Crianças têm mais risco de sofrer adversidades quando mãe não tem rede de apoio, diz estudo

Abuso físico e emocional são os principais comportamentos violentos aos quais crianças identificadas na pesquisa estiveram expostas

Crianças que moram em lares onde a mãe cria filhos sem ajuda do companheiro, não conta com uma rede de apoio social e é fumante têm probabilidades maiores de serem expostas a circunstâncias adversas, aponta estudo recente publicado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC).

As experiências adversas na infância (EAI) são eventos potencialmente traumáticos que ocorrem nessa etapa da vida e podem influenciar diretamente no desenvolvimento infantil. Abuso físico e emocional são os mais recorrentes no Estado.

Estima-se que comportamentos violentos aos quais crianças são expostas podem estar associados a até 45% dos transtornos da infância e a até 32% daqueles que surgem posteriormente.

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O estudo aponta que a maior prevalência e intensidade das EAI estão associadas a desfechos negativos, como problemas de saúde mental, doenças crônicas, doenças infecciosas e comportamentos de risco, como tabagismo e alcoolismo.

Para analisar essa situação no Ceará, os pesquisadores visitaram 3.180 domicílios de Fortaleza e de 28 municípios do Interior, tomando por base na escolha a metodologia da Pesquisa de Saúde Materno-Infantil no Ceará (Pesmic).

Eles constataram que mais da metade das 3.566 crianças de até 72 meses identificadas haviam sido expostas a três ou mais tipos de experiências adversas, número considerado muito alto pelos pesquisadores, mas compatível com o encontrado em outros países em desenvolvimento.

Os 9 tipos de experiências traumáticas, conforme o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC):

1 - Abuso emocional (ameaças verbais)
2 - Abuso físico contra a doença (agressão física)
3 - Negligência emocional da criança (criança que não mora com o pai, gravidez indesejada e não planejada e não aceitação)
4 - Negligência física com os filhos (integridade física colocada em risco)
5 - Violência doméstica (violência entre pares, sentimento de insegurança em casa e agressão física/verbal)
6 - Abuso de álcool e drogas na família
7 - Presença de transtorno mental comum (TMC) materno
8 - Divórcio ou disputa pela guarda do filho
9 - Familiar preso ou falecido

Das experiências detectadas, o abuso físico foi a mais prevalente, atingindo 57,2% das crianças, seguido do abuso emocional (55,1%) e da violência por parceiro íntimo da mãe (33,8%).

Esses percentuais são mais elevados do que os identificados em outros países, mas se assemelham a realidades referenciadas por pesquisas em outros estados e regiões do Brasil, pondera Iara Martins, mestra em Saúde Pública e uma das autoras do estudo.

“Os nossos resultados podem estar relacionados à cultura de uma disciplina punitiva para educar as crianças”, considera a pesquisadora. “Isso estaria em conformidade com os resultados expostos em outro estudo – Projeto Primeira Infância para Adultos Saudáveis (2019) –, realizado em 16 municípios do Estado com pais ou responsáveis por crianças na primeira infância, o qual revelou que 84% dos entrevistados relataram utilizar dessa disciplina punitiva no processo de educação das crianças.”

A negligência emocional, com 29,3%, os casos de prisão ou morte de um membro da família (28,4%) e a presença de transtorno mental comum materno (20,9%), como depressão e ansiedade, também foram detectados entre as principais experiências adversas entre as crianças da amostra.

“Isso certamente tem levado a um pior desenvolvimento infantil e tem consequências na produtividade escolar e na saúde dos adultos em que essas crianças se transformarão” analisa o professor Hermano Rocha, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC e também um dos autores do estudo.

Entre os problemas que podem surgir na vida adulta decorrentes dessas experiências, estão doenças crônicas, câncer, doenças cardiovasculares, doenças sexualmente transmissíveis, além de comportamentos de risco à saúde, hábitos de vida sedentários e inadequados, sofrimento psíquico e maior risco de mortalidade precoce, relata a pesquisa.

Fatores Relacionados

Um dos diferenciais do estudo é que, além de estimar a prevalência das EAIs, ele identifica os fatores de risco e proteção dessas experiências adversas na primeira infância, algo que pouquíssimas pesquisas realizam.

Dos achados, foi verificado que as crianças que não moram com o pai têm quatro vezes mais chances de ser expostas a situações adversas do que aquelas que vivem com a figura paterna. “Separações de casais costumam envolver períodos de estresse intenso e prolongado, com repercussões emocionais e financeiras na família e na própria criança”, considera o estudo.

Já as crianças cujas mães informaram falta de apoio social de amigos e familiares têm quase três vezes mais probabilidade de enfrentar situações violentas. Filhos de mães fumantes, por sua vez, tiveram 71% mais chances de ter pontuações altas para incidência de EAI.

“Fumar tem sido frequentemente associado à depressão materna, e as descobertas do estudo podem ser uma extensão de transtornos mentais comuns maternos”, avaliam os pesquisadores.

A insegurança alimentar e desemprego na família também estão entre os principais fatores para essas circunstâncias adversas, elevando em 71% e 41% as probabilidades.

Os resultados estão descritos no estudo “Prevalence and factors associated with adverse early childhood experiences: a population-based study in Ceará, Brazil” (“Prevalência e fatores associados a experiências adversas na primeira infância: um estudo de base populacional no Ceará, Brasil”) foram publicados na Revista Brasileira de Epidemiologia.

Idade da mãe influência

O estudo também revelou que as mães adolescentes foram associadas a uma menor exposição de seus filhos às experiências adversas, e que essa probabilidade vai aumentando à medida que a idade materna é elevada.

“Isso pode ser devido ao fato de que, considerando o contexto cultural local, os familiares costumam apoiar as mães muito jovens, muitas vezes as avós, tanto nos aspectos econômicos quanto nos cuidados com os filhos”, justifica o estudo. “As mães mais velhas, por outro lado, muitas vezes não contam nem com o apoio do próprio pai da criança.”

Os pesquisadores identificaram ainda a baixa escolaridade do chefe da família como fator fortemente associado ao maior número de EAI. Famílias chefiadas por pessoas com pouca escolaridade apresentaram uma chance 30% maior em relação às que possuíam chefes de nível superior.

Para aquelas comandadas por quem não possuía escolaridade alguma, o aumento foi de 60% na comparação com as de nível superior. Vale ressaltar que, neste estudo, 26% das famílias eram chefiadas pelas mães.

Novos resultados

A pesquisa foi desenvolvida tendo por base os dados de 2017 da Pesquisa de Saúde Materno-Infantil no Ceará (Pesmic), que é um estudo transversal de base populacional sobre o estado de saúde e nutrição de crianças de até 72 meses de idade.

A Pesmic foi realizada nos anos de 1987, 1990, 1994, 2001, 2007 e 2017. Uma nova edição desse levantamento, a Pesmic 2022, está sendo concluída, apresentando os resultados após a pandemia de Covid-19.

O levantamento contou com a parceria da Escola de Saúde Pública de Harvard, onde Hermano Rocha realizou pós-doutorado. A instituição financia, por exemplo, a medição de hemoglobina das crianças, um novo indicador que estará presente na edição de 2022.

De acordo com o professor, o estudo desenvolvido pode contribuir para o desenvolvimento de programas preventivos eficazes e estratégias interventivas de duas formas.

“A primeira, direcionando esforços específicos para as populações que estejam em alto risco e com chance aumentada de apresentar experiências adversas na infância. A segunda, estimando como o cenário ficará se uma das variáveis de risco aumentar. Por exemplo, a insegurança alimentar leva a EAIs. Considerando o grande aumento que tivemos de insegurança alimentar, é esperado que as EAIs tenham aumentado, trazendo aumento de suas consequências negativas a reboque”, prevê.

 

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