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Pandemia reforça desigualdade de gênero na divisão de tarefas domésticas; entenda e veja como mudar

Desigualdade na divisão de atividades domésticas impede que mulheres avancem nas carreiras e as coloca em posição tributária desvantajosa

 

Com as medidas de isolamento social, muitas famílias encontram-se dias inteiros dentro de casa. Com isso, mais as louças e os ambientes ficam sujos, mais as crianças precisam de atenção e, portanto, mais o casal se ocupa com as tarefas domésticas, certo? Sim e não.

O levantamento “Sexualidade feminina na pandemia Covid-19”, da pesquisadora Paula Brandão, indica que pelo menos 12,7% das mulheres de Fortaleza têm cuidado sozinhas das tarefas domésticas durante a pandemia. Por outro lado, mais de 30% delas afirmam que dividem as atividades com os companheiros no período. Os dados ainda estão em análise e foram cedidos com exclusividade para a reportagem do O POVO.

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A desigualdade na divisão das tarefas domésticas é problema antigo, apesar de ter melhorado com passos bem lentos. De acordo com pesquisa de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mulher que trabalha fora cumpre 8,2 horas a mais em obrigações domésticas que homens também ocupados. A diferença é ainda maior entre homens e mulheres não ocupados: nesse caso, elas trabalham 11,8 horas a mais que eles.

Durante a pandemia, afirma Paula, as tarefas se misturam. Ao mesmo tempo que precisam concentrar-se no home office, as mães também estão encarregadas de acompanhar as crianças nas aulas remotas e, ainda por cima, cuidar do lar. De acordo com relatos enviados ao levantamento, a sensação comum entre as fortalezenses casadas ou em relacionamentos estáveis é de cansaço e solidão.

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Porque isso é um problema

Paula Brandão, que também é professora no curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece), explica que falar sobre divisão de tarefas domésticas é tocar em um aspecto específico da desigualdade de gênero. Culturalmente, os deveres domésticos foram resguardados para as mulheres, enquanto os homens eram responsáveis pelos deveres produtivos.

No entanto, com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a lógica continuou a mesma. Assim, além do emprego, elas se deparam com uma jornada dupla em casa, com pelo menos oito horas a mais de trabalho pela frente - envolvendo limpeza e gestão do lar e a maternidade. Até os momentos de lazer, comenta a procuradora da Fazenda Nacional Herta Rani Teles, precisam ser organizados e programados pelas mulheres.

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Essa rotina incessante de trabalho deixa as mulheres não apenas exaustas, mas também vulneráveis do ponto de vista tributário. Muitas, analisa a procuradora, descartam oportunidades de emprego ou de estudo por não conseguirem conciliar com as atividades domésticas. E quando arriscam, vão até a exaustão por tentarem se transformar em “supermulheres”.

Impacto tributário

A partir daí, outras problemáticas misturam-se com as jornadas duplas e até triplas de trabalho. Uma delas é a questão tributária. Afinal, o trabalho doméstico não é remunerado e é fato de que mulheres recebem menos que homens no mesmo cargo. Ao mesmo tempo, lembra Herta, elas gastam mais nas compras para a casa, como em alimentos, remédios e produtos infantis.

Segundo a procuradora, o trabalho de cozinhar, limpar a casa, cuidar de crianças e idosos, mais frequentemente realizado por mulheres, representa de 10% a 39% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países. “As mulheres responsáveis pelo cuidado dão uma enorme contribuição econômica que permite suprir necessidades em matéria de serviços, formação e educação dos próximos profissionais. Com isso, o trabalho domestico não remunerado pode ter mais peso na economia de um país do que a indústria manufatureira ou o comércio”, defende Herta.

A procuradora também ressalta que atividades domésticas sequer são consideradas como um trabalho. Dessa forma, não podem ser adicionadas ao currículo, assim como as habilidades desenvolvidas na maternidade, tais quais conhecimento de gestão, espírito de liderança, criatividade, capacidade de trabalhar com forte pressão e outros.

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Por isso, a professora Paula Brandão reforça que discutir sobre a divisão de tarefas domésticas é “falar da construção de relacionamentos que contribuam para a formação de ambos, não apenas dos homens”. “A mulher não está buscando nada de excepcional. Ela está buscando apenas diminuir as desvantagens que elas têm em comparação com os homens [pelo excesso de funções]”, afirma.

Homens precisam se conscientizar e atuar contra desigualdade de gênero

No objetivo de discutir e promover conscientização sobre a desigualdade de gênero no Brasil, procuradoras da Fazenda Nacional criaram o coletivo Tributos a Elas,  da qual Herta faz parte. Entre rodas de conversa, seminários e conteúdos relacionados a desigualdade de gênero, racismo, linguagem neutra e tributação e gênero; o coletivo promoveu a campanha Eles Dividem!

Nela, as procuradoras convidaram colegas e servidores da Fazenda Nacional para prestarem depoimentos sobre as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. “De forma alguma a ideia é transformar os homens em heróis por assumirem tarefas que culturalmente são impostas às mulheres. A proposta é demonstrar que o caminho da divisão de tarefas no lar pode ser trilhado por todos”, afirma o coletivo.

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Importante ressaltar que dividir é bem diferente de ajudar. Como bem explica o procurador Leonardo Curty, em uma das publicações do coletivo: ajudar seria “colaborar com quem teria o dever de executar as tarefas”. “Trata-se de entender que a responsabilidade por tudo o que precisa ser feito em uma casa depende da atitude de ambos os parceiros”, completa.

Na casa do procurador Gustavo Raulino, os deveres são divididos por habilidades. “Por exemplo, a minha esposa cozinha melhor do que eu. Então ela cozinha, mas em compensação eu lavo louça”, diz. A relação com as tarefas domésticas, no entanto, surgiu desde que era criança. Gustavo conta que o pai era um exímio cozinheiro e, portanto, sempre o viu ocupando a cozinha - espaço tão comumente deliberado às mulheres.

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O pai do procurador foi um exemplo, assim como a rotina da casa na infância era. Todos cumpriam com as atividades domésticas, de alguma forma. O relato é parecido com o do procurador Rafael Amaral: “Aprendi com os meus pais a cuidar de casa desde cedo, e acho que esse é um dos maiores ensinamento que posso passar para o meu filho. Afinal, os filhos aprendem mais com as ações e exemplos dos pais do que com meras palavras bonitas e vagas”, afirma em publicação no Tributos a Elas.


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