O que diz o novo decreto sobre o translado de brasileiros mortos no exterior?
Entenda como a proibição na legislação brasileira foi alterada para prever casos excepcionais e a influência do caso Juliana Marins na mudança
O anúncio do Decreto n.º 12.535/2025 apresentou ao País alterações das normas contidas no Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017, relativas à responsabilidade do translado de brasileiros mortos no exterior. Na prática, a legislação anterior, em seu § 1º do artigo 257, proibia o custeio dos restos mortais com recursos públicos — agora, casos excepcionais são previstos.
Sobre o decreto alterado de 2017, a advogada Ana Carolina Matos, doutora em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora de Direito Internacional do Centro Universitário Christus (Unichristus), explica que, por força de lei, não existia “amparo legal para nenhuma obrigatoriedade de custeio deste tipo de despesas pelo governo brasileiro”.
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A mudança, anunciada na sexta-feira, 27 de junho, no Diário Oficial da União, agora prevê casos excepcionais para o custeio do translado. Na prática, a proibição pode ser afastada nas seguintes hipóteses:
- Se a família comprovar incapacidade financeira para o custeio das despesas com o traslado;
- Caso as despesas com o traslado não estejam cobertas por seguro contratado pelo falecido em favor dele, ou previstas em contrato de trabalho, se o deslocamento para o exterior tiver ocorrido a serviço;
- Se o falecimento ocorrer em circunstâncias que causem comoção;
- Se houver disponibilidade orçamentária e financeira.
“Tendo em vista o direito ao acesso à justiça, é claro que famílias que se sintam prejudicadas podem, caso se enquadrem nos critérios, se aproveitar disso para tentar arguir algum tipo de direito a reembolso, ressarcimento judicialmente”, reflete a advogada.
Por outro lado, Ana Carolina ressalta que não existe previsão de retroatividade da lei para circunstâncias que já se consumaram. Outro ponto que merece destaque indica que o presidente não revogou o decreto anterior, mas fez uma modificação em um dispositivo específico, parte de um decreto mais amplo, que regulamenta a Lei de Imigração no Brasil.
Em nota anterior à alteração, o Ministério das Relações Exteriores ressaltou que, “em caso de falecimento de cidadão brasileiro no exterior, as Embaixadas e Consulados brasileiros podem prestar orientações aos familiares, apoiar seus contatos com o governo local e cuidar da expedição de documentos, como o atestado consular de óbito, tão logo terminem os trâmites obrigatórios realizados pelas autoridades locais”.
O POVO solicitou dados estatísticos recentes, relativos ao número de translados ocorridos entre 2023 e maio de 2025.
O Ministério apontou que, “em atendimento ao direito à privacidade e em observância ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012”, não divulga informações pessoais de cidadãos que requisitam serviços consulares e tampouco fornece detalhes sobre a assistência prestada a brasileiros.
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Como funciona o processo de translado?
No caso do translado de corpo para o Brasil, os seguintes documentos são exigidos em informe do Itamaraty (compartilhados em página do Consulado-Geral em Zurique):
- Certificado de translado do corpo (emitido pela empresa funerária)
- Original da Certidão de Óbito (emitido pelo registro civil)
- Certificado de Embalsamamento (emitido pela empresa funerária)
- Atestado sanitário de doença não-contagiosa (emitido pelo hospital e/ou empresa funerária)
O ministério indica que todos os documentos estrangeiros devem ter a Apostila da Haia, responsável por simplificar o trâmite internacional de documentos entre os países-membros da convenção.
Os corpos cujos óbitos foram provocados por doença contagiosa ou passível de quarentena, com potencial de infecção comprovada, devem ser acondicionados em uma urna metálica hermeticamente fechada.
Para os casos de cremação e transporte de urna, é necessário apresentar uma autorização para a cremação (emitida pelo hospital e/ou empresa funerária); o Certificado de Cremação (emitido pela empresa funerária) e a Certidão de óbito (emitida pelo registro civil).
A Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) n.º 33/2011 fica a cargo das disposições sobre o controle e fiscalização sanitária do translado de restos mortais humanos, apresentando regulamento técnico que estabelece os requisitos mínimos.
Em seu artigo 7, a resolução indica que “o translado de restos mortais humanos deverá ser realizado no compartimento de cargas dos meios de transporte utilizados e os restos mortais deverão ter sido submetidos a procedimento de conservação”.
A repercussão do caso Juliana Marins
A queda da publicitária Juliana Marins em vulcão na Indonésia foi considerada um estopim para que o assunto relacionado ao translado dos corpos de brasileiros no exterior surgisse nas redes sociais, incluindo críticas sobre a ausência de recursos públicos para o custeio. A brasileira, que fazia um mochilão na Ásia, foi encontrada morta após cair na trilha do Monte Rinjani na terça-feira, 24 de junho.
As notícias da jovem foram compartilhadas em tempo real com os internautas a partir de esforços da irmã de Juliana, que criou um perfil para relatar o processo.
O resgate da jovem durou quatro dias, incluindo pausas relacionadas ao clima adverso na área, influenciando a baixa visibilidade. Ela foi inicialmente avistada por um casal espanhol, que conseguiu entrar em contato com a família da brasileira e compartilhou imagens de drone.
Na quinta-feira, 26 de junho, o presidente Lula (PT) informou haver conversado com Manoel Marins, pai de Juliana, para prestar sua solidariedade. “Informei a ele que já determinei ao Ministério das Relações Exteriores que preste todo apoio à família, o que inclui o translado do corpo até o Brasil”, diz.
No dia seguinte, a assinatura de um novo decreto foi anunciada, determinando exceções para a proibição que, até então, permanecia em vigência. A família da brasileira também se manifestou, afirmando que a Prefeitura de Niterói, cidade-natal de Juliana, havia se responsabilizado pelo translado do corpo.
A irmã de Juliana relatou ainda que a autópsia feita por legista na Indonésia foi compartilhada em coletiva de imprensa, antes que a família recebesse mais informações. De acordo com o responsável pelo laudo preliminar, a morte ocorreu por impacto com objeto contundente.
“Acionamos a Defensoria Pública da União (DPU-RJ), que imediatamente fez o pedido na Justiça Federal solicitando nova autópsia no caso”, relatou a irmã em perfil na rede social.
O corpo da jovem deixou a Indonésia na terça-feira, 1º de julho, com chegada estimada em solo brasileiro para o dia seguinte.
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