Coluna Vanessa Passos: Marketing agressivo

Eu não vou mais ficar em silêncio, porque eu sei do valor da minha produção literária

Eu estava na Bienal Internacional de São Paulo e, numa conversa com escritoras, uma delas me disse que tinha gostado de me conhecer mais de perto, porque antes, me vendo de longe, achava meu marketing muito agressivo. Eu ri e, longe de ficar chateada ou constrangida, aproveitei a oportunidade para conversar sobre um tema que julgo importante. Minha resposta foi a seguinte:

Meu marketing não é agressivo. A questão é que, na vida e no mercado literário, como mulheres, estamos acostumadas a ver outras mulheres pedirem permissão e licença para mostrar seus trabalhos, sempre tímidas e com vergonha de mostrar seus “livrinhos” (e como eu tenho raiva de diminutivos). Muitas delas têm vergonha, inclusive, de se assumirem como escritoras. Escuto isso com frequência das minhas alunas de escrita e mentoradas que acompanho. Então, quando uma mulher divulga com veemência sua literatura, seus livros, seu trabalho, soa agressivo, mesmo para outras mulheres, afinal, o machismo é estrutural e não está apenas na boca e na mente dos homens.

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Mas refletindo um pouco mais sobre isso, talvez ela tenha razão. Talvez meu marketing de fato seja agressivo, porque, como mulher, escritora periférica, nordestina e negra, forçar passagem, cavar espaços e ser agressiva muitas vezes faz parte da minha rotina diária.

Lembro-me da vez que eu fui ao psiquiatra e ele não acreditou que eu estava no Doutorado. Ou quando uma leitora me perguntou por que só escrevo sobre personagens pobres. Ou se eu não queria florear mais meu texto, deixá-lo mais palatável e literário, menos direto, seco e pungente. Ou quando fui perguntada o que minha filha ia achar de mim quando lesse o que eu escrevi. Precisei de muita coragem para escrever e publicar A filha primitiva. Preciso de muita coragem para existir num mundo que odeia mulheres, sobretudo mulheres pobres e pretas.

Também estou vivendo um processo de redescobrir minhas raízes, de buscar minha ancestralidade. O livro “Quando me descobri negra”, da Bianca Santana (autora também do livro Arruda e Guiné, publicado pela Editora Fósforo), tem sido uma revolução na minha vida. A primeira frase na quarta capa do livro parecia que tinha sido escrita para mim: “Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes, era morena”. Ler aquilo me deu força e coragem para me aprofundar nesse resgate que tem incomodado familiares. Cheguei a ouvir que eu estou falando besteira, afinal, assumir minhas raízes é apontar também para a deles e, consequentemente, para o racismo velado.

Eu não vou mais ficar em silêncio, porque eu sei do valor da minha produção literária, e isso não se trata de arrogância, mas de uma postura honesta com meu próprio trabalho. E acredito que nós mulheres deveríamos fazer o mesmo. Vejo tantas escritoras que admiro hesitando em mostrar seus livros, em falar que foram finalistas ou vencedoras de prêmios, como se não pudessem celebrar e comemorar suas próprias vitórias sem serem consideradas “amostradas” ou “expansivas demais”. Como se para o homem isso fosse socialmente aceitável e a mulher tivesse sempre que adotar uma postura de pedir licença e permissão diante das pessoas. Chega disso! Se fazer marketing agressivo é falar do seu trabalho com paixão, consistência e estratégia, sim eu faço isso e não vou me desculpar.

Para adquirir os livros:
- Quando me descobri negra, da Bianca Santana (clique aqui)

- A filha primitiva, de Vanessa Passos (clique aqui)

Leia Também | Confira a coluna anterior de Vanessa Passos: Não me diga como devo escrever!

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