Performance sensibiliza ao confrontar estigmas de sambistas negras
Apresentada em Campinas na Bienal Sesc de Dança, performance "Minas de Ouro" sensibiliza público ao romper estigmas sobre sambistas negras
Na praça Bento Quirino, no centro histórico de Campinas (SP), trabalhadores e pedestres de ocasião se surpreendem com adornos dourados em profusão vestidos por mulheres negras que trazem consigo suas histórias e seus anseios. Mesmo sob forte calor, são hipnotizados por seus passos e suas mensagens.
Com placas variadas que remetem às usadas por vendedores de ouro em grandes centros urbanos, elas registram suas resistências e jogos de sentidos. “Vendo ouro” é somente um desses exemplos - aqui, o ouro também são as mulheres. É também o samba. “Eu dependo do samba para ser feliz”, afirma uma delas. O discurso é compartilhado.
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O grupo, afinal, é composto por passistas de origens e idades diversas. Elas apresentam o espetáculo “Minas de Ouro - Experiência nº 2 - Performance Monumento”, com o qual sensibilizam e engajam o público a partir do resgate de suas memórias. Elas visam quebrar paradigmas em torno da mulher negra sambista, ressaltando o poder da manifestação.
A performance integrou a programação da XIV Bienal Sesc de Dança. O Vida&Arte acompanha o evento, realizado em Campinas até 5 de outubro. O festival reúne cerca de 80 atividades, entre espetáculos, performances, instalações e ações formativas, com 18 países e 10 estados brasileiros.
Minas de Ouro: confronto a estigmas sobre sambistas negras
Idealizado pela coreógrafa Carmen Luz, o trabalho reuniu na Bienal artistas do Rio de Janeiro (RJ) e da região de Campinas. A obra confronta o estigma sobre essas mulheres, vistas como “monumentos sexuais”, mas historicamente rebaixadas e silenciadas, como descreve a sinopse.
Os confrontos são evidenciados nas placas que carregam. De “Vendo Ouro” a “Monumento Nacional”, resgatam percepções que tratam o corpo da mulher negra como mercadoria - além de visões fetichistas - e buscam dominar as narrativas.
Na performance, elas compartilham suas trajetórias, enquanto também celebram umas às outras. É formada uma roda em que cada uma vai ao centro quando sua história é reproduzida nas caixas de som. Com sorriso no rosto, sambam e dialogam com o público.
Acima de tudo, porém, se confraternizam. As dançarinas que observam a que está em destaque não hesitam em bradar suas qualidades (“maravilhosa”), pois há união e entendimento de que são mais fortes quando em conjunto.
Minas de Ouro: relatos se cruzam e o samba é felicidade
Para além dos adornos dourados e de seus movimentos, as passistas chamam a atenção pelas mensagens que apresentam. Os relatos se cruzam em suas origens e nas percepções sobre o samba — para todas, é sinônimo de felicidade e empoderamento.
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Além disso, significa a compreensão sobre o próprio corpo, sobre o seu cabelo e a aceitação de si, como exposto por uma das sambistas. “Samba tem disciplina, coragem e a ancestralidade”, evoca.
Discorrem também visões históricas sobre o samba, principalmente pelo viés de estereótipos e preconceitos. É impactante observar como as narrativas têm similaridades - desde dificuldades impostas pela família aos sentimentos derivados do gênero musical.
Minas de Ouro: no fim, tudo termina em samba
Na apresentação, a força de cada uma é emanada por suas histórias, pelas suas danças e, a partir delas, pela hipnose causada em quem passa e decide acompanhar a performance. O cortejo segue por outra praça. Elas que estão no comando. Os outros que devem acompanhá-las, caso realmente desejem saber mais de suas trajetórias.
A performance evidencia as criatividades das artistas. Há dançarinas de idades diversas - 25, 39, 44 e 70 anos, por exemplo -, um mosaico de épocas que deságua no presente. Afinal, continuam aqui, dançando, celebrando e destacando suas resistências.
São bonitas sincronias que compõem o espetáculo. O público também participa do cortejo, seja aplaudindo, segurando por vezes as placas, se deslocando de uma praça a outra ou também dançando. No fim, tudo termina em samba - e não é isso que importa?
Sobre a XIV Bienal Sesc de Dança
Realizada pelo Sesc São Paulo, a 14ª Bienal Sesc de Dança é promovida em Campinas (SP) até domingo, 5. A edição celebra dez anos de história na região.
Quase 80 atividades - entre espetáculos, performances, instalações e ações formativas - compõem a programação.
O festival visa reafirmar a dança como espaço de encontro, diversidade e invenção, com danças cênicas, urbanas, populares, experimentais e comunitárias.
Dezoito países e dez estados são representados nesta edição.
*Repórter viajou para Campinas a convite do evento
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