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Pergunta a Tarantino

2018-02-15 01:30:00
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O acidente aconteceu há 14 anos mas só agora foi divulgado. A atriz Uma Thurman fez papel de noiva no filme Kill Bill, produzido por Harvey Weinstein e dirigido por Quentin Tarantino entre 2003 e 2004. Weinstein é o famoso produtor de Holywood que assediava e estuprava artistas de cinema.
 

Num dos últimos dias de filmagem, Uma deveria dirigir um Karmann-Ghia conversível numa estreita estrada de terra no México. Ela estava apreensiva e perguntou a Tarantino porque não contratar um dublê para gravar a cena. O diretor a tranquilizou e disse ter ele mesmo dirigido o carro naquele trecho para estar seguro de que se tratava de uma reta sem curvas que não exigia nenhuma habilidade do motorista. Além disso, para facilitar a filmagem, ele tinha mandado substituir a caixa de marchas original, manual, por uma automática. A atriz não teria que se preocupar com embreagem nem alavanca de mudanças, comandos ignorados pela maioria dos motoristas norte-americanos. 


Entretanto, na hora da filmagem, a equipe de produção percebeu que, com o por do sol, a qualidade das imagens seria prejudicada e sugeriu inverter a rota. Na mesma estrada, porém em sentido contrário. Tarantino concordou com a mudança de última hora. E instruiu a atriz para manter uma velocidade de cerca de 40/45 milhas por hora (entre 65 e 70 km/h) para garantir o efeito de cabelos esvoaçantes.
 

E lá se foi Uma Thurman, gravada por uma câmera instalada sobre a tampa traseira (capô do motor, no caso) do Karmann-Ghia com seus cabelos ao vento. Até que surge uma inesperada e não prevista sucessão de duas curvas, em “S”. Suaves, mas a atriz perdeu o controle do carro que saiu da estrada e bateu numa árvore, ferindo-a com certa gravidade, no joelho e no pescoço.
 

O caso só veio à tona há duas semanas, divulgado pela atriz ao jornal New York Times, pois ela está na lista de artistas assediadas por Weinstein. O acidente foi todo gravado, mas o vídeo só foi entregue recentemente por Tarantino para Uma.
 

Por quê o Karmann-Ghia saiu da estrada? Provavelmente pelo mesmo motivo que vários Corvair da GM se acidentaram na década de 60 e responsáveis pela fama do advogado Ralph Nader, que escreveu um livro a respeito (“Unsafe at Any Speed”, Inseguro a Qualquer Velocidade), tornou-se defensor dos direitos do consumidor e chegou a se candidatar a presidente dos EUA. 

 

Tomando o carro da GM como referência, elaborou um dossiê com dezenas de acusações contra as fábricas de automóveis, argumentando não se preocuparem com a segurança. Em 1965, meses depois da publicação do livro (que se tornou “best-seller”), a fábrica modificou toda a suspensão traseira do Corvair. Mas era tarde, e o carro sucumbiu diante da repercussão negativa provocada por Nader. O Karmann-Ghia, construído sobre a mesma plataforma do Fusca, tem também o motor na traseira, assim como o Corvair e ao contrário de todos os outros carros norte-americanos. O que provoca um comportamento chamado em inglês de “oversteering”, ou seja, a traseira derrapa para fora da curva. No caso do Corvair, Ralph Nader advertiu para um problema adicional: a fábrica recomenda pressão dos pneus traseiros superior à dos dianteiros, justamente pelo maior peso do motor atrás. Mas os norte-americanos não estavam acostumados e colocavam – em geral - mesma pressão nas quatro rodas. Ou até maior nas dianteiras, o que acentuava a instabilidade direcional.
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Além disso, Tarantino mandou trocar a caixa manual do Karmann-Ghia por uma automática, mais pesada. Sem se esquecer da câmera e todo seu aparato de fixação sobre a tampa do motor, também contribuindo para aumentar o peso na traseira e desbalancear ainda mais o carro, agravando sua tendência ao “oversteering”.
 

As imagens do acidente foram divulgadas pela atriz e podem ser vistas no portal autopapo.com.br 

 

BORIS FELDMAN
BORFELD@GMAIL.COM
 

Gabrielle Zaranza

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