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Fortaleza apavorada

2018-04-15 00:00:00

São raros, muito raros, os movimentos organizados que partem da classe média, um setor social que é múltiplo de interesses e de ideologia. No mais das vezes, a média dos seus está muito mais preocupada com... os seus. O cotidiano, o trabalho, os estudos, a educação dos filhos assim impõe. Enfim, a sempre difícil conquista da estabilidade social e econômica é o que legitimamente a move. 

 

Em 2013, deu-se um relâmpago de organização da classe média de Fortaleza. Entre maio e junho de 2013, um grupo de mulheres da faixa do meio da pirâmide social fundou um movimento denominado “Fortaleza Apavorada”. O ápice deu-se com uma imensa passeata na Beira-Mar.

 

O movimento foi pioneiro no País por anteceder as jornadas de julho daquele ano, aquelas manifestações que começaram como protestos pacíficos, que tomaram conta do País e que foram destruídos pela ação bandida dos black-blocs. Lamentavelmente, a organização das mulheres de 2013 se dissolveu na desunião de suas fundadoras.

 

Na época, escrevi no O POVO a respeito do Fortaleza Apavorada e seus desdobramentos. Fui agora em busca de dois textos nos quais analisei o movimento. Diante do que acontece hoje, com o assassinato da estudante Cecília Moura, vislumbra-se uma fagulha que pode jogar novamente a classe média nas ruas unidas pela mesma causa de 2013: a insegurança e o medo.

 

Em um desses textos, escrevi o seguinte: "O (justo) clamor dos incomodados encontrou eco nas redes sociais. Não há partidos, não há líderes políticos, não há sindicatos, não há carreiristas na liderança dos protestos. Não há o tal do ‘movimento social’ (braços dos partidos de esquerda tradicional) por trás das mobilizações".

 

Mais: "Para o Governo, é o pior dos mundos. Da esquerda à direita, passando pelo centro, nossa categoria política não está acostumada a lidar com contrapontos que se organizam espontaneamente na sociedade. Fica tudo muito complexo para a política tradicional quando não se pode carimbar a crítica como 'coisa da oposição raivosa'."

 

Há similaridades entre aqueles tempos e o hoje. Entre as quais, sintomas de acuamento das autoridades públicas. Na noite de sexta-feira, 13, enquanto escrevia esse texto, as redes sociais se mostravam nervosas. Surgiram diversas convocações espontâneas para uma manifestação na manhã deste domingo, 15, às 10 horas, no anfiteatro do Parque do Cocó.

 

Escrevi em 2013: "Como o silêncio continua como a única estratégia perceptível, não se sabe como o Governo vai se comportar. Talvez esteja como São Tomé: na descrença. A aposta possível (e comum nesses casos) é que um punhado insignificante de andorinhas vá às ruas e o movimento morra de inanição. Uma morte tão espontânea quanto a que o fez nascer".

 

Pois é. Porém, o movimento de 2013, que culminou com uma passeata entre o Palácio da Abolição e a Beira-Mar foi intenso e imenso. Tanto que fiz o seguinte registro: "Milhares de pessoas nas ruas de Fortaleza movidas por uma única pauta: a insegurança pública... Um ato civil, pacífico e ordeiro. A mais pura manifestação da cidadania cobrando o que lhe é de direito".

 

"Nascido do incômodo de muitos, o ato germinou e cresceu divorciado da política tradicional. O movimento não tinha pais (porém, tinha mães). Tal característica deixou a esquerda desnorteada e a direita irresoluta. Ou vice-versa, como queiram".

 

Vamos ver o que (e se) acontece algo no domingo. O assassinato da estudante gerou um clima com o qual as autoridades não estavam acostumadas. É claro que o fator classe média influencia. É uma questão de empatia e proximidade social que faz valer a sensação de que você e os seus podem ser as próximas vítimas. É evidente que tais circunstâncias são fatores que mobilizam.

 

Chama a atenção o lugar comum das respostas que partem dos governantes. Ação policial, mais ação policial, contratação de policiais... Vivemos momentos extremos que pedem medidas muito mais amplas e inteligentes. É preciso realizar intervenções de cunho urbano, social, administrativo, judicial. Bogotá e Cali estão bem aí.

 

Não é preciso inventar. O mundo já pratica obviedades de sucesso. Exemplo: o controle do horário de funcionamento de bares em áreas deflagradas. Todas as pesquisas indicam que a maioria dos assassinatos tem hora (depois das 22 horas) e lugar (nas imediações dos bares).

 

Governo e Prefeitura tanto falaram em parceria nessa área. Até aqui, nada ou quase nada. Fortaleza continua apavorada. 

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