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Depois do fim do mundo

Crítico de Dança Henrique Rochelle analista espetáculos apresentados pela São Paulo Companhia de Dança na Bienal Internacional do Ceará
17:53 | Out. 26, 2019
Autor O POVO
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Tipo Notícia

Quando começa “Vai”, de Shamel Pitts, que encerra o programa da São Paulo Companhia de Dança na Bienal, o mundo já acabou. A cortina abre numa cena escurecida, de corpos espalhados e que vão se unindo, como se chamados magneticamente por uma força central, representada também por uma figura em pé ao fundo.

Entre um se arrastando, uns sentados e o de pé, e a partir dos efeitos da ótima iluminação de Mirella Brandi, vai se formando um totem, um monumento-memória que expressa quem são e de onde vieram.

O totem de “Vai” não é animalístico, ele é humano. Reflete sobre o passado daqueles corpos, que passamos a olhar como resquícios, sobreviventes de seu tempo. É o pós-apocalipse: o mundo já acabou, e agora a humanidade busca por onde continuar seus caminhos.

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Nessa condição, os corpos se articulam, às vezes sozinhos, outras em conjunto. É nesses conjuntos que conseguimos melhor ver o que há de interessante na coreografia, trazido por um uso inesperado da bacia e dos calcanhares para organizar o movimento.

A resposta parece clara: nesse novo mundo, teremos que agir diferente, pensar diferente, fazer diferente, dançar diferente. Toda a civilização foi perdida. Mas a humanidade precisa continuar, então só vai…

 

O programa da SPCD no Theatro José da Alencar constrói um interessante caminho, começando com “Petrichor”, de Thiago Bordin, que tem como inspiração o cheiro da terra molhada.

É uma tradução trabalhosa, e o processo de criação com o elenco aumenta a dificuldade de se perceber uma assinatura, mas a obra é lírica, melódica, e o figurino, um dos melhores de Fábio Namatame, ajuda muito na construção dessa imagem.

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Intensa e cheia de linhas de corpo e de luz, que atravessam o palco e os olhos da plateia, “Petrichor” não é exatamente uma xícara de chá na varanda com a garoa caindo, ela é quase o começo de uma tempestade, pra se ver protegido, do lado de dentro da janela.

Assim, nessa leitura do programa, esse seria o mundo antes, à beira do colapso. O colapso mesmo vem com a obra do meio da noite, “A Morte do Cisne”, numa versão de Lars Van Cauwenbergh.

Ainda que a interpretação da obra se esforce para o tom da angústia do cisne que agoniza, a coreografia falta em alguns elementos. Vemos um cisne ainda muito vigoroso, ainda muito alinhado, que parece mais adormecer do que morrer. Mas sabemos, mesmo que pelo título, que ele morre. E, com ele, o mundo todo. Depois disso, recomeçamos. O mundo acaba, e quem sobrevive continua. Só vai.

Henrique Rochelle é Crítico de dança, editor dos sites Da Quarta Parede e Criticatividade, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), e Pós-Doutorando na ECA-USP

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