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Homens de 18 a 25 anos são os que mais se arriscam em ultrapassagens perigosas: "Complexo de Super-Homem"

Estudo foi realizado na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP e revelou que homens de 18 a 25 anos tem uma probabilidade 42% maior de se arriscarem em manobras de ultrapassagem em pista simples, considerada a mais perigosa das rodovias
13:51 | Dez. 08, 2020
Autor Gabriela Feitosa
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Gabriela Feitosa Estagiária do O POVO Online
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Tipo Notícia

Homens de 18 a 25 anos tem uma probabilidade 42% maior de se arriscarem em manobras de ultrapassagem em pista simples, considerada a mais perigosa das rodovias, do que homens mais velhos e mulheres. É o que aponta um estudo realizado na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP).

O número corrobora com os registros nacionais de trânsito que mostram que jovens e adultos do sexo masculino são a grande maioria das vítimas fatais de colisão frontal.

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O trabalho foi desenvolvido no Departamento de Engenharia de Transportes (STT) da EESC, sob coordenação da professora Ana Paula C. Larocca, com quem o O POVO conversou. Para elaborar a pesquisa, os cientistas convidaram 100 voluntários de todas as faixas etárias e com habilitação para participar de experimentos em um simulador de direção capaz de reproduzir virtualmente qualquer tipo de rodovia de forma realista.

O equipamento conta com três telas que projetam as imagens da pista, sistema de som, cockpit de carro equipado com volante, pedais e alavanca de câmbio, além de quatro câmeras com um software que acompanha o olhar dos motoristas e avalia se os condutores estão observando sinalizações e objetos durante o caminho. Uma rodovia de pista simples com mão dupla foi projetada especialmente para a pesquisa, propondo aos motoristas que fizessem as ultrapassagens no momento em que julgassem adequado.

Conforme Ana Paula, a pesquisa comprovou que jovens do sexo masculino tendem a se arriscar mais neste tipo de ultrapassagem perigosa. Os pesquisadores observaram que os jovens "colavam" bastante na traseira do veículo da frente e realizavam várias tentativas mal sucedidas de ultrapassagem, tendo que retornar à posição de origem. Muitas vezes eles faziam ultrapassagens enquanto um veículo vinha no sentido oposto, ao contrário das mulheres, que esperavam o carro passar.

Esse comportamento mais agressivo dos homens dessa faixa etária pode ser explicado por um maior excesso de confiança, na opinião da coordenadora, o que acaba elevando o risco da condução. "A gente sabe de várias pesquisas que homens dirigem de forma mais agressiva, tem um excesso de confiança maior. O que chamou atenção foi que as mulheres são mais prudentes. Os homens insistem na ultrapassagem e mulheres, no geral, preferiram esperar uma opção mais segura", acrescenta Ana Paula.

O especialista em segurança viária, Renato Campestrini, complementa que os jovens, geralmente, têm "a sensação de onipotência, de que nada irá acontecer com eles e que detêm o controle de todas as situações, são habilidosos" - o que os fazem se arriscar mais no trânsito.

Esse comportamento imprudente, ainda conforme o especialista, traz uma maior possibilidade de envolvimento em acidentes de trânsito. "Na condução de um veículo automotor todo cuidado é pouco, pois em questão de segundos tudo pode mudar. A situação é ainda mais perigosa quando o veículo utilizado não possui manutenção em dia, fato esse que potencializa os riscos. Por exemplo, acelerar demais em um dia de chuva com pneus gastos pode contribuir com uma aquaplanagem", explica Campestrini.

Segundo o Datatran, banco de dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), 94% dos condutores envolvidos anualmente em acidentes de colisão frontal no Brasil são homens. Entre 2008 e 2018, foram 15 mil mortes, sendo que motoristas entre 20 e 50 anos são os que mais aparecem nas tragédias.

No mesmo período, ocorreram ao todo no país 1,5 milhão de acidentes em rodovias federais e, embora as colisões frontais representem apenas 3,2% do total, elas são responsáveis por 31% das mortes: em dez anos, foram 25 mil óbitos registrados, além de 17 mil feridos graves e 25 mil feridos leves.

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A pesquisa da USP também demonstrou que homens de 25 a 35 anos têm 36% mais chances de se arriscarem em ultrapassagens em pista simples do que homens mais velhos e mulheres. Conforme Ana Paula, homens idosos apresentam outro cenário na mesma pesquisa: são mais contidos. "A gente tem outra pesquisa onde a gente faz com que eles olhem placas. Homens novos olham por menos tempo e nem sempre obedecem as placas. É do perfil do jovem tirar a carta (carteira de habilitação) e ter aquela sensação de poder, complexo de Super-Homem, ao passo que idosos entendem suas limitações", relata a pesquisadora.

O fato de que jovens tem os cinco sentidos mais aguçados fazem com que abusem no excesso de confiança. Ele acaba se arriscando.

Mas, há sim formas viáveis de esse jovem mudar de comportamento. Na opinião de Renato Campestrini, é preciso que ele entenda que preservar a vida é atitude essencial no trânsito. Isso se faz através de comportamentos seguros, sem se colocar em situações de riscos desnecessários. "Hoje em dia a informação correta e de qualidade está disponível em inúmeras plataformas em que a pessoa pode se informar e saber como se comportar para utilizar o veículo de forma adequada, consciente", alerta Renato.

Ele ainda chama atenção para outro fator negativo: os vários canais na Internet, com inúmeros seguidores, que exaltam comportamentos equivocados no trânsito, que mostram isso como algo legal, que desdenham das regras". "É preciso agir também para coibir isso, pois alguns acabam seguindo esses passos acreditando que nada irá acontecer, mas quando acontece, geralmente há um corpo inerte, estendido no pavimento ou uma pessoa permanentemente sequelada", complementa Campestrini.


Geometria das rodovias

De acordo com a coordenadora do estudo Ana Paula Larocca e o especialista em segurança viária Renato Campestrini, resultados como os obtidos no trabalho podem colaborar para a criação de campanhas de conscientização, de estímulo ao bom comportamento e de percepção de risco voltadas a esse público. Uma das soluções é realmente alteração da geometria da via. "Transformar em pista dupla. A pista dupla tem a segregação das faixas de sentidos opostos. As a chances de colisão frontal são menores e se elas acontecerem tendem a ser menos graves. Já a pista simples é só uma faixa pintada. A chance de colidir de frente é maior e a gravidade também", finaliza Ana Paula.

No estudo, que faz parte da tese de doutorado de Aurenice da Cruz Figueira, os pesquisadores também investigaram os fatores que influenciam as ultrapassagens em rodovias de pista simples, com foco nos efeitos que a velocidade e o modelo do veículo que está à frente podem gerar.

Os resultados mostraram que, em média, quando o motorista da frente estava a uma velocidade de 60km/h, quem vinha atrás já demonstrava a intenção de ultrapassá-lo, começando a realizar algumas manobras laterais. Se o veículo da frente era um caminhão, as tentativas de ultrapassagem eram mais frequentes.

Em todos os resultados, os homens se mostraram mais dispostos a se arriscar, mesmo que os veículos da frente estivessem acima dos 60km/h.

Outras possíveis ações são a instalação de novas placas, estabelecimento de normas técnicas, obras de infraestrutura.

Renato Campestrini dá dicas de como manter a segurança nas chamadas pistas simples:

- transitar sempre com o veículo em perfeitas condições, com os faróis acesos durante o dia;
- guardar distância de segurança do veículo a frente;
- respeitar os limites de velocidades regulamentados, bem como as demais sinalizações existentes nas vias, em especial a proibição de ultrapassagens
- não arriscar fazer ultrapassagem sem total segurança;
- para os veículos lentos, sempre que possível, facilitar a passagem para aqueles que pedem passagem.

Já pensando em políticas públicas para evitar acidentes graves e conscientizar a população, na opinião de Renato, preliminarmente é necessário rever o processo de formação do condutor, de forma que ele saia realmente preparado para o trânsito e não somente seja instruído para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). "É preciso entender que as regras de trânsito não são criadas por pessoas que desejam atrapalhar a vida das demais, mas sim, são fruto de aprendizados de tragédias registradas em nossas vias", comenta.

Reforço nas campanhas educativas também ajudam. "Via de regra, sinistros de trânsito são ocasionados por infrações de trânsito que deram errado, e que portanto, o comportamento adequado é algo desejável para preservar o bem maior que é a vida", encerra o pesquisador.

As pesquisas com o simulador de direção são financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Confira, abaixo, um vídeo que demonstra como funciona o simulador de direção:

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