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Átila Iamarino fala sobre a eficácia do isolamento, testagem e sazonalidade da pandemia de coronavírus no Brasil

Cientista ganhou projeção na internet ao divulgar informações científicas sobre a pandemia de coronavírus nas redes sociais; veja principais pontos da entrevista
08:09 | Mar. 31, 2020
Autor Bemfica de Oliva
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Bemfica de Oliva Repórter
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Tipo Notícia

O biólogo e pesquisador Átila Iamarino, que obteve fama repentina nas redes sociais pela divulgação de fatos científicos sobre a pandemia de coronavírus, foi entrevistado na noite desta segunda-feira, 30, pelo programa Roda Viva, da TV Cultura. O cientista respondeu perguntas de Vera Magalhães (TV Cultura), Mariana Varella (portal Drauzio Varella), Marcelo Soares (Lagom Data), Herton Escobar (Jornal da USP), Fabiana Cambricoli, (O Estado de S. Paulo) e Nilce Moretto (Coisa de Nerd).

Átila estava presente fisicamente ao estúdio. Ele iniciou argumentando que, por ter familiares no grupo de risco, seria mais adequado ele dirigir-se sozinho à emissora que permitir que uma equipe fosse à sua casa.
O biólogo ressaltou o papel da imprensa, enquanto fonte confiável de informações sobre a pandemia, considerando que as redes sociais acabam muitas vezes por propagar desinformação, disseminando notícias falsas ou sem comprovação. O próprio Átila realiza trabalho de combate a este tipo de acontecimento, veiculando em seus perfis vídeos com fatos científicos sobre a pandemia.

Ele pontuou que é necessário compreender que, em cenários de grande contágio, como os que acontecem na Espanha e na Itália, há tanto mortes decorrentes da doença porque o sistema de saúde está em colapso nestes locais, fazendo com que pacientes de outros problemas, como acidentes de trânsito ou mesmo outras doenças, não tenham como ser atendidos.

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Segundo o biólogo, é possível que o Brasil não chegue a esta situação pois, graças aos governos estaduais, as medidas de prevenção foram tomadas de maneira precoce. Ele afirmou que uma ou duas semanas a mais sem que tivesse havido ações de contenção poderiam significar dezenas ou centenas de milhares de mortos.
Um exemplo positivo apontado por Átila foi o do governo chinês, que determinou o isolamento na província de Hubei, onde se originou a pandemia, quando havia menos de mil casos confirmados da doença. Segundo ele, porém, isto só foi possível pelo histórico autoritário do país.

Sobre as ações que ainda se fazem necessárias, Átila comparou a testagem massiva da população, mesmo de pessoas assintomáticas, a uma lanterna que “se aponta para qualquer lugar que queira”. O método que está sendo usado no Brasil, de testar apenas pessoas que apresentem sintomas, seria como uma vela: “Você fica parado e só enxerga aquilo que vem até você”, disse.

A falta de testes em toda a população, segundo ele, tem consequências diversas. Não seria possível isolar com precisão, por exemplo, as cidades mais impactadas no País pela pandemia: “Na China tem Wuhan, na Itália tem Bergamo”, afirmou, sobre os grandes pólos de coronavírus nos dois países, “enquanto no Brasil nós temos várias Wuhans e Bergamos e não sabemos”. Outra consequência é a dificuldade de saber o melhor momento para encerrar a quarentena, pela subnotificação de casos.

Para o biólogo, iniciando-se a testagem massiva, haveria uma “explosão” na quantidade de casos confirmados. Isso ocorreria porque um paciente infectado por coronavírus pode passar até duas semanas assintomática, e sem a realização de exames em toda a população cada pessoa poderia ser responsável pelo contágio de dezenas de outras. Seria necessário, portanto, a importação de novos kits para exame e o fomento à pesquisa nacional para produzir os testes localmente.

Uma das críticas feitas pelo cientista foi sobre o baixo investimento em pesquisa no Brasil. Átila diz que é um cenário “de longa data”, com cortes nessa área datando pelo menos de 2014. Uma das consequências é justamente a pouca quantidade de testes para coronavírus disponíveis no país.

Segundo ele, com o baixo financiamento para produção nacional passa-se a importar os materiais, e isso se torna particularmente difícil quando a demanda mundial por estes produtos está muito elevada, havendo “competição” entre países para conseguir adquirir os testes. O biólogo afirma também que muitos pesquisadores que dependiam de bolsas de mestrado ou doutorado, e que poderiam estar trabalhando no combate ao coronavírus, tiveram suas ajudas de custo cortadas pelo Governo e não têm como trabalhar.

Átila definiu também como problemáticas as ações e falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pontuando que, no mundo inteiro, apenas a Bielorússia decidiu não realizar medidas de combate ao coronavírus. Sobre hipóteses de que o vírus teria sido criado em laboratório, e de estratégias como o isolamento vertical, ele afirmou que não há embasamento científico e que sequer vale a pena discutir os temas.

Sobre a proposta de “imunidade de manada” (prática de deixar a população se contaminar propositadamente para criar imunidade à doença), o biólogo entende como impraticável, pois o sistema de saúde entraria em colapso devido às características do vírus: comparado ao H1N1, o coronavírus é mais transmissível, demanda mais internações e tem maior letalidade. Em alguns casos, a demanda causada por um contágio descontrolado do vírus poderia superar 30 a 50 vezes a capacidade do sistema de saúde, afirmou.

Para Átila, talvez seja possível reduzir as medidas de quarentena “em junho ou julho”, mas com ressalvas. Para parte significativa do território brasileiro, esta é a época de inverno, onde há mais casos de problemas respiratórios, o que pode agravar as situações de Covid-19. Seria necessário, também, garantir suprimentos, até lá, para que as equipes médicas tenham equipamentos de proteção e kits de testagem. Isso é necessário, segundo ele, porque devem haver outras ondas de coronavírus em breve, o que demandaria uma prática de “quarentena alternada”, em que determinado período tem isolamento social, depois relaxado com a redução dos casos, mas que volta a ser necessário quando a quantidade de contaminações volta a subir.

É preciso compreender, diz o cientista, que não deve haver uma “volta à normalidade” tão cedo, no entanto. Até o desenvolvimento de uma vacina, que pode levar de um a dois anos, serão necessárias mudanças sociais, com novas práticas econômicas como a maior adoção do trabalho remoto. Neste período, também, é que se teria a confirmação se a imunidade ao coronavírus é definitiva, ou, como no caso da gripe, dura apenas alguns meses. Átila afirma que “as pessoas querem voltar ao que tinham antes”, prática mais notável em grupos conservadores, mas que isso não será possível durante muito tempo.

Outro ponto abordado foi o comportamento do vírus em locais diversos do mundo. Para o biólogo, parece haver algum efeito no clima na capacidade de propagação do coronavírus, mas não é possível confirmar ainda essa hipótese. Estudos epidemiológicos feitos em outros países precisam, segundo Átila, serem adaptados ao Brasil. Apesar de a população ser um pouco mais jovem que a europeia, diz o cientista, há fatores locais que precisam ser levados em conta: doenças relacionadas à pobreza, como diabetes, hipertensão e tuberculose, ainda são comuns no País e ampliam grupos de risco. Nenhum modelo desenvolvido, disse ele, prevê como se daria o contágio em favelas, com famílias morando em casas de um ou dois cômodos.

Átila encerrou pontuando que, além das ações de governo, é preciso ter figuras públicas explicando por que a quarentena é necessária, algo que não tem sido feito pelo Governo Federal. Em relação a estados e municípios, o biólogo afirmou que, se estão construindo leitos e restringindo a circulação de pessoas, estão fazendo a política correta para o momento.

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