"Para mim, não existe lockdown", diz Beatriz Parahyba, médica cearense da linha de frente

Ainda que tenha que sair de casa todos os dias para ir ao hospital, Beatriz relata as mudanças que segue fazendo na rotina para manter o isolamento social e proteger as pessoas que estão em seu convívio

Enfrentar a pandemia do novo coronavírus não tem sido fácil para ninguém. A dor de estar distante de pessoas queridas como uma prova de amor tem sido regra para todos os cearenses desde o mês de março do ano passado — quando foram confirmados os primeiros casos da Covid-19 no Estado e o isolamento social passou a ser a única solução possível para evitar a propagação da doença.

A missão tem sido ainda mais árdua para os profissionais da saúde que estão na linha de frente de combate à doença. A médica Beatriz Parahyba, formada em dezembro de 2019, foi uma das profissionais incumbidas do desafio de ter que lidar com a crise mundial na saúde, mesmo como novata no mundo da medicina.

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“Trabalhar em uma pandemia não era uma coisa que eu esperava quando eu decidi fazer medicina. Mas mesmo com medo de contrair o vírus e infectar meus familiares, não parei de trabalhar”, relata a médica, que desde o registro dos primeiros casos trabalhou no Posto de Saúde Célio Brasil Girão, no bairro Cais do Porto, e na área de Covid-19 do Hospital de Messejana.

Parahyba é a última entrevistada de série do O POVO que fala sobre pessoas que mesmo após um ano do início da pandemia continuam cumprindo os protocolos sanitários preconizados por especialistas em saúde e autoridades públicas. No caso dos profissionais da linha de frente, a missão de permanecer em casa precisa ser abdicada diariamente para tratar de pessoas infectadas; mas o dever de isolamento e cuidados retorna quando o expediente de trabalho termina.

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Para Beatriz, o objetivo tem sido fazer o máximo de coisas por meio de aplicativos e da internet. Ela não lembra a última vez que pisou em um supermercado ou farmácia e celebra a possibilidade de fazer tudo com “um clique”. O esforço para não sair de casa fez com que a médica até adaptasse um cômodo da sua casa para funcionar como uma espécie de academia doméstica.

“Nós compramos os pesos e alguns equipamentos para se adaptar a essa realidade. Tudo para manter o isolamento social e evitar aglomerações”, explica a médica, que também teve que pensar em outras mudanças para atividades que já faziam parte da “normalidade”. O costume de ir ao cinema, por exemplo, foi trocado por filmes em streaming e pipoca feita em casa. “Foi bem difícil no início porque eu era bem viciada, mas é muito necessário”, ponderou.

Com a pandemia, o quarto de hóspedes deu lugar a uma academia improvisada.
Com a pandemia, o quarto de hóspedes deu lugar a uma academia improvisada. (Foto: Arquivo pessoal)

Beatriz conta ainda que o encontro com os amigos — a maioria do meio médico — segue acontecendo, mas da forma que ela nunca quis: somente nos hospitais. A sua turma da faculdade acabou indo quase toda para o combate à doença e os encontros em corredores não são raros. "Infelizmente não é a forma que eu queria estar vendo eles, mas é o que a gente consegue neste momento”, lamentou.

Para ver a família, então, a médica enfrenta um criterioso ritual para que não se torne vetor da doença. “É um terror quando vou visitá-los, porque eu tenho que me desinfectar inteira. Às vezes quando vou abraçar meu pai até tomo uma ‘chiringada’ de álcool para me proteger. Com os meus avós sempre uso máscara e frequentemente estou lavando as mãos, principalmente porque estou trabalhando no hospital”, comenta Parahyba.

Única médica da família, ela explica que sempre é acionada para prestar socorro aos entes queridos e acaba ficando alerta para atuar em emergências mesmo quando está fora do expediente de trabalho. “Tem dias que eu realmente fico exausta, mas sempre me disponho a ajudar, tentando orientar o melhor caminho para eles. A gente está sendo mais valorizado na pandemia, mas também está sendo mais cobrado”, esclarece.

Saúde mental na pandemia

Manter a mente bem durante a crise na saúde tem sido um desafio para muita gente. Em uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com mais de 40 mil pessoas, concluiu-se que 53% dos jovens entre 18 e 29 anos declararam ter se sentido tristes ou deprimidos “muitas vezes” ou “sempre” durante a pandemia.

Para Parahyba, a válvula de escape tem sido a arte. A médica relata que retomou as aulas de teatro que havia deixado de praticar há muito tempo, agora no formato virtual e online. Ela defende que as pessoas invistam em um hobby que gostem para manter a mente ocupada durante o isolamento.

“A maioria está em casa sem ter o que fazer, só vendo notícias sobre a doença, sobre as mortes… É perceptível que ansiedade e depressão estão crescendo tanto quanto o coronavírus, se não mais”, lamenta. A médica lembra, no entanto, que o momento ainda não permite que se descanse: “Não parem de querer cuidar do outro, porque sempre quando você se expõe não está prejudicando só você, mas todos que você tem contato. Aguentem firme que tudo isso vai passar, está mais perto do que nunca”, insiste.

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