Dia dos Avós: histórias de saudades, superação e perdas na pandemia de Covid-19

No Dia dos Avós, comemorado nesta segunda-feira, 26, avós e netos compartilham lembranças, anseios e saudades trazidas pela pandemia de Covid-19

Dos tempos antes da pandemia de Covid-19, uma das maiores saudades de Maria Sofia Pereira de Alencar Bomfim, de 7 anos, é o “colo da vovó”. Sem esquecer, é claro, da sobremesa de creme com chocolate que só a casa da avó tem. No Dia dos Avós, comemorado nesta segunda-feira, 26, O POVO traz histórias de netos e avós atravessados pelo coronavírus.

“Meus avós são muito legais. Amo muito eles. Eles cuidam muito da gente”, enfatiza Maria Sofia. Ela fala da avó Marlene Monteiro da Costeira Pereira, 71, e do avô Francisco Antônio Gonçalves Pereira, 74 anos.

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Antes do coronavírus, ela e a irmã, Mariana, 15, tinham como rotina depois do colégio a casa da avó. Além das meninas, que moram em Fortaleza, Marlene tem outros dois netos, um em Salvador e outro no Rio Grande do Sul.

“A gente é muito ligado. O amor é muito grande. Somos totalmente apaixonados pelos netos”, ressalta. Os dois netos que residem fora do Ceará costumavam estar com os avós pelo menos durante as férias do ano letivo.

Repentinamente, o vírus mudou tudo. Abraços, beijos e colo dos avós ficaram mais distantes do que jamais deveria ser permitido. Mas deixar de ver as netas que moram na Capital não era uma opção para Marlene. Ela daria seu jeito. 

“Eu dizia: ‘Não tem quem me segure. Eu vou ver minhas netas’”, conta. Quando a saudade apertava, Marlene e o marido saíam do bairro Aldeota e iam até o Vila União. As meninas esperavam os avós na varanda de casa. Foi a estratégia encontrada para driblar a saudade.

Maria Sofia, 7, observa os avós em uma das "visitas de varanda". Estratégia para driblar a saudade durante a pandemia de Covid-19. Abril, 2020.
Maria Sofia, 7, observa os avós em uma das "visitas de varanda". Estratégia para driblar a saudade durante a pandemia de Covid-19. Abril, 2020. (Foto: Acervo Pessoal)

“A gente mandava beijo, abraço apertado, pra matar aquela saudade, mas tudo à distância, elas em cima e a gente embaixo”, descreve. A neta, Maria Sofia, relembra os momentos. “Eu achava bom porque via eles, mas achava ruim porque não estava abraçando e beijando, essas coisas”, diz.

Assim foi durante boa parte do começo de 2020. Agora já vacinados, Marlene e o marido conseguem se aproximar das netas com um pouco mais de tranquilidade. Contudo, os cuidados continuam com o uso de máscara e álcool em gel.

Os avós recebem atualizações diárias com fotos e vídeos nas redes sociais dos netos João Pedro, 13, e Caio, 3, que moram em outros estados. “Isso vai preenchendo, vai deixando a gente mais tranquilo. É assim que a gente tá suportando a saudade”, explica. Em dezembro, a expectativa da avó é de estar com todos os netos e filhos reunidos, se os indicadores da pandemia permitirem.

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O psicogeriatra Hesley Landim alerta que o sentimento de solidão, já presente na vida de tantos idosos, se agravou bastante neste período de pandemia. Uma das estratégias para minimizá-lo é utilizar os recursos tecnológicos.

“Hoje, podemos fazer chamadas de vídeo com facilidade, usar ferramentas de comunicação e reunião em grupo, até mesmo uma simples ligação comum pode fazer a diferença. O segredo é tentar se fazer presente mesmo estando distante”, completa.

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Avó de 98 anos se recupera da Covid-19 sob os cuidados na neta

 

Um dia após seu aniversário de 98 anos, Maria de Freitas começou a apresentar desconforto respiratório, além de tosse seca e febre. O teste positivo para Covid-19 saiu três dias depois, no dia 16 de junho.

Após piora, a idosa foi levada para o Hospital São José, em Fortaleza, para avaliação, onde trabalha a neta Fernanda Remigio, 40, médica infectologista. Com casos de coronavírus em queda na Capital, Maria acabou internada em uma vaga na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para pacientes da Covid coordenada pela neta.

Vacinada com as duas doses, a vovó quase centenária teve um quadro moderado da doença e permaneceu internada por sete dias. Ainda assim, a família não deixou de ficar apreensiva devido às complicações por ela ter insuficiência cardíaca e pneumopatia crônica.

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“Foi preocupante para toda a família devido à fragilidade dela, e acabei fazendo a ligação com os demais, e acho que isso foi o que mais me desgastou”, afirma a neta Fernanda. Ela explica que participava das discussões, mas eram os colegas da unidade que conduziram o tratamento da avó.

“A gente não consegue tomar decisões quando é alguém próximo. Eu me preocupava com alguma piora súbita. Como ela já está com a memória comprometida pela idade, tinha receio de ela desorientar e se sentir só nas horas em que eu não estava”, relembra.

A “vozinha”, como ficou conhecida pelos outros pacientes de Fernanda, recebeu alta no dia 28 de junho. Já em casa, dona Maria está fazendo fisioterapia e não tem queixas respiratórias. “Foi um alívio grande o retorno dela pro seu cantinho”, comemora a neta. Afastada da família desde o começo da pandemia, a médica diz que tenta visitar a avó nos raros dias em que não vai ao hospital, e sempre mantendo a distância segura.

Maria de Freitas, 98 anos, recebeu alta no último dia 28 de junho após quadro moderado de Covid-19. Ela foi cuidada pela neta Fernanda Remigio, 40, (à frente, de máscara verde)  médica infectologista no Hospital São José. Na foto, as visitas à distância na casa da avó com irmãos e duas bisnetas.
Maria de Freitas, 98 anos, recebeu alta no último dia 28 de junho após quadro moderado de Covid-19. Ela foi cuidada pela neta Fernanda Remigio, 40, (à frente, de máscara verde) médica infectologista no Hospital São José. Na foto, as visitas à distância na casa da avó com irmãos e duas bisnetas. (Foto: Acervo Pessoal)


Avós e netos separados pela pandemia

 

Este Dia dos Avós será de saudade para a estudante Karyne Lane, 24. Ela descreve o avô Valdir Mota de Oliveira, 75, como uma pessoa muito animada, que adorava a casa cheia e topava qualquer viagem ou passeio.

Ele ajudou a criar neta depois da perda da mãe dela. Como todo bom avô, sempre dava conselhos e, claro, a apoiava "em absolutamente tudo". Valdir, aliás, era chamado carinhosamente de “Painho” pelos netos, com quem fazia gosto de compartilhar as histórias da juventude. Ele é uma das mais de 23,3 mil vítimas da Covid-19 no Ceará.

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“É muito dolorido reviver as lembranças com ele porque foi uma perda completamente abrupta, e ainda sinto como se ele estivesse por perto, esperando melhorar para que possa voltar”, relata Karyne.

Aos sábados, Painho colocava para tocar em seu rádio o brega que adorava. Agora ficou o silêncio. O avô tinha o maior gosto de dar a bênção para os netos de manhã. “Ia saindo de um por um para as suas obrigações e ele ficava sentado lá fora desejando um monte de coisas boas. Demorei muito para me acostumar com a falta disso”, completa a neta.

Karyne e o avô conviveram a vida toda próximos, porque a família inteira mora em um mesmo terreno. Ela esteve com Valdir antes da internação, mas ninguém pôde acompanhar o avô quando ele foi levado, já com desconforto respiratório, para a ala de casos suspeitos da Covid-19 na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Itaperi, em Fortaleza.

Depois disso, Valdir foi transferido para a UTI Covid do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Numa das ligações da equipe médica, a família soube que o idoso tinha adquirido uma bactéria, o que complicou o quadro já fragilizado.

Após cerca de um mês de internação, o avô de Karyne não resistiu e morreu no dia 12 de outubro de 2020. Sem direito a velório ou à despedida, o luto é mais uma sensação de incredulidade para Karyne. Como se o avô “estivesse em algum canto esperando para voltar”.

Karyne Lane, 24, (ao centro) relembra com carinho do avô Valdir Mota de Oliveira, vítima da Covid-19 aos 75 anos (à esquerda). (Foto: Acervo Pessoal)
Karyne Lane, 24, (ao centro) relembra com carinho do avô Valdir Mota de Oliveira, vítima da Covid-19 aos 75 anos (à esquerda). (Foto: Acervo Pessoal) (Foto: Acervo Pessoal)

“É duro imaginar que hoje ele poderia estar vacinado, mas que a pandemia não apenas nos gerou essa dor como nos obrigou a viver o luto antecipado e sem despedida. Apesar disso, tento me convencer todos os dias que a minha luz e a dele estão entrelaçadas, e que nenhuma separação poderá desfazer isso”, finaliza.

O luto vivido pela perda dos entes queridos é por si só algo delicado. “Quando se trata dos avós, figuras tão importantes, a dor da perda pode ser ainda mais profunda e difícil de lidar”, atenta o psicogeriatra Hesley Landim.

O especialista considera importante como parte do processo de luto a realização de um ritual de despedida mesmo sem a presença da pessoa que partiu. “Objetos simbólicos podem ser utilizados para este fim e o ritual ajudará a elaborar melhor a perda”, acrescenta. Ele ressalta ainda a necessidade também de contar com uma rede de apoio. Nesse sentido, um grupo familiar, de amigos ou mesmo um terapeuta são importantes.

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