Do Big Brother à Revolução dos Bichos: conheça a vida e as obras de George Orwell

Escritor inglês George Orwell (1903 - 1950) entrou em domínio público neste ano. Ele foi o responsável por escrever títulos como "1984" e "Revolução dos Bichos"

Basta fazer uma pesquisa rápida no nome “George Orwell” em sites de vendas de livros para encontrar dezenas de novas edições de suas obras. Companhia das Letras - que antes detinha os direitos autorais -, Intrínseca, Novo Século e Biblioteca Azul foram algumas das várias editoras que lançaram reedições inéditas. Isso porque o escritor inglês responsável por clássicos como “Revolução dos Bichos” (1945) e “1984” (1949) entrou em domínio público neste ano, sete décadas após sua morte.

Eric Arthur Blair (1903 - 1950) nasceu em uma pequena cidade da Índia, porém, mudou-se muito cedo para a Inglaterra. Na terra da Rainha, tornou-se escritor, jornalista e ensaísta. E, desde sua estreia na literatura com “Na Pior em Paris e Londres” (1933), adotou o pseudônimo “George Orwell”. Em vida, deixou dezenas de ensaios e até alguns poemas. Mas foi na literatura que marcou a história.

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Primeira edição de 'Animal Farm', de George Orwell
Primeira edição de 'Animal Farm', de George Orwell (Foto: Reprodução)

Em 1945, publicou “A Revolução dos Bichos”. O romance satírico, lançado pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) e próximo do início da Guerra Fria (1947 - 1991), fazia referência à antiga União Soviética e ao ditador Josef Stalin (1878 - 1953). Virou um dos mais populares e importantes romances escritos no século XX.

Na história, vários animais estão insatisfeitos com a exploração que enfrentam em uma granja. Sob liderança do Porco Major, os bichos iniciam uma revolução. Seus inimigos são os humanos, aqueles que andam com duas pernas.

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Após expulsarem o dono, Sr. Jones, eles criam o próprio formato de sociedade. Os porcos, agora letrados, são os novos líderes e seguem os princípios da ideologia denominada “Animalismo”. Na fazenda, a ideia é simples: “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.

“O autor apresenta uma dura crítica ao regime stalinista através de uma fábula que denuncia como os ideias de uma revolução popular podem ser transformados em uma forma de regime cruel, que persegue, vigia e pune qualquer um que seja uma ameaça para a manutenção do poder”, explica Henrique Gomes, mestre em Letras e pesquisador da obra de Orwell.

Mesmo com as críticas ao governo de Stalin, o escritor se considerava um socialista. “É importante salientar, no entanto, que a preocupação de Orwell não se resumia apenas ao potencial destrutivo do governo stalinista, mas da ascensão de regimes totalitários que ameaçavam o mundo inteiro na primeira metade do século XX”, pontua.

No Brasil, popularizou-se o título 'A Revolução dos Bichos'
No Brasil, popularizou-se o título 'A Revolução dos Bichos' (Foto: Companhia das Letras)

Apesar dos ideais do autor e da crítica ao totalitarismo, a obra foi vista como uma ferramenta propícia para a ditadura militar brasileira (1964 - 1984). O livro chegou pela primeira vez ao País durante o regime e foi traduzido pelo militar Heitor Aquino Ferreira. “Tratava-se do momento perfeito para lançar uma obra que alguns consideravam como uma arma anticomunista”, afirma Henrique Gomes.

Para utilizá-lo como uma arma de combate ao comunismo exposto no discurso da ditadura, até a tradução do título foi mudada. Em inglês, chama-se “Animal Farm”, que em português, pode ser traduzido literalmente para “Fazenda dos Animais”. Mas, em terras brasileiras, virou “Revolução dos Bichos”.

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“Traduzir a obra com o termo ‘revolução’ na capa seria bem mais impactante do que focar no espaço em que ocorre a ação da história (Farm/fazenda), uma vez que aproximaria um tipo de ameaça nas pessoas e reforçaria o desejo de combater o inimigo em comum”, indica o pesquisador.

A primeira tradução permaneceu por décadas e perdurou no imaginário brasileiro. Isso ocorreu até que, em 2020, a Companhia das Letras reeditou para “A Fazenda dos Animais”, com o objetivo de fazer jus ao título original do autor.

"Se levarmos em consideração que nos dias atuais o medo do ‘comunismo’ tem tomado o coração de alguns brasileiros e tem servido para inflamar e polarizar o discurso político, essa alternativa surge com o intuito de atenuar essa estratégia de horror utilizada no regime de 1964. E é, pelo menos ao meu ver, válida e digna da atenção do público e da crítica”, defende Henrique.

O Big Brother

Na semana passada, um vídeo da digital influencer Flay, ex-participante do Big Brother Brasil, viralizou nas redes sociais. Ela publicou em seu perfil no Instagram o registro de sua irmã recebendo de presente a obra “1984”, de George Orwell. A garota abre as páginas do livro e, dentro, depara-se com um celular novo. Os papéis estavam recortados para acomodar o smartphone.

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Tudo na gravação se tornou motivo de piadas na internet. A dona da postagem que viralizou até comentou: “Nem em seus maiores sonhos George Orwell imaginou isso aqui”. A situação foi engraçada para muitos por causa das várias referências entre a publicação de Flay e a narrativa do autor.

Na história do escritor, de 1949, ele imaginou como seria o mundo distópico quase quatro décadas adiante. O protagonista Winston Smith trabalha com falsificação de registros históricos no denominado Ministério da Verdade.

Ele está infeliz, mas não há muito o que possa fazer. Na sociedade em que vive, tudo é controlado pelo “Big Brother” (ou o “Grande Irmão”, em português). A autoridade tem cartazes em todos os lugares com a frase: “O Grande Irmão está de olho em você”. Isso cria uma vigilância extrema voltada para si e para os outros.

Esta entidade, jamais vista por ninguém, observa os passos de todos os cidadãos por meio de “telas” distribuídas pela cidade. Também há esta tecnologia dentro das casas, com o objetivo de gravar e monitorar as ações pessoais. É desta mesma ideia que se inspira o reality “Big Brother”, no qual Flayslane participou.

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Ilustração de '1984', do George Orwell, para a edição da editora Principis
Ilustração de '1984', do George Orwell, para a edição da editora Principis (Foto: Principis)

“Em ‘1984’, sua obra mais famosa, o autor continua a falar sobre temas já abordados em ‘A Revolução dos Bichos’, mas concentra-se na construção da sociedade distópica como uma forma de denúncia no intuito de alertar a comunidade global sobre os perigos do totalitarismo”, indica Henrique Gomes.

Na época, muitos acreditavam que o futuro seria semelhante ao que foi descrito por George Orwell. A atualidade mostrou que o livro fez um retrato intencionalmente exagerado, mas o autor ainda acertou em vários aspectos.

Os realities, por exemplo, são um sintoma da sociedade que busca entretenimento na vigilância constante do cotidiano das pessoas. As redes sociais, que registram todas as suas ações logo após a autorização dos temos de uso, também revelam uma consequência do que o escritor havia citado décadas antes.

Não só: os fenômenos das “fake news”, a distorção de fatos e o controle dos gostos por meio da navegação da internet ainda podem ser citados como semelhantes à história de “1984”.

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O estilo e as distopias

A maioria dos escritos de George Orwell traz características marcantes de seu estilo literário. Independentemente de ser não-ficção ou ficção, “Na Pior em Paris e Londres” (1933), “Dias da Birmânia” (1934), “Lutando na Espanha” (1938), “Revolução dos Bichos” (1945) e “1984” (1949) revelam uma linguagem direta e simples. “Utiliza-se muitas vezes de exageros e sátiras para compor os enredos e os personagens”, pontua o pesquisador.

Além disso, também foi um dos responsáveis por popularizar o gênero da distopia. Antes dele, vieram outros, como Aldous Huxley, com “Admirável Mundo Novo” (1932), e Yevgeny Zamyatin com “Nós” (1924).

Mas até hoje várias situações são definidas como “orwellianas” - que pode ser um elogio ou uma crítica a depender de para quem a palavra está sendo referida.

“Dentre os elementos distópicos estão a vigilância, a destruição e manipulação de conhecimentos consolidados, a repressão física, a modificação da língua, etc. No entanto, o termo tem se tornado controverso nos dias de hoje e pode ser tanto usado como um elogio quando para um xingamento dependendo do contexto de uso”, conclui Henrique.

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