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Charge de Aroeira, que representa Bolsonaro com suástica, levanta discussão sobre liberdade de expressão

Arte representa o presidente Bolsonaro após pintar as pontas de uma cruz vermelha - símbolo de hospitais - e transformá-la na suástica - símbolo do nazismo. Ainda na imagem, se vê as frases "crime continuado" e "bora invadir outro?"
16:20 | Jun. 23, 2020
Autor Natália Coelho
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Tipo Notícia

Seja para contar histórias, dar uma opinião ou criticar políticos, as charges, da mesma forma que o texto e a foto, têm forte relevância no jornalismo. Linguagem que se assemelha aos cartuns, mas que se diferencia principalmente pela temporalidade - visto que representa a realidade no momento em que é publicada -, a charge teve um grande papel no Brasil principalmente na época da ditadura militar. Conteúdo jornalístico e de opinião, a charge teve início no Brasil em 1937, com a publicação de Araújo Porto Alegre, no Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro. Como linguagem, a charge já foi protagonista de episódios polêmicos, como é o caso do desenho do cartunista Renato Aroeira, compartilhada no 14 de junho pelo twitter do jornalista Ricardo Noblat.

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A arte em questão representa o presidente Bolsonaro após pintar as pontas de uma cruz vermelha - símbolo de hospitais - e transformá-la na suástica - símbolo do nazismo. Ainda na imagem, se vê as frases "crime continuado" e "bora invadir outro?". Após grande repercussão, o Governo pediu à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República para investigar a imagem como crime de difamação ou calúnia a partir da Lei de Segurança Nacional, instrumento decretado na ditadura militar.

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Antes mesmo desse episódio, em 2015, o jornal satírico francês Charlie Hebdo foi alvo de um atentado terrorista que protestava contra a publicação de imagens de Maomé, profeta islâmico, e outros elementos da religião muçulmana de forma caricaturada. O ataque, que terminou com a morte de 12 pessoas, gerou polêmicas sobre os limites da expressão e até onde pode ir uma charge para passar sua mensagem.

O caso de Aroeira, mais próximo e mais recente, teve uma grande repercussão principalmente em redes sociais. Na segunda-feira, 15, a hashtag #SomosTodosAroeira se transformou em campanha contra o anúncio da investigação, indicado pelo atual Ministro da Justiça, André Mendonça. O movimento se transformou em perfil de Instagram, @somostodosaroeira, criado por um grupo de cartunistas de todo o País.

Chargista há 25 anos e ocupando o cargo no O POVO há 24, o cartunista Clayton Rebouças reflete sobre o papel da charge na prática jornalística, ressaltando sua importância como mensagem e registro histórico. “A charge tem papel importante porque busca o que está subentendido nos acontecimentos políticos e sociais do dia a dia, utilizando-se de crítica contundente e atualizada para dar forma e conteúdo, graficamente através do humor a determinada situação, provocando uma visão crítica sobre o tema abordado, que está em evidência e em discussão na sociedade”, explica.

Sobre o caso de Aroeira, o chargista ressalta que a censura foi como um “tiro pela culatra”, que acabou dando ainda mais visibilidade para a imagem. “A charge teria cumprido seu papel discretamente, mas com a tentativa de censura, sua visibilidade se agigantou, repercutindo em todo o Brasil e no mundo”, explica. A repercussão fez, inclusive, com com que diversos outros cartunista criassem novas versões da imagem em questão - inclusive o próprio Clayton.

Charge Clayton Rebouças contra a censura da chage de Aroeira
Charge Clayton Rebouças contra a censura da chage de Aroeira (Foto: Clayton)

Segundo o cartunista Mino, ex-chargista do O POVO, o artista é livre, mas o criticado também tem o direito de se defender. Para ele, o grande problema do caso Aroeira é que a resolução deveria vir em forma de processo comum, e não por meio da Lei de Segurança Nacional. “A liberdade de expressão é quase total, mas quem está se expressando tem que saber que a pessoa que está sendo alvo tem o direito de se defender. O Governo que está sendo intolerante a ponto de usar as ferramentas do tempo de ditadura. Bolsonaro poderia chegar e processar ele, porque Aroeira poderia se defender nas mesmas circunstâncias”, declara o cartunista, ressaltando o papel de resistência da charge, principalmente na ditadura militar, com nomes como Millôr Fernandes e Ziraldo, que trabalharam na revista O Pasquim, conhecida por seu conteúdo de oposição durante o regime.

O cartunista Brum, chargista há mais de 15 anos e um do criadores do perfil em apoio a Aroeira, ressalta que o papel primordial da charge é a crítica, tendo como uma de suas funções falar o que a reportagem do jornal não pode. Brum também acrescenta que o limite do desenho é a mentira, visto que o cartunista não pode inventar acontecimentos, e o respeito, sobre não fazer agressões gratuitas.

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“A charge tem que criticar, porque se for a favor, é propaganda. Ele (Aroeira) só montou o quebra-cabeça, pois esse governo vem demonstrando várias atitudes que não são pequenas. O Aroeira pegou todas essas atitudes e resumiu”, ressalta o cartunista, ganhador duas vezes do Prêmio Vladimir Herzog na categoria Arte.

Chargista há mais de 30 anos, o cartunista Sinfrônio ressalta que Aroeira cumpriu seu papel de “contestação, opinião e informação”, deixando claro uma situação que já era sentida pelas pessoas. Entretanto, declara que essa linguagem também tem limites. “É preciso critérios e responsabilidade, no entanto, o chargista nunca poderá se auto censurar. Isso mataria todo o seu poder de fogo. Mas é preciso bom senso. Foi um desenho muito contundente, com um alto grau de ilação ofensiva. Às vezes a ‘alma’ está na sutileza. Mas foi oportuna”, esclarece o cartunista, que já passou por diversos jornais de Fortaleza, inclusive O POVO.

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