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O Brasil é mesmo uma Belíndia!

2018-02-22 01:30:00
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Sensores de distância foram proibidos no Brasil nas Mercedes, pois sua frequência era semelhante à dos radares militares que detectam discos voadores


O economista Edmar Bacha criou na década de 70, com muita propriedade, o termo Belíndia para definir o Brasil: um país contraditório que convive simultaneamente com as características da Bélgica (rica e com elevada qualidade de vida) e da com a Índia (pobre e com a maioria da população em estado miserável).


Eu me lembrei do Bacha a propósito de uma gambiarra que a Mercedes-Benz foi obrigada a adotar em alguns de seus automóveis exportados para o Brasil: incluir grotescamente um pneu sobressalente no porta-malas que não foi projetado para recebê-lo. Solução para evitar seus clientes a pé na estrada com o pneu (run flat) rasgado em alguma cratera asfáltica. Acostumados com os tapetes rodoviários europeus, os engenheiros alemães jamais imaginaram as condições catastróficas de nossas estradas que não furam, mas rasgam e destroem os pneus, derrotando a sofisticação tecnológica que permite o “run flat” (que vai mesmo murcho) continuar rodando até o posto.


A mesma Mercedes se viu diante de um problema surrealista com seus modelos importados para o Brasil. Há alguns anos, ela submeteu um novo carro aos testes habituais para homologação junto ao governo brasileiro. Tomou bomba e sua importação foi proibida a menos que a fábrica retirasse os radares frontais que determinavam a distância entre ele e o carro da frente. Necessários para os dispositivos eletrônicos que não deixavam o carro se aproximar perigosamente do outro à frente e que acionava automaticamente o freio no caso de uma colisão ou atropelamento iminente. Qual o problema? perguntaram os técnicos da Mercedes. Era porque – respondeu o governo – aqueles radares operavam na mesma frequência que os aparelhos militares que detectavam a aproximação de OVNI (discos voadores)…


Mas a Mercedes se aclimatou muito bem ao “jeitinho brasileiro”. Proibida de trazer utilitários esportivos com motor a diesel por uma controversa decisão do governo na década de 70, ela não teve dúvida. Enquadrou seu ML320 CDI como jipe mesmo não tendo a necessária caixa de redução (reduzida) para caracterizá-lo como tal. Alegou para o Contran que o sistema eletrônico que controla a transmissão atuava exatamente como uma caixa de redução. O órgão “aceitou” o esdrúxulo argumento e aprovou a ilegalidade. E tome carro de luxo queimando diesel.


Nossa defasagem em termos de segurança veicular é deprimente. Mesmo equipamentos mais simples e baratos como o sistema Isofix para cadeirinhas ou a exigência de cinto retrátil e apoio de cabeça no centro do banco traseiro foram exigidos muitos anos depois do Primeiro Mundo e até da Argentina.


O governo brasileiro acaba de passar por outra vergonha: carros nacionais submetidos a crash-tests laterais pela entidade uruguaia LatinNCAP tomaram bomba: zero estrela na proteção ao passageiro no banco da frente. Como estes testes não eram exigidos pelo governo (só os frontais), as fábricas declararam que os modelos respeitavam nossa legislação. Mesmo assim, uma delas (GM) correu para reforçar a estrutura lateral do carro reprovado (Onix) que passou então no teste dos uruguaios. Envergonhado, o Denatran correu para publicar, dias depois, portaria exigindo os testes laterais.


Pelo menos duas fábricas tiveram que (des)investir para eliminar os airbags do volante de seus carros: os antigos VW Golf e Renault Clio foram projetados na Europa com este dispositivo, retirados no Brasil por não serem obrigatórios (à época) e por “encarecer” o preço público do modelo.


Fábrica de amortecedor no Brasil sugere sua troca aos 40 mil km. A matriz (nos EUA) informa a necessidade de uma revisão aos 80 mil km. Deu para perceber a diferença?


Prêmio de consolação: notícias do Primeiro Mundo amenizam eventual preocupação com o comportamento do brasileiro, pois algumas oficinas nos EUA também tentam empurrar a famosa limpeza de bicos injetores no momento da revisão periódica…

 

Gabrielle Zaranza

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