Artigo: Ao Serpentina, com amor

A psicóloga Juliana Braga de Paula escreve ao Vida&Arte sobre o encerramento das atividades do Serpentina Bar e Cultura, espaço de boemia, música, política e acolhimento

Reza a lenda que tudo começa antes de Cristo, com Kubaba criando um bar na cidade de Kish, na Suméria. Os espaços de boemia, à época, se chamavam taverna e eram as mulheres que cuidavam das cervejas, hospedagem e havia até um pequeno comércio. Ali se decidiam as revoltas, as mortes de tiranos e se conspirava contra e a favor de tudo.

Com o crescimento da moral cristã e a des-iluminuras do tempo, ganhamos um povo mais pudico e a mulher perdeu seu lugar de dona de taverna para assumir cada vez mais o seu papel de genitora, guardiã da moral e dos bons costumes. Na retomada do protagonismo feminino boêmio, cresce na atualidade o número de bares chefiados por mulheres, atravessados por esses dois mundos antigos.

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Serpentina Bar e Cultura é esse espaço, multiplamente atravessado pela música, mais precisamente o samba, pela militância de esquerda que se reconhece naquele cantinho no centro; pela dança, um dos poucos espaços que se samba livremente em qualquer traje, com qualquer desenvoltura e pelo feminino.

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É chefiado por uma mulher. O nome dela é Carol. Carol é dessas mulheres que abrem portas e janelas para te acolher. Observadora por natureza, salvou inúmeras gatas do infortúnio da violência, cuidou de dores de cotovelo e presenciou novos encontros belos. A marca do feminino transformou esse espaço em uma janela aberta para a cultura dessa cidade, mas também em um espaço seguro, para mulheres que, como eu, gostam de ir sozinhas aos bares à noite ou fim de tarde.

Serpentina também trouxe o espaço da boa conspiração, facilmente se encontravam pessoas da política cearense para dialogar sobre as proximidades e distâncias no cenário governamental. Atravessado por muitas tribos, Serpentina trazia a música como seu carro-chefe, mas também tinha literatura, a política e a alegria de estar junto e um sentimento de pertença.

O flamboyant me abrigou incontáveis vezes, desde o dia em que consegui sambar pela primeira vez, depois de meses sem poder fazer nenhuma atividade física por uma cirurgia delicada que tive, ao som do grupo Academia. O bar me apresentou ao Samba Vadio e o Samba de Terreiro, o chorinho feminino do Não Insistas Rapariga.

O Serpentina é um lugar de aconchego e vou sentir saudades. Soube agora que vai fechar. Não aguentou o julgo do capital e das dificuldades de ser um bar que tem uma proposta cultural diferente. Viva o Serpentina e tudo aquilo que nos proporcionou nesses últimos sete anos.

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