsonaro enfraqueceria democracia, diz Przeworski
Adam Przeworski, professor da NYU, afirma que condenação inédita de militares e do ex-presidente fortalece instituições no Brasil
21:22 | Set. 28, 2025
O cientista político Adam Przeworski, professor emérito da Universidade de Nova York e citado pelo ministro Luiz Fux durante voto contrário à condenação de Bolsonaro por golpe de estado, classificou como um “desastre” a hipótese de uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que a condenação do ex-presidente e de oficiais militares de alta patente por tentativa de golpe de Estado representa um marco para a democracia brasileira.
Segundo Przeworski, a punição mostra que Bolsonaro não saiu impune e que sua base de apoio para desestabilizar o regime foi desativada. Para ele, a decisão também indica que as Forças Armadas não assumirão papel político.
“O que impressiona no julgamento não é apenas que Bolsonaro foi condenado, mas que oficiais militares de alto escalão também o foram. Isso é inédito no Brasil. E as Forças Armadas estão em silêncio”, disse.
O cientista político defende que uma anistia transmite a mensagem de que crimes contra a democracia poderiam ser cometidos sem consequências. “Encorajaria o próprio Bolsonaro e qualquer outro líder político a tentar isso”, avaliou.
Voto de Fux e controvérsia no STF
Przeworski foi citado no voto do ministro Luiz Fux, único a divergir até agora no julgamento que analisa a responsabilidade de Bolsonaro pela tentativa de golpe. O magistrado votou pela absolvição do ex-presidente e criticou os métodos adotados pelo relator Alexandre de Moraes.
Ao comentar a menção feita por Fux, Przeworski disse não ver sentido na utilização de conceitos da ciência política para justificar a absolvição. “Acadêmicos definiram a democracia de maneiras distintas. Isso justifica as ações de Bolsonaro? Isso implica que ele não tentou um autogolpe?”, questionou.
Ele destacou ainda que sua própria obra poderia ter sido interpretada de forma inversa pelo ministro. “Punir atos antidemocráticos por chefes do Executivo ensina aos outros que seriam punidos por atos semelhantes e, assim, torna tais ações menos prováveis”, observou.
Risco de radicalização
Przeworski alertou que a punição de líderes que tentam golpes pode gerar uma reação de radicalização. Segundo ele, ao perceberem que podem ser punidos, dirigentes tenderiam a adotar medidas mais drásticas para se manter no poder caso fossem bem-sucedidos em uma ruptura institucional.
Ele citou o exemplo de Donald Trump nos Estados Unidos: processado criminalmente, mas não punido, o ex-presidente retornou ao poder e, segundo Przeworski, atua de forma “vingativa” contra a democracia.
Intervenção externa e resposta nacional
Na entrevista, o cientista político também comentou as sanções e restrições impostas pelos Estados Unidos ao Brasil. Para ele, embora as medidas tenham trazido prejuízos, acabaram estimulando uma unidade nacional contra a intervenção estrangeira, em cenário comparado por ele ao da ditadura militar de 1964.
Przeworski avaliou que as ações do atual governo Trump não têm consistência estratégica. “Trump reage por instinto. Fica irritado quando é derrotado, mas logo desiste e passa para outra coisa. Não acho que tenha uma grande estratégia para o Brasil”, disse.
Democracia no cenário global
Ao analisar o panorama internacional, Przeworski afirmou não enxergar uma crise mundial da democracia, mas sim das forças de esquerda e da social-democracia. Ele ressaltou que o avanço da direita em países da Europa não significa, por si só, uma ameaça democrática.
“Votar na direita não enfraquece a democracia necessariamente. Enfraquece se, uma vez no governo, os partidos adotarem medidas antidemocráticas. Temos que aprender a aceitar o fato de pessoas de quem não gostamos vencerem eleições. Desde que sejamos derrotados de acordo com as regras e que tenhamos a chance de vencer a próxima eleição, é democracia”, concluiu.
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